Ela não tinha a chave do local e era chamada de “leãozinho” pelos colegas.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho confirmou o direito a indenização de uma conferente da Comércio de Materiais para Construção Joli Ltda., de Jundiaí (SP), que trabalhava em gaiolas, sem acesso a banheiro e bebedouro. Ao examinar o recurso, a Turma aumentou o valor da condenação para R$ 20 mil.
Promoção forçada
A empregada fora contratada em março de 2015 como operadora de loja e, em julho de 2016, disse que recebeu uma “promoção” forçada para conferente, dois meses antes de ser dispensada sem justa causa. Depois de um curto treinamento de duas semanas, ela passou a trabalhar em gaiolas, das quais não tinha as chaves.
“Leãozinho”
Para usar o banheiro ou beber água, ela tinha de mandar mensagem de rádio aos funcionários que estivessem por perto, para que avisassem a gerente para abrir a porta da gaiola. Sua situação era motivo de chacota dos vendedores, que a chamavam de “leãozinho” e cantavam uma música com o apelido quando a viam.
Conferência
A loja, em sua defesa, negou que a empregada ficasse trancada no local de trabalho e sustentou que o setor de conferência exige “certo cuidado” na separação dos produtos, que, ao chegarem, não devem ser misturados com os já existentes no depósito. Embora admitindo que o local era separado por grades, a loja afirmou que os conferentes tinham as chaves.
Diante da comprovação da versão da conferente pelas testemunhas e por outras evidências, o juízo de primeiro grau condenou a empresa a pagar R$ 60 mil de indenização, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) reduziu o valor para R$ 10 mil.
Condições danosas
Para o relator do recurso de revista da profissional, ministro Mauricio Godinho Delgado, são patentes os danos morais decorrentes das medidas adotadas pela empresa ao realizar a chamada “promoção forçada”. Ele destacou, entre as circunstâncias e os procedimentos utilizados pelo empregador, a promoção sem consentimento, em condições mais danosas, o fato de ela ficar trancada em “gaiolas”, que também não tinham ventiladores.
Quanto ao valor da reparação, considerando essas premissas, o grau de culpa e a condição econômica da empresa, o caráter pedagógico da medida e o tempo de prestação de serviços, o ministro considerou módico o montante fixado pelo TRT e propôs sua majoração.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. RETENÇÃO DA CTPS E PROCEDIMENTO EMPREGADO PELA RECLAMADA AO REALIZAR A CHAMADA “PROMOÇÃO FORÇADA”. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MODICIDADE. REARBITRAMENTO PARA MONTANTE QUE SE CONSIDERA MAIS ADEQUADO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto aos valores das indenizações por danos morais, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 5º, V, da CF, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. RETENÇÃO DA CTPS E PROCEDIMENTO EMPREGADO PELA RECLAMADA AO REALIZAR A CHAMADA “PROMOÇÃO FORÇADA”. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MODICIDADE. REARBITRAMENTO PARA MONTANTE QUE SE CONSIDERA MAIS ADEQUADO. Não há na legislação pátria delineamento do montante a ser fixado a título de indenização por danos morais. Caberá ao Juiz fixá-lo, equitativamente, sem se afastar da máxima cautela e sopesando todo o conjunto probatório constante dos autos. A lacuna legislativa na seara laboral quanto aos critérios para fixação leva o julgador a lançar mão do princípio da razoabilidade, cujo corolário é o princípio da proporcionalidade, pelo qual se estabelece a relação de equivalência entre a gravidade da lesão e o valor monetário da indenização imposta, de modo que possa propiciar a certeza de que o ato ofensor não fique impune e servir de desestímulo a práticas inadequadas aos parâmetros da lei. De todo modo, é oportuno dizer que a jurisprudência desta Corte vem se direcionando no sentido de rever o valor fixado nas Instâncias Ordinárias a título de indenização apenas para reprimir valores estratosféricos ou excessivamente módicos. Na hipótese, resultam patentes os danos morais decorrentes das medidas adotadas pela Reclamada ao realizar a chamada “promoção forçada”, considerando as premissas fáticas explicitadas no acórdão recorrido – máxime no tocante às circunstâncias e ao procedimento utilizado pelo empregador – tais como: a) a promoção para “conferente” realizada sem o consentimento da Obreira, em condições laborais notadamente mais danosas; b) o fato de a Trabalhadora ter que ficar trancada em “gaiolas”, sem as chaves, de modo que não podia sair do local quando quisesse ou precisasse; dependendo da gerente para que fosse destrancada a porta, com o agravante de que, anteriormente, as chaves costumavam ficar com os “conferentes” – o que evidenciou que, ao retirar da Reclamante, no exercício da função de “conferente”, o acesso às chaves, tratava-se de verdadeira retaliação contra a Obreira, já que as chaves não lhe foram entregues, embora o fossem aos demais conferentes; c) o constrangimento a que foi submetida quando necessitava utilizar o banheiro, tendo que mandar mensagem por rádio aos funcionários que estivessem por perto para avisarem a gerente para abrir a porta da gaiola, sendo alvo de chacota pelo gerente Laguna, com relação à quantidade de vezes que a Empregada ia ao banheiro; d) não havia ventilador e nem bebedouro nas gaiolas; e) os vendedores faziam chacota com a Reclamante por estar trabalhando dentro da gaiola, cantavam uma música com referência a “leãozinho” e diziam que a Obreira era o leãozinho da música, porque ficava trancada na gaiola. Nesse contexto, sopesando tais premissas, bem como o grau de culpa do ofensor e a sua condição econômica; o não enriquecimento indevido do ofendido e o caráter pedagógico da medida; o tempo de prestação de serviços perante a Reclamada; entende-se que o valor rearbitrado pelo TRT a título de indenização dano moral quanto à chamada “promoção forçada”, revela-se módico, devendo, portanto, ser majorado para montante que se considera mais adequado para reparar o dano moral sofrido pela Obreira, em face do procedimento adotado pela Reclamada. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-12983-36.2016.5.15.0096