Patrão que demitiu empregada doméstica por WhatsApp pagará indenização

Na mensagem pelo aplicativo, ele escreveu: “Bom dia, você está demitida!”

Uma empregada doméstica de Campinas (SP) receberá R$ 5 mil de indenização do ex-patrão por ter sido acusada de ato ilícito e demitida por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. Para a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou o recurso do empregador, o instrumento utilizado para a dispensa justifica a condenação.

“Bom dia, você está demitida!”

A empregada doméstica ficou um ano no emprego e teve o contrato rescindido em novembro de 2016. Na mensagem comunicando a dispensa, o patrão escreveu: “Bom dia, você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar documentos”. Ele a teria acusado, ainda, de ter falsificado assinatura em documento de rescisão.

Na reclamação trabalhista, a doméstica insurgiu-se contra o que considerou conduta abusiva do empregador no exercício do poder de direção e disse tê-lo acionado na Justiça para compensar a ofensa à sua dignidade e à sua honra. Quanto à indenização, pediu o valor de 25 vezes o último salário recebido, num total estimado em R$ 42 mil.

Condenação

A ação foi julgada pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Campinas (SP), que entendeu configurada ofensa à dignidade humana da empregada e condenou o patrão a indenizá-la tanto pela dispensa via WhatsApp quanto pela acusação de falsificar a assinatura no documento de rescisão. Todavia, fixou o valor em três salários da doméstica.

Meio de comunicação atual

No recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), o empregador questionou se havia alguma previsão legal que o impedisse de demitir a empregada pelo aplicativo de celular. Segundo ele, foi utilizado de “um meio de comunicação atual, moderno, para comunicar à empregada que ela estava sendo dispensada”, e, se não há previsão legal sobre como deve ser comunicada a dispensa, não teria havido ilegalidade.

Consideração e cortesia

O TRT manteve a indenização, mas fundamentou sua decisão no conteúdo da mensagem da dispensa, e não no meio utilizado. “Não se questiona a privacidade ou a segurança do meio de comunicação utilizado, mas o modo como o empregador comunicou a cessação do vínculo de emprego à trabalhadora”, registrou. Para o Tribunal Regional, na mensagem “Bom dia, você está demitida!” foram ignoradas regras de cortesia e consideração referentes a uma relação de trabalho.

Texto e contexto

Para a ministra Kátia Arruda, relatora do recurso pelo qual o empregador pretendia rediscutir o caso no TST, para se concluir se a mensagem fora ofensiva seria preciso saber o contexto, e não apenas o texto. Sem essa análise, é difícil saber o que ocorreu para que a dispensa tivesse esse desfecho. “O contexto é que dá sentido ao texto. Isso porque, no âmbito das interações sociais, os fatos não falam por si – os interlocutores é que dão sentido aos fatos”, observou.

A relatora assinalou, ainda, que a utilização da linguagem escrita, “na qual a comunicação não é somente o que uma pessoa escreve, mas também o que a outra pessoa lê”, impedia de saber o que teria acontecido entre patrão e empregada. “O empregador não questionou a veracidade dos fatos, centrando suas alegações na pretendida licitude da utilização do aplicativo na relação de trabalho”, observou. Por essa razão, segundo ela, “por todos os ângulos”, não há como afastar o direito à indenização.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECLAMADO. LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA E ACUSAÇÃO DE ATO ILÍCITO VIA WHATSAPP.

1 – Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema. Havendo transcendência, segue-se na análise dos demais pressupostos de admissibilidade.

2 – A dignidade da pessoa humana, fundamento da República (art. 1º, III, da CF/88) e regra matriz do direito à indenização por danos morais (art. 5º, X, da CF/88), impõe-se contra a conduta abusiva do empregador no exercício do poder de direção a que se refere o art. 2º da CLT, o qual abrange os poderes de organização, disciplinar e de fiscalização.

