Para a 3ª Turma, não houve afronta aos valores fundamentais da sociedade.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a decisão que absolveu a Viação São Francisco Ltda., de Campo Grande (MS), de pagar indenização por danos morais coletivos por ter negligenciado normas de saúde e segurança relativas ao descanso semanal e ao intervalo intrajornada. Segundo o colegiado, o recurso interposto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) não preencheu os requisitos legais para que fosse admitido.
Descanso desnaturado
O MPT instaurou inquérito em julho de 2012 contra a viação, a partir de denúncias de trabalhadores, e disse ter constatado ausência de descanso semanal para alguns empregados e irregularidade no intervalo intrajornada.
Diante da negativa da empresa de cumprir Termo de Ajuste de Conduta (TAC), o MPT ajuizou a ação civil pública, sustentando que a empresa havia desnaturado o descanso semanal remunerado e não havia comprovado a regularidade quanto ao intervalo intrajornada.
Irregularidade pontual
Ao julgar o caso, em abril de 2017, o juízo de primeiro grau entendeu que o caso tratava do não cumprimento das cláusulas contratuais de trabalho pelo empregador, não se constatando os requisitos específicos autorizadores da propositura de ação civil coletiva, e julgou extinto o processo.
A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS), para quem a imposição de dano moral coletivo não se justificava, pois ficou demonstrada “antijuridicidade sistêmica”. Segundo o TRT, apesar de evidenciadas as violações às normas que disciplinam o intervalo intrajornada e o repouso semanal, “a irregularidade foi pontual, sobretudo se considerando um universo de 300 empregados”.
Contudo, o TRT determinou que a empresa cumprisse o TAC e impôs multa por descumprimento de R$ 500 por trabalhador prejudicado e por infração verificada.
Caso atípico
O MPT levou o caso ao TST, pedindo a reforma da decisão que não reconheceu o dano moral coletivo. O relator do recurso de revista, ministro Agra Belmonte, considerou o caso atípico, uma vez que, apesar da multa imposta, o TRT havia entendido que não era o caso de dano moral, pois a conduta ilícita atingira poucos trabalhadores, sem gravidade suficiente para caracterizar afronta aos valores fundamentais da sociedade. Para o relator, o caso não oferece transcendência com relação aos reflexos de natureza social, política ou jurídica previstos no artigo 896-A, parágrafo 1º, incisos II, III e IV, da CLT.
O recurso ficou assim ementado:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 .
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RÉ.
AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA. O valor da condenação (R$ 5.000,00) não parece significativo a ponto de impulsionar o recurso pela via do artigo 896-A, §1º, I, da CLT.
AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA SOCIAL . O pressuposto do artigo 896-A, §1º, III, da CLT é destinado a enfatizar os recursos que buscam a proteção dos direitos sociais constitucionais dos trabalhadores.
CARÊNCIA DA AÇÃO – AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR – ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA OU JURÍDICA. É certo que o regular desenvolvimento do processo não prescinde de que seja inequívoca a relação entre o sujeito que demanda e o objeto controvertido, sendo que a legitimidade ativa ad causam caminha pari passu com o próprio interesse de agir. O Ministério Público do Trabalho possui as prerrogativas necessárias para atuar na defesa dos interesses dos trabalhadores que laboram sem a observância do descanso semanal e dos intervalos intrajornada, uma vez que o direito ao efetivo cumprimento das normas tutelares da jornada de trabalho possui índole individual homogênea, de inequívoca relevância social. Precedentes de todas as turmas desta Corte. Assim, o recurso de revista não oferece transcendência com relação aos reflexos de natureza política ou jurídica previstos no artigo 896-A, §1º, II e IV, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência .
ASTREINTES – VALOR DA CONDENAÇÃO. ÓBICE DE NATUREZA FORMAL – DEFICIÊNCIA DE APARELHAMENTO DO RECURSO DE REVISTA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA OU JURÍDICA. A agravante não indicou nas razões do recurso de revista qualquer violação da CF ou de leis federais, contrariedade à jurisprudência desta Corte ou dissenso pretoriano. Incidem o artigo 896, §1º-A, II e III, da CLT e a Súmula/TST nº 221 como óbices ao trânsito do apelo, razão pela qual entende-se que a parte não demonstrou as vias de transcendência política ou jurídica previstas no artigo 896-A, §1º, II e IV, da CLT. Não se enquadrando o recurso de revista em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 896-A da CLT, nega-se provimento ao agravo de instrumento, restando à ré observar a parte final dos artigos 896-A, §4º, da CLT e 247, §4º, do RITST. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência .
II – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO .
AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA. A via de admissibilidade do artigo 896-A, §1º, I, da CLT é destinada à proteção da atividade produtiva, não devendo ser aplicada de forma isolada em favor de interesses dos trabalhadores, ainda que coletivos. Precedente unânime desta 3ª Turma, de minha relatoria.
ASTREINTES – VALOR DA CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA SOCIAL, POLÍTICA OU JURÍDICA. O recurso de revista não oferece transcendência com relação aos reflexos de natureza social previstos no artigo 896-A, §1º, III, da CLT, uma vez que não se refere a direito assegurado aos trabalhadores pelo artigo 7º da CF. Por outro lado, não se verifica a presença de transcendência política ou jurídica nos termos do artigo 896-A, §1º, II e IV, da CLT, tendo em conta que não se está diante de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista, tampouco de decisão proferida de forma dissonante da jurisprudência do TST ou do STF. Ainda que assim não fosse, o valor arbitrado pelo magistrado às astreintes (R$ 500,00 por trabalhador prejudicado e por infração verificada) parece razoável, proporcional e adequado à realidade dos autos, razão pela qual não haveria razão para a sua reforma no particular. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência .
III – RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO .
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO – NÃO OBSERVÂNCIA PONTUAL DAS NORMAS DE SAÚDE E SEGURANÇA RELACIONADAS AO DESCANSO SEMANAL REMUNERADO E AO INTERVALO INTRAJORNADA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA SOCIAL, POLÍTICA OU JURÍDICA. O Tribunal Regional ressaltou que, “conquanto evidenciadas violações às normas que disciplinam o intervalo intrajornada e o repouso semanal dos trabalhadores, tem-se que a irregularidade foi pontual, mormente em se considerando um universo de 300 empregados, não se vislumbrando antijuridicidade sistêmica” . Depreende-se do quadro fático delineado no acórdão recorrido que a conduta ilícita da ré atingiu poucos trabalhadores, não se mostrando grave o suficiente para caracterizar afronta aos valores fundamentais da sociedade, que justificasse a condenação do agente ofensor à reparação por dano moral coletivo. Assim, o recurso de revista não oferece transcendência com relação aos reflexos de natureza social, política ou jurídica previstos no artigo 896-A, §1º, II, III e IV, da CLT. Não se enquadrando o recurso de revista em nenhuma das hipóteses de transcendência previstas no artigo 896-A da CLT, dele não se conhece, restando ao recorrente observar a parte final dos artigos 896-A, §4º, da CLT e 247, §4º, do RITST. Recurso de revista não conhecido, por ausência de transcendência .
CONCLUSÃO: agravos de instrumento da ré e do Ministério Público do Trabalho conhecidos e desprovidos, por ausência de transcendência, e recurso de revista do Ministério Público do Trabalho não conhecido, por ausência de transcendência.
A decisão foi unânime.
Processo: ARR-26016-72.2015.5.24.0001