Liminar impede União de promover campanhas publicitárias para tratamento precoce contra Covid-19

A 6ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP deferiu ontem (29/4) uma liminar para impedir a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), órgão responsável pela comunicação do Governo Federal, de patrocinar novas ações publicitárias, por qualquer meio, que contenham referências a medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, especialmente com expressões como “tratamento precoce”, “kit-covid” ou congêneres. A decisão é da juíza federal Ana Lúcia Petri Betto.

Além disso, foi determinado que os influenciadores arrolados no polo passivo da ação publiquem em seus perfis oficiais, no prazo de 48 horas (após a intimação), mensagem de esclarecimento, indicando que não endossam a utilização de medicamentos sem eficácia comprovada.

No pedido, a autora da ação requereu que os réus sejam condenados a ressarcir aos cofres públicos todos os valores despendidos nas campanhas que são objeto da demanda, bem como que sejam condenados em danos morais coletivos, em valor não inferior a R$ 40 mil reais por contratado. Segundo ela, houve a contratação de influenciadores digitais para fomentarem o “tratamento precoce” ou o “atendimento precoce”.

Em sua manifestação, a União alegou que a campanha publicitária buscou disseminar a informação de que o atendimento imediato, precoce, ainda na fase inicial dos sintomas, de pacientes com a Covid-19 pode salvar vidas, fazendo chegar à população a mensagem de que, aos primeiros sintomas, deve-se procurar atendimento médico; que em nenhum momento, ao longo de todas as etapas de construção da campanha publicitária, houve o intento de divulgar a utilização de medicamentos sem eficácia comprovada; e que desde o briefing enviado pelo Ministério da Saúde às suas agências contratadas, pode-se verificar que não há qualquer referência ao que ficou conhecido como ‘tratamento precoce’, menos ainda ‘kit Covid’.

 

Para a juíza Ana Lúcia Petri Betto os argumentos da União não se sustentam. “O briefing mencionado na nota informativa, encaminhado pelo Ministério da Saúde, indica, de maneira expressa, o cuidado precoce para pacientes com Covid-19. Estabelece, ainda, que para auxiliar na sua decisão, o Ministério da Saúde colocou à disposição desses profissionais um informe que reúne tratamentos em estudo no mundo que mostram resultados positivos na recuperação de pacientes. Verifica-se, portanto, que constou expressamente do briefing da campanha tanto a menção a ‘cuidado precoce’ como referência a um ‘informe’, não juntado na ação, que reuniria tratamentos em estudo no mundo.

A magistrada ressalta que os documentos nos autos indicam que, aparentemente, a campanha com os influenciadores pelo “atendimento precoce” está inserida dentro do contexto de várias ações da União a fim de estimular o tratamento precoce, sendo, pois, “fartas as menções governamentais nesse sentido”.

A União argumentou que a campanha com os influenciadores visa, apenas, estimular as pessoas a buscarem atendimento médico assim que desenvolverem os primeiros sintomas da Covid-19. Contudo, não restou claro o intuito de, após ter procurado o médico, o paciente solicitar um tratamento precoce. “Sob qualquer ângulo que se analise a questão, não há clareza do motivo ensejador do emprego da aludida expressão na campanha”, afirma Ana Lúcia Petri Betto.

A juíza ressalta que, em verdade, confrontando a postagem no Twitter “#NãoEspere, procure uma Unidade de Saúde e solicite o tratamento precoce” com os roteiros dirigidos aos influenciadores, nota-se que houve a mera substituição da palavra “tratamento” para “atendimento”.

“Mesmo que o intuito da campanha com os influenciadores não tenha sido a propagação do referido tratamento, como argumenta a União, a comunicação deve ser pautada pelas diretrizes da clareza e da transparência, a fim de transmitir, adequadamente, a mensagem aos destinatários, sobretudo no cenário devastador de agravamento da pandemia da Covid-19 e de disseminação das chamadas fake news“, ressalta Ana Lúcia Petri Betto.

Desse modo, levando em consideração o contexto em que foi veiculada a campanha, além da indiscutível similaridade entre as expressões “tratamento precoce” e “atendimento precoce”, a juíza conclui que, no mínimo, a ação publicitária com os influenciadores digitais tem o potencial de induzir em erro os destinatários da mensagem.

“Ao implementar ações publicitárias que veiculem direta ou indiretamente tratamentos sem eficácia comprovada ou que, pelo emprego de expressões congêneres, possam induzir a população em erro, a Administração acaba por macular as garantias fundamentais insculpidas em nossa Constituição, o que, pelo sistema de freios e contrapesos, enseja a regular a atuação do Judiciário”, diz Ana Lúcia Petri Betto.

A juíza conclui afirmando ser necessário e urgente que a comunicação governamental seja clara, transparente e efetiva, a fim de uma adequada orientação à população brasileira, sobretudo no atual momento de elevado grau de contágio da Covid-19. Por fim, as partes deverão indicar se aceitam o agendamento de audiência de tentativa de conciliação.

Acesse – íntegra da decisão

Ação Popular  5007203-04.2021.4.03.6100

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