3 – São fatos incontroversos que as causas de pedir a indenização por danos morais foram duas – a dispensa por Whatsapp e a acusação também por meio do aplicativo de que a reclamante teria falsificado assinatura em documento de rescisão. Na sentença a indenização por danos morais foi deferida pelos dois fundamentos – dispensa por Whatsapp e acusação indevida de ato ilícito. No recurso ordinário, o reclamado não questionou a veracidade dos fatos, centrando suas alegações na pretendida licitude da utilização do aplicativo na relação de trabalho. Por essa razão, no acórdão recorrido o TRT não se deteve na análise da prova dos fatos, eis que essa questão não era controvertida no segundo grau de jurisdição.

4 – A Corte regional manteve a indenização por danos morais examinando apenas o enfoque da dispensa por Whatsapp, sem se manifestar sobre a acusação de ato ilícito sofrida pela reclamante também por meio do aplicativo . Nesse contexto, o segundo fundamento para a indenização por danos morais (acusação indevida de ato ilícito) transitou em julgado, pois sobre ele não se manifestou o TRT nem o reclamado traz qualquer impugnação para o TST (suas razões recursais se referem à dispensa por Whatsapp). Havendo dois fundamentos autônomos, suficientes por si mesmos para manter a condenação, a não desconstituição de um deles torna inútil seguir na discussão sobre o fundamento impugnado. Assim, de plano, no caso dos autos não haveria utilidade em seguir no debate sobre a dispensa por Whatsapp .

5 – Por outro lado, dada a relevância da matéria , deve ser registrado que no caso concreto o que se extrai do acórdão recorrido, trecho transcrito no recurso de revista, é que o TRT fundamentou o reconhecimento dos danos morais no conteúdo da mensagem da dispensa, e não no meio utilizado para a dispensa (Whatsapp) . Disse a Corte regional: “Não se questiona na hipótese dos autos a privacidade ou a segurança do meio de comunicação utilizado, o que, de todo modo, poderia potencializar os danos causados. O que se avalia é o modo como o reclamado comunicou a cessação do vínculo de emprego à trabalhadora, que, como se sabe, depende economicamente da contraprestação pelo trabalho prestado. A mensagem, reproduzida às fls. 43, fala por si. Vejamos: ‘ Bom dia, Você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar documentos’ . Nesse particular, não se ignora que o conteúdo da mensagem de dispensa foi telegráfico nem se ignora que as regras da cortesia e da consideração devem ser observadas em quaisquer etapas da relação de trabalho. No entanto, para que se pudesse concluir nesta Corte Superior se foi ofensivo ou não o conteúdo da mensagem da dispensa precisaríamos saber do contexto da mensagem , e não apenas do texto da mensagem. O contexto é que dá sentido ao texto . Isso porque no âmbito das interações sociais os fatos não falam por si – os interlocutores é que dão sentido aos fatos. Esse aspecto é mais acentuado ainda na linguagem escrita, na qual a comunicação não é somente o que uma pessoa escreve, mas também o que a outra pessoa lê. No caso dos autos, afinal, o que teria acontecido entre as partes para que a dispensa tivesse desfecho com mensagem daquele conteúdo? Não consta no acórdão recorrido o contexto em que as coisas ocorreram. Nem mesmo o reclamado, nas suas razões recursais, traz contextualização sobre os diálogos com a reclamante, pois sua tese é sobre a licitude da utilização de Whatsapp na relação de trabalho.

6 – Acrescente-se que, embora o reclamado sustente que a reclamante não teria alegado danos morais pelo conteúdo da mensagem da dispensa, mas pelo instrumento utilizado para a dispensa – a reclamante teria se insurgido na realidade contra o conteúdo de mensagem posterior que a acusou de ato ilícito ao assinar documento de rescisão -, subsiste que não há tese no acórdão recorrido sobre o suposto julgamento fora dos limites da lide e não há no recurso de revista, renovado no agravo de instrumento, fundamentação jurídica (dispositivos de lei ou arestos) que trate especificamente dos limites da lide.

7 – Enfim, por todos os ângulos que se examine a lide, conclui-se que não há como afastar o direito à indenização por danos morais reconhecido no primeiro e no segundo graus de jurisdição.

8 – Agravo de instrumento a que se nega provimento.

Processo:  AIRR-10405-64.2017.5.15.0032

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