Expropriado deve comprovar prejuízo em imóvel para impedir desistência de desapropriação

Ao acolher recurso da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou um pedido de desistência de desapropriação e definiu que cabe ao expropriado o ônus da prova quanto à impossibilidade da desistência.

Para o autor do voto vencedor, ministro Herman Benjamin, a obrigação de provar que o imóvel não está mais em condições de ser utilizado cabe ao expropriado, facultada a possibilidade da proposição de uma ação de perdas e danos no caso de prejuízo sofrido durante o processo de desapropriação.

O ministro lembrou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de permitir a desistência da desapropriação por parte do poder público, desde que ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser devolvido sem alteração substancial que o impeça de ser utilizado como antes.

Inversão do ônus

Para o magistrado, no caso analisado o acórdão recorrido imputou indevidamente à Cesp o ônus de comprovar que o imóvel não sofreu danos que impedissem sua utilização.

“Como a regra é a possibilidade de desistência da desapropriação, o desistente não tem de provar nada para desistir, cabendo ao expropriado requerer as perdas e danos a que tiver direito por ação própria”, explicou o ministro.

Herman Benjamin destacou que obrigar o poder público a ficar com o imóvel é uma decisão que não atende à supremacia do interesse público e beneficia apenas o interesse do particular expropriado.

Ele destacou que o acolhimento do pedido de desistência impede “prosseguir com a expropriação de uma área de que o poder público não precisará, evitando o indevido gasto de dinheiro público”.

Sobre o caso

A Cesp iniciou em 1999 procedimento para desapropriar imóveis com o objetivo de alagar uma região onde seria construído o lago da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, entre os municípios de Rosana (SP) e Batayporã (MS).

O Ibama alterou posteriormente o limite de alagamento do local, de 259 para 257 metros. Com a decisão, a Cesp alegou que não precisava mais de certos imóveis, como o questionado no recurso, e pleiteou a desistência das desapropriações.

