Fundação hospitalar pode descontar do salário de médico valores que ultrapassam teto constitucional

Os empregados da fundação pública se submetem à limitação prevista na Constituição.

A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, por maioria, que a Fundação Hospitalar de Saúde (FHS), de Aracaju (SE), procedeu de forma lícita ao descontar do salário de um médico os valores que excedem o teto constitucional. Para a Turma, a FHS, fundação pública que presta serviços de saúde no estado, se submete à regra que limita a remuneração, no âmbito do Poder Executivo estadual, ao subsídio mensal do governador (artigo 37, XI, da Constituição da República).

Limitador de teto

Na reclamação trabalhista, o médico disse que fora contratado em 2010, mediante concurso público, como obstetra do Hospital Nossa Senhora da Glória, administrado pela FHS, pelo regime celetista. Sua remuneração era composta de salário básico, acrescido de um valor variável de acordo com as horas extras prestadas.

Em 2012, foi contratado, pelo mesmo hospital, para a função de ginecologista, com remuneração nos mesmos moldes do primeiro contrato. Todavia, em 2014, passara a sofrer descontos no contracheque, sob a rubrica “limitador de teto”. A seu ver, os descontos eram indevidos, por se tratar de acumulação de cargos públicos admitida pela Constituição.

A fundação, em defesa, sustentou que havia efetuado os descontos com base na jurisprudência dominante dos tribunais acerca da aplicação do teto remuneratório aos casos de acumulação lícita de cargos, que alcança as horas extras.

Enriquecimento ilícito

O Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) considerou indevidos os descontos. Para o TRT, como o médico fora contratado pela CLT, o desconto sobre horas extras efetivamente prestadas representariam enriquecimento ilícito do empregador. “Se a fundação entende que o  teto remuneratório do empregado não poderia extrapolar determinado limite, não deveria ter permitido, muito menos determinado, o trabalho em sobrejornada”, assinalou.

Princípios norteadores

O relator do recurso de revista, ministro Breno Medeiros, ressaltou que a FHS é fundação pública de direito privado e, nessa condição, se sujeita aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, norteadores da administração pública, aplicando-se a ela, portanto, a limitação do teto, inclusive quanto às horas extraordinárias. “A previsão constitucional de um limite máximo de pagamento de retribuição dos servidores e dos agentes públicos objetiva maior eficiência, controle e transparência dos gastos públicos, correções de distorções no sistema remuneratório, moralização das despesas com pessoal, tudo com vistas a proteger o erário e, em última análise, a própria sociedade, responsável última pelo custeio dos serviços públicos que lhe são prestados”, afirmou.

