Plenário começa a discutir indisponibilidade de bens dos devedores da Fazenda Pública

O relator, ministro Marco Aurélio, votou nesta quinta-feira (3) pela inconstitucionalidade da medida. O julgamento terá continuidade na próxima semana.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, nesta quinta-feira (3), o julgamento conjunto de seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em que se discute a possibilidade da Fazenda Nacional poder, administrativamente, colocar o nome de devedores no serviço de proteção ao crédito e averbar a indisponibilidade de bens desses contribuintes para garantir o pagamento dos débitos a serem executados. O ministro Marco Aurélio, relator de todas as ações, foi o único a votar e se manifestou pela inconstitucionalidade do artigo 25 da Lei 13.606/2018, na parte que instituiu esse procedimento tributário. O julgamento deverá ser retomado na sessão da próxima quarta-feira (9).

O objeto de questionamento são dispositivos da Lei 13.606/2018, que alterou a Lei 10.522/2002 e instituiu o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. As normas possibilitam à Fazenda Pública averbar a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora, tornando-os indisponíveis. As ações foram ajuizadas pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 5881), pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (ADI 5886), pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (ADI 5890), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 5925), pela Confederação Nacional da Indústria (ADI 5931) e pela Confederação Nacional do Transporte (ADI 5932).

Direito de propriedade

Antes do voto do relator, os advogados Felipe Corrêa, Felipe Camargo, Gustavo Martins e Mateus Reis e Montenegro ,representantes das partes e das entidades interessadas admitidas no processo sustentaram que a Constituição Federal exige edição de lei complementar para a regulamentação de crédito tributário. Entre outros pontos, eles alegaram que a Fazenda Pública não pode impor constrição do direito à propriedade sem qualquer participação anterior do Poder Judiciário, que é um órgão neutro.

Defesa das normas

O procurador da Fazenda Nacional Fabrício de Soller defendeu a validade dos dispositivos, observando que a averbação preexecutória não expropria bens, pois a indisponibilidade de bens se dá de forma temporária e restrita. Soller salientou que a anotação no registro de bens e direitos de débito em dívida ativa da União visa evitar fraudes e dar publicidade a terceiros de boa-fé e disse que a norma foi editada visando dar maior eficiência à recuperação do crédito público e descongestionar o Poder Judiciário.

Arbitrariedade do poder público

Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, a medida é desproporcional e restringe o direito de propriedade garantido pela Constituição Federal, além de violar a reserva da jurisdição e o devido processo legal, que não pode ser afastado pelo fisco.

Coação ao pagamento

Na avaliação do ministro Marco Aurélio, a medida questionada é “coercitiva e constritiva” e se enquadra no conceito de sanção política, inadmissível pela ordem constitucional e pela jurisprudência consolidada do Supremo. Para o relator, a restrição é desarrazoada e o meio escolhido pelo legislador para satisfazer a obrigação tributária é ilegítimo, pois, de forma coercitiva, compele o devedor à satisfação do débito existente, em violação a garantias constitucionais como o devido processo legal, o livre exercício de atividades profissionais e econômicas lícitas e o direito à propriedade. Ele avaliou, ainda, que qualquer intervenção estatal excessiva implica afronta ao estado democrático de direito.

Ampliação inconstitucional

Com base na Constituição Federal (artigo 146, inciso III, alínea “b”), o ministro Marco Aurélio salientou que compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Na sua avaliação, a norma atacada não se limitou a disciplinar o procedimento para a cobrança de tributos, mas ampliou ao Fisco os instrumentos voltados à satisfação do crédito. De acordo com ele, cabe à Fazenda Pública recorrer aos meios adequados a essa finalidade, “abandonando a prática de fazer justiça pelas próprias mãos, inviabilizando o prosseguimento da atividade econômica mediante a decretação unilateral da indisponibilidade de bens e direitos titularizados pelo devedor”.

Prévia manifestação judicial

Para o relator, o afastamento da necessidade de intervenção do Poder Judiciário desvirtuou o sistema de cobrança da dívida da União. O ministro observou que o artigo 185-A do Código Tributário Nacional condiciona a possível indisponibilidade dos contribuintes à formalização prévia de decisão judicial nos casos em que o devedor for devidamente citado, mas não pagar nem apresentar bens à penhora, ou em que não forem encontrados bens penhoráveis. Segundo ele, previsão contrária desrespeita os princípios da segurança jurídica, da igualdade de chances e da efetividade da prestação jurisdicional, “que devem ser observados em contraposição à primazia do crédito público”.

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