A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou o pagamento de danos morais para uma aluna com deficiência auditiva do Instituto Federal de Brasília (IFB), pelo fato de a instituição não ter oferecido intérprete habilitado na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), mesmo com o envio de diversos requerimentos e reclamações. Ela teve que contratar um profissional particular para conseguir fazer as aulas.
Inicialmente, a sentença havia determinado ao IFB que disponibilizasse um intérprete de Libras para que a aluna pudesse assistir às aulas do curso, além da restituição do valor de R$ 1.800, atualizados, pagos pela estudante pela contratação de intérprete particular. A aluna interpôs recurso para pedir o pagamento de indenização por danos morais, pela omissão do IFB em atender seu pedido após diversos requerimentos, mesmo após denúncia junto ao Ministério Público Federal (MPF).
O IFB também apresentou recursos contra a sentença e pediu a reforma da decisão quanto à condenação em danos materiais e aos honorários advocatícios.
A relatora das apelações, desembargadora federal Daniele Maranhão, afirmou que a Constituição Federal estabeleceu ser dever do Estado promover e ofertar educação escolar às pessoas com deficiência, assegurando serviços de apoio especializado. A instituição de ensino deve colocar à disposição, quando solicitada, o auxílio de profissional especializado, para fins de atendimento especial.
“Danos materiais configurados, ante a omissão ilícita da administração em adotar as medidas ou planejamentos ao seu alcance para disponibilizar oportunamente a assistência postulada”, observou em seu voto.
A magistrada explicou que para configuração do dano moral o fato deve gerar transtornos em dimensão que ultrapassa o mero aborrecimento ou dissabor. “Dessa forma, consideradas as circunstâncias do caso concreto, afigura-se também devida tal reparação, dado o comprometimento da esfera moral da autora, consistente na frustração de seu direito de obter aprendizado adequado e nos constrangimentos que precisou suportar em suas infrutíferas diligências visando o auxílio por especialista em libras nas suas atividades educacionais”, considerou.
O Colegiado acolheu os pedidos da aluna e fixou a indenização no valor de R$ 10.000,00 reais e manteve as outras condenações impostas na sentença ao IFB e deu parcial provimento à apelação do instituto, somente para fixar os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, majorados em 2% em grau recursal.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ENSINO SUPERIOR. PESSOA COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA. DIREITO À EDUCAÇÃO. ART. 208, III, DA CF. ACESSIBILIDADE. INTÉRPRETE NA LÍNGUA DE SINAIS – LIBRAS. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE INTÉRPRETE PARTICULAR. RESSARCIMENTO DE VALORES. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO OU DO PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
1. “Nos termos do art. 208, III, da Constituição Federal, é dever do Estado promover e ofertar educação escolar aos portadores de deficiência, assegurando-lhes, quando necessário, serviços de apoio especializado, observadas as circunstâncias de cada caso (Lei nº 9.394/96, arts. 4º, III, e 58, § 1º), competindo, assim, à instituição de ensino colocar à disposição do seu corpo discente, quando solicitada, o auxílio de profissional especializado, para fins de atendimento especial, na forma disciplinada na Portaria MEC nº 3.284/2003.” (AC 0007032-91.2006.4.01.3812. Relator Desembargador Federal Souza Prudente, e-DJF1 04/08/2008 Pag. 527).
2. “Se um direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é, preambular e obrigatoriamente, fixada pela Constituição ou pela lei. Ademais, tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal” (REsp 1607472/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/09/2016, DJe 11/10/2016).
3. Na espécie, houve falha por parte do Instituto Federal de Brasília – IFB em não oferecer com regularidade à autora, aluna com deficiência auditiva, intérprete habilitado na Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS), mesmo com o envio de requerimentos e reclamações aos responsáveis, razão pela qual se tornou necessária a contratação particular desse profissional. Restou vulnerado, assim, o seu direito à educação, não sendo oponível a cláusula da reserva do possível como justificativa para a inércia governamental no adimplemento de uma prestação positiva imposta ao poder público pela Constituição Federal, como no caso, sob pena de se comprometer a própria eficácia da norma constitucional.
4. Deve a parte autora ser ressarcida em relação ao valor despendido pela contratação de intérprete de libras particular, cujo pagamento, no valor de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), foi comprovado nos autos, não podendo o encargo dos recursos necessários à acessibilidade ser atribuído à pessoa com deficiência. Danos materiais configurados, ante a omissão ilícita da administração em adotar as medidas ou planejamentos ao seu alcance para disponibilizar oportunamente a assistência postulada.
5. Em relação aos danos morais, para a sua configuração o fato deve gerar transtornos em dimensão que ultrapassa o mero aborrecimento ou dissabor. E a indenização, por sua vez, não deve ser inexpressiva nem proporcionar o enriquecimento sem causa do ofendido, de maneira que na fixação do seu valor deve-se levar em conta o tipo de dano, o grau de culpa com que agiu o ofensor e a situação econômica e social das partes envolvidas. Dessa forma, consideradas as circunstâncias do caso concreto, afigura-se também devida tal reparação, dado o comprometimento da esfera moral da autora, consistente na frustração de seu direito de obter aprendizado adequado e nos constrangimentos que precisou suportar em suas infrutíferas diligências visando o auxílio por especialista em libras nas suas atividades educacionais. Tudo sopesado, é razoável o arbitramento da indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
6. Nos termos do art. 85, §2º, do CPC, os honorários advocatícios serão fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Destarte, considerada a condenação da parte requerida em 1º grau em obrigação de fazer e também na obrigação de ressarcir os valores despendidos pela autora, bem como pelos danos morais fixados nesta instância, cuja soma perfaz o montante de R$ 11.800,00 – onze mil e oitocentos reais), que também reflete o proveito econômico alcançado, a sentença deve ser reformada na parte que fixou os honorários advocatícios sobre o valor atribuído à causa.
7. Apelação da parte autora a que se dá provimento para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
8. Apelação do IFB a que se dá parcial provimento tão somente para fixar os honorários advocatícios em seu desfavor em 10% sobre o valor da condenação (R$ 11.800,00 – onze mil e oitocentos reais), nos termos do art. 85, §2º, do CPC, majorados em 2% em grau recursal (art. 85, §11, do CPC).
Processo 1015383-25.2017.4.01.3400