Impossibilidade de compensação tributária não anula contrato de cessão de créditos firmado sem motivo expresso

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu sentença que havia julgado improcedente pedido de anulação de contrato de cessão de crédito tributário em que a empresa cessionária alegou não ter conseguido realizar – como pretendia com o contrato – a compensação tributária na Receita Federal. Por unanimidade, o colegiado entendeu que a cessão tributária não foi apontada como motivo expresso para a formalização do contrato, o que impossibilita o reconhecimento de nulidade.

Na ação originária, a empresa autora narrou que firmou com duas sociedades empresárias contratos de cessão de créditos tributários previdenciários e relativos ao Fundo de Investimento Social (Finsocial). A autora pagou cerca de R$ 2 milhões pela cessão dos créditos.

Segundo a autora, os créditos seriam utilizados para pagamento de tributos, mas a compensação foi rejeitada pela Receita Federal, que concluiu que isso só seria possível no caso de débitos próprios. Como não foi possível a compensação administrativa, a autora buscava a anulação do negócio.

Função econômica

O pedido foi julgado improcedente pelo juiz de primeiro grau, que considerou que a negociação dos créditos para compensação dos débitos tributários não foi objeto de vinculação das partes por meio do contrato, o que inviabilizaria a invalidação do pacto.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a decisão e declarou a nulidade dos contratos por entender que, diante da impossibilidade de a empresa autora fazer a compensação administrativa, a função econômica do contrato não foi adequadamente consumada.

Restituição ou notificação

Em análise dos recursos especiais das empresas rés, o ministro Villas Bôas Cueva, relator, destacou que o tribunal fluminense, ao julgar a apelação, entendeu que as sociedades empresárias ainda constavam como credoras junto à Receita, o que poderia ocasionar o recebimento do crédito duas vezes (tanto do cessionário quanto do devedor).

Todavia, o ministro lembrou que a empresa autora da ação entrou com pedido de compensação dos créditos perante a União e, assim, a devedora tomou ciência de que os créditos foram cedidos. Dessa forma, segundo o relator, não haveria razão para concluir que as empresas rés permaneceram na condição de credoras.

“Apesar de ter sido vedada a compensação, a recorrida poderia ter requerido a restituição dos valores, ou, no mínimo, notificado os recorrentes para que pudessem receber o crédito”, disse o relator.

Motivo expresso

Em relação à motivação do negócio jurídico, Villas Bôas Cueva lembrou que o artigo 140 do Código Civil estabelece que o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante do negócio.

“No entanto, de acordo com a dicção do artigo 140 do Código Civil, a identificação de ‘potenciais motivos’ ou de suposta intenção não são suficientes para anular o contrato, pois somente a declaração expressa do motivo no instrumento consegue imprimir-lhe a qualidade de determinante, ensejando a anulação do negócio jurídico caso não se confirme”, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. ANULATÓRIA. CONTRATO. CESSÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. COMPENSAÇÃO. TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. NOTIFICAÇÃO. DEVEDORA. ÔNUS. RECORRIDA. MOTIVO DETERMINANTE. INEXISTÊNCIA. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS. SIMETRIA. AUTONOMIA DA VONTADE. VINCULAÇÃO AO CONTRATO. PREVALÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a verificar se a impossibilidade de compensação de créditos tributários perante a Receita Federal é motivo suficiente para a anulação do contrato de cessão desses créditos firmado entre sociedades empresárias.
3. Na hipótese, o contrato firmado entre as partes previa que a cessão importava na transferência de titularidade para a prática de todos os atos, inclusive para a notificação da Receita Federal.
4. No caso concreto, era possível requerer a restituição dos valores, o que afasta a ocorrência de enriquecimento sem causa.
5. Para que o motivo se torne relevante, é necessário que seja indicado expressamente como razão determinante para a realização do ato, ou na forma de condição, o que não ocorreu no caso em apreço.
6. Se as partes são sociedades empresárias com as mesmas condições de negociação, inexistindo relação de dependência entre elas, os princípios da autonomia da vontade e da vinculação ao contrato são suficientes, a princípio, para disciplinar as relações contratuais.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1645719

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