Na sessão de 19/03/2024, o Colendo STJ, julgou o REsp. 2112090, em que a operadora do plano de saúde se negava a fornecer, custear/reembolsar despesas de transporte, porque ao garantir o atendimento em prestador integrante de sua rede assistencial indireta, situado em município pertencente à região de saúde, não persiste a obrigação de custear o transporte” (fl. 270, e-STJ); que “está agindo em perfeita sintonia com o que estabelece o art. 5º da RN 259/11, editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar” (fl. 271, e-STJ); que, “do anexo da Instrução Normativa, acrescenta que o pedido de reembolso formulado nos presentes autos está desprovido de qualquer elemento probatório; o autor recorrido nem sequer trouxe aos autos os comprovantes dos valores supostamente gastos.
Em seu voto a Ministra Relatora , frisa que na ausência de prestador da rede credenciada apto a realizar o tratamento no município de Tatuí, onde o recorrido reside, a UNIMED (recorrente) indicou o Hospital Gapi, que integra a sua rede assistencial e está localizado no município de Sorocaba, integrante da mesma região de saúde de Tatuí, conforme prevê a Instrução Normativa ANS 16/2022.
Dado o cenário, é importante ressaltar que o art. 16, X, da Lei 9.656/1998 dispõe que, dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos planos privados de assistência à saúde devem constar dispositivos que indiquem com clareza, dentre outros, a área geográfica de abrangência, a qual, de acordo com a ANS, corresponde à área em que a operadora fica obrigada a garantir todas as coberturas de assistência à saúde contratadas pelo beneficiário, podendo ser nacional, estadual, grupo de estados, municipal ou grupo de municípios (art. 1º, § 1º, I, da Resolução Normativa 259/2011 – atual art. 1º, § 1º, I, da Resolução Normativa 566/2022 da ANS).
Por sua vez, o art. 2º da Resolução Normativa 259/2011 da ANS (atual art. 2º da Resolução Normativa 566/2022 da ANS), vigente à época dos fatos narrados na petição inicial, acrescenta que a operadora deverá garantir o atendimento integral dessas coberturas no município onde o beneficiário os demandar, desde que seja integrante da área geográfica de abrangência e da área de atuação do produto.
Sucede, entretanto, que, num país de proporção continental como o Brasil, não há como exigir que as operadoras de planos de saúde mantenham, em cada um dos mais de 5.500 municípios brasileiros, todas as coberturas de assistência à saúde contratadas por seus beneficiários.
Daí porque, assim como no SUS (art. 2º, I, Decreto 7.508/2011), a saúde suplementar trabalha com o conceito de regiões de saúde, definidas como “o espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde” (art. 1º, § 1º, V, da Resolução Normativa 259/2011 – atual art. 1º, § 1º, V, da Resolução Normativa 566/2022).
Assim, na hipótese de indisponibilidade ou inexistência de prestador no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a Resolução Normativa 259/2011 da ANS (com as alterações dadas pela Resolução Normativa 268/2011), estabelece – assim como a Resolução Normativa 566/2022,
Como se vê, no que tange à responsabilidade da operadora pelo transporte do beneficiário para tratamento fora do município de demanda, a norma regulamentadora faz distinção entre as hipóteses de indisponibilidade e de inexistência de prestador no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto.
No entanto, por força do que dispõe o art. 16, X, da Lei 9.656/1998, com a regulamentação dada pelo art. 1º, § 1º, I, da Resolução Normativa 259/2011 (atual art. 1º, § 1º, I, da Resolução Normativa 566/2022), e do que determina o art. 2º da Resolução Normativa 259/2011 (atual art. 2º da Resolução Normativa 566/2022), interpretados sob a ótica do direito do consumidor, não há como adotar soluções jurídicas distintas para a situação do beneficiário que, seja por indisponibilidade ou por inexistência de prestador da rede assistencial no município de demanda, é obrigado a se deslocar para outro município, ainda que da mesma região de saúde, para receber a cobertura de assistência à saúde contratada.
