Receio é o de que ocorra privatização dos serviços públicos de saúde e educação prestados pela universidade, bem como prejuízos às atividades de ensino, pesquisa e extensão
O Ministério Público Federal em Belo Horizonte (MPF/MG) ajuizou ação civil pública contra a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pedindo a suspensão dos efeitos do contrato que transferiu a administração do Hospital das Clínicas (HC) em Belo Horizonte para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).
A ação também pede a suspensão de quatro concursos públicos para as áreas médica, assistencial e administrativa, que estão sendo realizados pela EBSERH e tiveram provas objetivas no último dia 27 de abril.
A EBSERH é uma empresa pública com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio. Ela foi criada pela Lei 12.550/2011 para prestar gratuitamente serviços de assistência médico-hospitalar, ambulatorial, de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade em geral. No caso das instituições federais de ensino ou instituições congêneres, a nova empresa pública deverá prestar serviços de apoio ao ensino e à pesquisa, ao ensino-aprendizagem e à formação de profissionais da saúde.
Desde a sua criação, no entanto, a EBSERH vem sendo alvo de acirradas críticas por parte de movimentos sociais, organizações estudantis, sindicatos de trabalhadores em saúde, trabalhadores em instituições federais de ensino e até mesmo do Conselho Nacional de Saúde, que contestam não só aspectos jurídicos da lei de criação, mas também consequências tais como a possibilidade de contratação de funcionários da EBSERH por meio do regime da CLT e possível deturpação da produção do conhecimento.
No caso da contratação de pessoal permanente pela CLT, prevista no artigo 10 da Lei 12.550, o MPF lembra que tal previsão é inconstitucional, pois a EBSERH é uma empresa pública, portanto, seus funcionários devem submeter-se ao regime jurídico único, conforme inclusive decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou tal regime para a contratação de pessoal nos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Inconstitucionalidade – Por sinal, a lei de criação da EBSERH já está sendo questionada no Supremo por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4893) proposta, em 31 de outubro de 2012, pelo procurador-geral da República. Apesar disso, e ainda pendente o julgamento dessa ADI, diversas instituições federais de ensino, entre elas a UFMG, iniciaram negociação para o repasse da gestão dos seus respectivos hospitais universitários à nova empresa.
No penúltimo dia do ano passado, em 30/12/2013, o Diário Oficial da União publicou Extrato de Contrato em que a UFMG repassa o controle total do Hospital das Clínicas para a EBSERH.
Para o MPF, essa adesão coloca em risco não só os serviços da área de saúde prestados pelo hospital universitário, como também a própria produção de conhecimento, que está inserida entre as suas finalidades educacionais. Isso porque o Hospital das Clínicas funciona como um hospital escola, o que significa dizer que seu cotidiano é o da aplicação prática dos conteúdos ministrados em sala de aula aos alunos do curso de medicina e de outros cursos da área de saúde da UFMG.
O repasse da administração do HC para a EBSERH também desrespeita o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, previsto no artigo 207 da Constituição Federal.
Para o procurador regional dos direitos do cidadão, Edmundo Antonio Dias, “repassar a gestão do Hospital das Clínicas à EBSERH – que é entidade estranha à estrutura da UFMG – coloca em risco o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como a própria qualidade do serviço de saúde pública prestado à comunidade pelo Hospital das Clínicas e da sua função educacional nas áreas médica e de saúde. Afinal, as atividades de assistência médico-hospitalar desenvolvidas naquele hospital são de extensão universitária, de modo que é a partir delas que a universidade completa, junto à comunidade, o exercício de sua função social.”
Privatização – Outro risco apontado pelo MPF decorre do art. 1º, §2º, da Lei 12.550/2011, que autoriza a EBSERH a criar subsidiárias para o desenvolvimento de atividades inerentes ao seu objeto social, neste caso, a prestação de serviços públicos de saúde e educação.
A ação explica que as subsidiárias podem ser integrais, quando a empresa controladora detém 100% de suas ações, ou simples. Mas, mesmo em se tratando de subsidiária integral, existe a possibilidade de alienação, no todo ou em parte, do capital social, hipótese em que a subsidiária integral passa à condição de subsidiária simples.
“Aplicando este raciocínio à EBSERH, que foi autorizada pela lei a constituir subsidiárias integrais, tem-se que a empresa pode, em momento posterior, vir a alienar parte de suas ações ao setor privado, de forma que, no futuro, empresas particulares podem ser autorizadas a operar no ensino público e na prestação de serviços de saúde no âmbito do HC/UFMG”, afirma o MPF.
A consequência imediata seria uma indevida privatização dos serviços públicos de educação e saúde, como também a dilapidação do patrimônio público, já que, neste caso, bens pertencentes ao Estado passariam a receber tratamento afeto a bens privados.
Terceirização – Uma das alegações frequentemente utilizadas pelas universidades federais para justificar a adesão à EBSERH é a da tentativa de solução do problema da terceirização irregular, eis que os hospitais públicos estão cada dia mais dependentes de funcionários contratados pelas fundações de apoio universitário.
“A verdade é que o repasse da gestão dos HUs à EBSERH não resolverá o problema da terceirização irregular. Ao contrário, tende a agravá-lo, na medida em que referida empresa não só permitirá a manutenção dos contratos irregulares atualmente vigentes, como irá resultar em novas terceirizações, com contratação temporária de funcionários, em processo seletivo simplificado”, afirma a ação.
Deve-se ressaltar que a CLT prevê prazo máximo de dois anos para cada contrato temporário, passando a vigorar indeterminadamente quando ele for prorrogado mais uma vez, o que, para o Ministério Público Federal, somente irá acentuar a terceirização ao invés de resolvê-la.
Por isso, a ação também pediu a suspensão dos concursos públicos em andamento, objeto dos Editais 01, 02, 03 e 04, de 2014, publicados pela EBSERH para a contratação de pessoal para o Hospital das Clínicas da UFMG.
Confira aqui o inteiro teor da Ação Civil Pública que recebeu o número
41325-45.2014.4.01.3800.
PROCESSO RELACIONADO 0041325-45.2014.4.01.3800