O documento previdenciário prevê o nexo com o trabalho, mas a perícia judicial entendeu o contrário.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu decisão que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de doença ocupacional feito por auxiliar de produção da Videplast Indústria de Embalagens Ltda. que desenvolveu tendinite no ombro esquerdo. Apesar de o Nexo Técnico Epidemiológico da Previdência Social prever a relação entre a doença e o trabalho, prevaleceu prova pericial que não identificou a tendinopatia como doença ocupacional derivada da atividade realizada na indústria de embalagens. No caso, o colegiado também negou o pagamento de indenizações por danos materiais e morais, a estabilidade provisória acidentária e a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
Tendinite no trabalho
Na reclamação trabalhista, apresentada em 2016, a auxiliar de produção relatou que manteve relação de emprego com a Videplast, de Rio Verde (GO), de 3/2/2014 a 14/12/2015, carregando materiais de 10 a 25 quilos durante a jornada. Segundo ela, o esforço repetitivo provocou tendinite em seu ombro esquerdo. Por entender que se trata de doença ocupacional equiparada a acidente de trabalho que a incapacitou para o serviço, a auxiliar pretendeu receber indenizações por danos materiais e morais e quis estabilidade provisória no emprego e emissão da CAT.
O juízo de primeiro grau indeferiu os pedidos com base em laudo pericial que não constatou a patologia. Logo, há capacidade laborativa e falta nexo causal entre a suposta doença e as atividades desempenhadas na indústria. Conforme a perícia, feita em dezembro de 2016 e solicitada pela Justiça, “os testes específicos para tendinites dos ombros apresentaram resultados dentro da perfeita normalidade”.
Doença ocupacional
O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), no entanto, deferiu os pedidos ao reconhecer a ocorrência de doença profissional equiparada a acidente do trabalho, com base em atestados médicos e no Nexo Técnico Epidemiológico previsto do Regulamento da Previdência Social. Segundo o TRT, apesar do laudo pericial, ficou demonstrado, no processo, que a auxiliar teve tendinopatia do supraespinhoso no ombro esquerdo, patologia classificada no CID M75.8, no período de junho/2014 a outubro/2015, com diversos afastamentos do trabalho por atestado médico.
Nos termos da decisão do Tribunal Regional, o Decreto 3.048/1999, que regulamenta as Leis 8.212/1991 e 8.213/1991, estabelecendo o Regulamento da Previdência Social, dispõe que nas empresas enquadradas nas classes de CNAE “2222”, como a Videplast, reconhece-se o Nexo Técnico Epidemiológico em razão de as atividades desenvolvidas estarem incluídas como passíveis de desenvolver doenças ocupacionais enquadradas na CID-10 nos intervalos de “M60” até “M79”, que inclui a doença manifestada pela auxiliar (CID M75.8).
Para o TRT, se a doença adquirida pela trabalhadora se enquadra naquelas com nexo técnico epidemiológico com as atividades desenvolvidas pela indústria, o nexo causal está estabelecido por presunção legal. O Tribunal Regional ainda concluiu que a empresa não apresentou prova contrária a essa presunção.
Perícia válida
A Videplast apresentou recurso de revista ao TST. O relator, ministro Alexandre Agra Belmonte, votou no sentido de restabelecer a decisão de primeiro grau, que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de doença ocupacional e as pretensões dela decorrentes (indenização por danos materiais e morais, estabilidade provisória acidentária e emissão da CAT).
De acordo com o ministro, o TRT reconheceu a existência de doença profissional equiparada a acidente do trabalho, com fundamento tão somente no Nexo Técnico Epidemiológico entre a tendinopatia da auxiliar e as atividades desenvolvidas na indústria em questão. “Ignorou o laudo pericial produzido em juízo, que afastou a ocorrência de relação de causa e efeito entre a patologia e o trabalho”, destacou o ministro.
O relator explicou que o nexo epidemiológico previdenciário previsto no artigo 21-A da Lei nº 8.213/1991 representa mero indício de relação de causa e efeito entre a atividade empresarial e a doença incapacitante elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID). O ministro esclareceu que, de acordo com o parágrafo 1º desse artigo, a caracterização da natureza acidentária da patologia pressupõe a ausência de laudo pericial que demonstre a inexistência de nexo de causalidade ou concausalidade com o trabalho. “Desta feita, é possível concluir que o Nexo Técnico Epidemiológico previsto na legislação previdenciária implica a presunção meramente relativa de vínculo entre a doença do trabalhador e as atividades profissionais”.