Segundo o ministro, a distorção do caso concreto pode ser resolvida por meio de prestações alternativas, como o sistema de compensação de jornada.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. DESCONTOS SALARIAIS. LIMITAÇÃO. TETO CONSTITUCIONAL. Agravo a que se dá provimento para examinar o agravo de instrumento em recurso de revista. Agravo provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. DESCONTOS SALARIAIS. LIMITAÇÃO. TETO CONSTITUCIONAL. Em razão de provável caracterização de ofensa ao art. 37, XI, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. MÉDICO. PLANTÕES. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. DESCONTOS SALARIAIS. LIMITAÇÃO. TETO CONSTITUCIONAL. A previsão constitucional de um teto de limite máximo de pagamento de retribuição dos servidores e dos agentes públicos objetiva maior eficiência, controle e transparência dos gastos públicos, correções de distorções no sistema remuneratório, moralização das despesas com pessoal, tudo com vistas a proteger o erário e, em última análise, a própria sociedade, que é a responsável última pelo custeio dos serviços públicos que lhe são prestados. Na hipótese, o reclamante foi contratado como médico pela Fundação Hospitalar de Saúde – FHS, fundação pública de direito privado, integrante da Administração Pública Indireta, que presta serviços de saúde no Estado de Sergipe, estando, portanto, sujeita aos ditames dos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal, quais sejam: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Considerando, portanto, se tratar de fundação que, embora regida por direito privado, presta serviços e políticas voltadas à consecução do direito fundamental à saúde estadual, desempenhando, por conseguinte, típica atividade de Estado, conforme previsão prevista nos arts. 5.º, 196 e seguintes da Constituição Federal, tem incidência a limitação do teto remuneratório de que trata o inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal. Frise-se, inclusive, que, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 339 da SBDI-1, As empresas públicas e as sociedades de economia mista estão submetidas à observância do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da CF/88, sendo aplicável, inclusive, ao período anterior à alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 19/98″. A singularidade do caso concreto reside na inclusão das horas extraordinárias realizadas pelo médico, ora recorrido, no cálculo do teto remuneratório e a consequente possibilidade de se efetivar ou não a glosa da referida parcela na sua remuneração. Nesse sentido, para se saber da aplicação ou não do teto constitucional em relação a uma determinada vantagem pecuniária, torna-se imprescindível fixar a sua natureza jurídica, se de caráter remuneratório ou indenizatório. Isso porque o artigo 37, §11, da Constituição expressamente estabelece que “Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei“. Ou seja, toda e qualquer vantagem de caráter remuneratório, incluídas vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, sujeita-se ao limite constitucional. Nessa diretriz, inclusive, a Corte Suprema já decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário 609381, que o teto estabelecido pela EC 41/2003 possui eficácia imediata, submetendo à referência de valor máximo todas as verbas remuneratórias percebidas, ainda que adquiridas em regime legal anterior. Pois bem, de acordo com o acórdão regional, os descontos salariais na remuneração do reclamante ocorreram de forma ilícita, visto que o ente público utilizou-se da sobrecarga de trabalho do autor, ao determinar a prestação de horas extras, para depois, com base na alegação de observância do teto, não pagar as horas extras desempenhadas. Ocorre, todavia, que o adicional de horas extraordinárias possui natureza remuneratória e, portanto, deve, sim, se sujeitar ao teto remuneratório constitucional. Observe-se que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fixada em repercussão geral, o pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional. Ou seja, o pagamento efetuado em desconformidade com o teto constitucional é inconstitucional e, portanto, ilícito. Desse modo, em sendo ilícito o pagamento de vantagens acima do teto remuneratório, por determinação constitucional, não há que se falar em violação do direito adquirido, da irredutibilidade de vencimentos e do direito de propriedade, já que as referidas garantias constitucionais possuem o condão de proteger somente o que foi adquirido licitamente. É dizer, o respeito ao teto constitucional representa condição de legitimidade para o pagamento da remuneração. Também em razão da ilicitude dos valores pagos acima do teto, não há que se falar em enriquecimento ilícito por parte do empregador, em face da ausência de contraprestação do serviço prestado. Isso porque, no caso, o enriquecimento ilícito da Administração pressupõe vantagem obtida licitamente pelo empregado público, sendo que, no caso, a inobservância ao limite previsto na Constituição constitui a própria ilicitude, devendo ser mantida a conduta de se aplicar o teto sobre os valores percebidos por serviços extraordinários, bem como a devolução dos valores retidos a esse título. Não há, portanto, que se falar em enriquecimento sem causa por parte da Administração, valendo, inclusive, lembrar que qualquer servidor que trabalha a jornada normal de trabalho e que tem sua remuneração glosada no abate-teto, não pode optar por trabalhar uma carga de trabalho menor, com fundamento no enriquecimento ilícito da Administração. Destaca-se, por fim, que a distorção do caso concreto pode ser resolvida por meio de prestações alternativas por parte da Administração, a exemplo da utilização de sistema de compensação de jornada, não se podendo admitir seja o limite do teto ultrapassado, infringindo, dessa forma, a letra da Constituição. Recurso de revista conhecido e provido.

A decisão foi por maioria, vencido o ministro Douglas Alencar.

Processo: RR-1437-89.2016.5.20.0016 

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