Convém novamente ressaltar que o conceito de região de saúde, já mencionado, é dirigido às operadoras, com a única finalidade de permitir-lhes integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde que prestam; tal conceito, portanto, não pode ser utilizado como um mecanismo que dificulta o acesso do beneficiário às coberturas de assistência à saúde contratadas.
Apenas para ilustrar, uma pesquisa sobre a distância entre os municípios integrantes da Região de Saúde de Sorocaba – de que tratam os autos – revela que o trajeto mais curto entre Araçariguama e Itapirapuã Paulista, por exemplo, é de 328 km!
Dessa forma, não é razoável que o beneficiário seja obrigado a custear o seu deslocamento para receber atendimento fora do município de demanda integrante da área geográfica de abrangência estabelecida no contrato, sobretudo em município que sequer é limítrofe a este, ainda que sejam ambos da mesma região de saúde, especialmente considerando que a distância entre os municípios de uma mesma região de saúde pode ser bastante longa, ainda mais para quem necessita de tratamento médico.
Logo, seguindo a diretriz do art. 4º da Resolução Normativa 259/2011 (atual art. 4º da Resolução Normativa 566/2022 da ANS), conclui-se que, se, no município de demanda, não houver prestador da rede assistencial apto a realizar o serviço ou o procedimento demandado, caberá à operadora, no prazo regulamentar, garantir o atendimento em: (i) prestador não integrante da rede assistencial no município de demanda; ou (ii) prestador, integrante ou não da rede assistencial, em município limítrofe ao município de demanda; ou (iii) prestador, integrante ou não da rede assistencial, em município não limítrofe ao município de demanda, mas integrante da mesma região de saúde deste, garantindo o transporte – ida e volta – do beneficiário; ou (iv) prestador, integrante ou não da rede assistencial, em município não integrante da região de saúde do município de demanda, garantindo o transporte – ida e volta – do beneficiário.
Noutras palavras, a operadora tem a obrigação de custear o transporte sempre que, por indisponibilidade ou inexistência de prestador no município de demanda, pertencente à área geográfica de abrangência do produto, o beneficiário for obrigado a se deslocar para município não limítrofe àquele para a realização do serviço ou procedimento de saúde contratado.
É incontroverso nos autos que Tatuí, município de demanda e onde reside o recorrido, integra a área geográfica e a área de atuação do produto.
De acordo com o Juízo de primeiro grau, “a ré não comprovou que havia fornecedor do tratamento necessário pelo autor na cidade de Tatuí, instando a necessidade dele se dirigir a outro município, que sequer é limítrofe com o seu” (fl. 196, e-STJ).
O TJ/SP, por sua vez, reafirmou que “não há disponibilidade de prestador da rede assistencial da parte ré, que ofereça o serviço ou procedimento demandado no município de Tatuí, onde reside a parte autora, que pertence à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto” (fl. 250, e-STJ).
Constata-se, assim, que, diante da impossibilidade de realização de seu tratamento de saúde por prestador da rede assistencial localizado em Tatuí, o recirrido foi obrigado a se deslocar até Sorocaba, município que, embora da mesma região de saúde, não é limítrofe com o município de demanda.
Logo, como decidiu o TJ/SP, “a operadora estará obrigada a fornecer o transporte de ida e volta” (fl. 251, e-STJ) e, por conseguinte, a reembolsar, integralmente, as despesas de transporte eventualmente realizadas pelo beneficiário em virtude do descumprimento daquela obrigação, nos termos do § 4º do art. 9º da Resolução Normativa 259/2011 (atual § 4º do art. 10 da Resolução Normativa 566/2022).
Nestes termos a Operadora terá que custear/reembolsar as despesas.
REsp 2112090
Pingback: Plano de saúde deve custear transporte se município ou cidades vizinhas não oferecem atendimento