Análise do juízo sobre a perícia
O artigo 479 do CPC de 2015 possibilita que o juiz deixe de considerar, de maneira fundamentada, as conclusões do laudo. No entanto, o ministro acredita que não deve ser invocado esse artigo no caso em análise. Segundo ele, ainda que o referido dispositivo ressalve a convicção do julgador diante da conclusão pericial, “o desacordo entre a decisão e a prova técnica deve estar amparado por outros elementos igualmente consistentes nos autos, e não por mera ilação”. Para o ministro, entender de modo diverso seria comprometer o direito de defesa do empregador, que teve o laudo pericial a seu favor. O ministro concluiu que a decisão do TRT violou o artigo 21-A, parágrafo 1º, da Lei 8.213/1991.
O recurso ficou assim ementado:
I – RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 .
DOENÇA PROFISSIONAL EQUIPARADA A ACIDENTE DO TRABALHO – CARACTERIZAÇÃO – NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO – PRESUNÇÃO RELATIVA. PRESENÇA DE TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. O TRT reconheceu a existência de doença profissional equiparada a acidente do trabalho, fundamentando o seu entendimento tão somente no Nexo Técnico Epidemiológico entre a tendinopatia da reclamante e as atividades desenvolvidas na reclamada. Ignorou o laudo pericial produzido em juízo, que afastou a ocorrência de relação de causa e efeito entre a patologia e o trabalho. O recurso oferece transcendência com relação aos reflexos de natureza política previstos no artigo 896-A, §1º, II, da CLT, uma vez que se está diante de acórdão proferido de forma dissonante da iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. O nexo epidemiológico previdenciário previsto no caput do artigo 21-A da Lei nº 8.213/1991 representa mero indício de relação de causa e efeito entre a atividade empresarial e a entidade mórbida incapacitante elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID. De acordo com o que se depreende do §1º do mesmo artigo, a caracterização da natureza acidentária da patologia pressupõe a ausência de laudo pericial que demonstre a inexistência de nexo de causalidade ou concausalidade com trabalho. Desta feita, é possível concluir que o Nexo Técnico Epidemiológico previsto na legislação previdenciária implica a presunção meramente relativa ( iuris tantum ) de vínculo entre a doença do trabalhador e as atividades profissionais. E nem se invoque juízo diverso em razão do que dispõe o artigo 479 do CPC de 2015. Isso porque, ainda que referido dispositivo ressalve a convicção do julgador em face da conclusão pericial, a dessintonia entre a decisão e a prova técnica deve estar amparada por outros elementos igualmente consistentes nos autos, e não por mera ilação. Entender de modo diverso seria comprometer o direito de defesa da parte que ampara sua pretensão em prova substanciosa e, em última análise, disseminar a própria insegurança jurídica. No caso concreto, conforme ressaltado alhures, a Corte Regional considerou caracterizada a doença profissional, fiando a sua conclusão apenas na presunção legal de que a atividade laboral teria atuado como causa para a deflagração da moléstia da autora, desconsiderando por completo o laudo técnico apresentado na instrução. Entende-se, portanto, violado o artigo 21-A, §1º, da Lei nº 8.213/1991. Precedentes do TST em casos análogos. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 21-A, §1º, da Lei nº 8.213/1991 e provido . Prejudicado o exame do agravo de instrumento, à exceção do tema “multa por embargos de declaração protelatórios” .
II – AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA .
MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS . Os embargos de declaração não se prestam a corrigir eventuais erros de julgamento, mas a integrar determinado ponto de decisão porventura omisso, obscuro, contraditório ou que padeça de algum erro material. Dessa forma, ainda que a reclamada tivesse razão quanto à negativa de caracterização da doença profissional, a utilização do recurso horizontal revelou-se despropositada, porque, não obstante equivocado, o acórdão regional não apresentava nenhum dos vícios previstos nos artigos 1.022 do CPC de 2015 e 897-A da CLT, nomeadamente em virtude de que a conclusão pericial que afastava o nexo de causalidade já havia sido declinada no julgamento do recurso ordinário. A injustificada protelação do feito enseja a manutenção da penalidade aplicada. Preservada, portanto, a literalidade dos artigos 5º, LV, da CF e 1.026, §2º, do CPC de 2015. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.
CONCLUSÃO: recurso de revista conhecido e provido e agravo de instrumento conhecido e desprovido .
Por unanimidade, a Terceira Turma acompanhou o voto do relator.
Processo: ARR-10915-17.2016.5.18.0101