O entendimento do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul é que não havia provas de que o imóvel não foi afetado, já que era uma área destinada à mineração. Com esse argumento, o tribunal de origem indeferiu o pedido de desistência, mantendo o dever de indenizar os proprietários. Em valores atualizados, a indenização ultrapassaria R$ 970 milhões.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. SENDO A DESISTÊNCIA DA DESAPROPRIAÇÃO DIREITO DO EXPROPRIANTE, O ÔNUS DA PROVA DA EXISTÊNCIA DE FATO IMPEDITIVO DO SEU EXERCÍCIO (IMPOSSIBILIDADE DE RESTAURAÇÃO DO IMÓVEL AO ESTADO ANTERIOR) É DO EXPROPRIADO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE NÃO ESTABELECEU A EXISTÊNCIA DE PROVA DA IMPOSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL ÀS SUAS CONDIÇÕES ORIGINAIS. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7⁄STJ. DESISTÊNCIA QUE DEVE SER HOMOLOGADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
HISTÓRICO DA DEMANDA
1. Com autorização dada pela Aneel, a Cesp ajuizou diversas ações de desapropriação de imóveis para formação do lago de usina hidrelétrica, entre as quais quatro relativas a imóveis da recorrida. Posteriormente, registra o acórdão recorrido, foram formulados pedidos de desistência das desapropriações, diante do fato de que, por imposição do Ibama, a cota de inundação foi diminuída de 259m para 257m, de sorte que os imóveis foram excluídos da área a ser inundada pelo lago da Usina Hidrelétrica Sérgio Motta.
2. Nos autos da Ação de Desapropriação 021.00.020712-1 foi fixada indenização que hoje monta a cerca de 970 milhões de reais pela inclusão na reparação do direito de exploração mineral de sílex, areia industrial e cascalho.
RELAÇÃO ENTRE OS RECURSOS ESPECIAIS
3. Existem dois Recursos Especiais oriundos dessa desapropriação. Este REsp 1.368.773 tem origem em Agravo de Instrumento oferecido contra decisão que não homologou pedido de desistência formulado em 1º grau, tendo o TJMS decidido que a desistência era, em tese, possível, mas “desde que o desistente comprove que a inundação não afetou fisicamente o imóvel expropriando nem comprometeu a sua finalidade econômica, circunstância não ocorrida na espécie”. O REsp 1.527.256, por sua vez, foi interposto nos autos da própria ação de desapropriação, discutindo questões ligadas à indenização fixada.
4. Provido o REsp 1.368.773, com a consequente homologação do pedido de desistência formulado em 1º grau, o REsp 1.527.256 fica prejudicado.
É POSSÍVEL A DESISTÊNCIA DA DESAPROPRIAÇÃO A QUALQUER TEMPO, DESDE QUE NÃO SEJA IMPOSSÍVEL O IMÓVEL SER UTILIZADO COMO ANTES
5. A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que é possível a desistência da desapropriação, a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado, desde que ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser devolvido sem alteração substancial que impeça que seja utilizado como antes. Entendimento fixado a partir do REsp 38.966⁄SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Segunda Turma, julgado em 21⁄2⁄1994.
A DESISTÊNCIA É DIREITO DO EXPROPRIANTE E A IMPOSSIBILIDADE É FATO IMPEDITIVO DO SEU EXERCÍCIO – QUESTÃO JURÍDICA – NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7⁄STJ
6. A alegada violação ao art. 267, VIII, do CPC⁄1973 é passível de conhecimento, não havendo óbice trazido pela Súmula 7⁄STJ. O problema se resolve por uma questão de direito, pertinente ao ônus da prova.
7. O acórdão recorrido imputou indevidamente à desapropriante o ônus de provar que o imóvel de cuja expropriação pretende desistir não foi afetado fisicamente ou em sua finalidade econômica.
8. Se a desapropriação se faz por utilidade pública ou interesse social, uma vez que o imóvel já não se mostre indispensável para o atingimento dessas finalidades, deve ser, em regra, possível a desistência da desapropriação, com a ressalva do direito do atingido à ação de perdas e danos. Essa desistência só não será possível se já tiver sido pago integralmente o preço, pois nessa hipótese já terá se consolidado a transferência da propriedade do expropriado para o expropriante, ou se tiverem sido feitas alterações de tal monta no imóvel que impeçam que ele possa ser utilizado como antes.
9. A regra é a possibilidade de desistência da desapropriação. Contra essa, pode ser alegado fato impeditivo do direito de desistência, consistente na impossibilidade de o imóvel ser devolvido como recebido ou com danos de pouca monta.
10. Por ser fato impeditivo do direito de o expropriante desistir da desapropriação, é ônus do expropriado provar sua existência, por aplicação da regra que vinha consagrada no art. 333, II, do CPC⁄1973, hoje repetida no art. 373 do CPC⁄2015.
O ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO ESTABELECEU
A IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO
DO IMÓVEL AO SEU ESTADO ANTERIOR
11. O acórdão recorrido não dispôs como fato que estava provado ser inviável restituir o imóvel como se encontrava antes. O que ele estabeleceu é que a Cesp não tinha feito essa prova, tanto que deixou aberta a possibilidade de novo pedido de desistência no futuro, como se vê do trecho final do voto do relator: “Ressalvo, contudo, que, em sendo comprovado, sem sombra de dúvidas, após a conclusão da fase de instrução processual, que realmente não foram nem serão afetados os imóveis da requerida pelas diversas fases do represamento, obviamente que a desistência poderá ser requerida novamente, para que o processo não se transforme em meio de enriquecimento ilícito da exproprianda” (fls. 989-990).
EMENTA DO ACÓRDÃO RECORRIDO JÁ MOSTRA
A INVERSÃO INDEVIDA DO ÔNUS DA PROVA
12. A própria ementa do acórdão recorrido afirma que “É possível, diante do interesse público, a desistência de ação expropriatória de área localizada em região de alagamento de usina hidrelétrica, mesmo após a fase de contestação e reconvenção, ainda que já tenha sido levantado o depósito indenizatório prévio, mas desde que o desistente comprove que a inundação não afetou fisicamente o imóvel expropriando nem comprometeu a sua finalidade econômica, circunstância não ocorrida na espécie” (fl. 991).
DAS QUATRO DESAPROPRIAÇÕES DE ÁREAS CONTÍGUAS,
O TJMS HOMOLOGOU A DESISTÊNCIA DE DUAS
13. Eram quatro as ações de desapropriação ajuizadas pela Cesp contra a mesma empresa. Além dos processos 021.00.020712-1 e 021.00.030741-0, ainda em curso, havia os processos 021.00.020711-3 e 021.00.000013-3, nos quais a desistência das desapropriações foi homologada pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.
14. A homologação da desistência da desapropriação 021.00.000013-3 foi feita nos autos do Agravo 020.02.007781-0, que recebeu a ementa: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO – DESAPROPRIAÇÃO DO IMÓVEL QUE DEIXOU DE SER ÚTIL E NECESSÁRIA – PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR – RECURSO PROVIDO. Desaparecendo o interesse público em desapropriar certa área, em virtude da limitação da cota de operação e com o não-alcance do mesmo imóvel pelas águas da represa, deve ser deferido o pedido de desistência da ação, já que não se pode obrigar a agravante a adquirir um bem imóvel com dinheiro público e, tampouco, condená-la a pagar indenização por algo que não precisa nem deve integrar seu patrimônio, visto que prevalece o interesse coletivo sobre o particular”.
15. E do voto consta a observação:  “… é de se estranhar o presente caso, já que diverso dos outros casos de desapropriação que chegam ao Poder Judiciário, neste o expropriado quer seja o bem adquirido pelo expropriante. Se a agravada valoriza tanto o bem e dele retira um quantum monetário que lhe interessa, através de exploração de minerais, deveria então estar sendo a favor da desistência” .
OBRIGAR O PODER PÚBLICO A FICAR COM BEM
DE QUE NÃO PRECISA VIOLA A CONSTITUIÇÃO
16. A Constituição, no seu art. 5º, XXIV, estabelece que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social”. Obrigar o poder público a ficar com um bem de que não precisa certamente não atende nenhuma dessas finalidades, mas apenas o interesse particular do expropriado que, aparentemente, acredita que jamais conseguirá obter com a venda de cascalho e produtos do gênero o valor bilionário arbitrado como indenização.
INVERTER O ÔNUS DA PROVA VIOLA O
DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PRINCÍPIO DA PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO
17. Da mesma forma, na hipótese dos autos, inverter o ônus da prova em detrimento do ente público viola a cláusula do devido processo legal, estabelecida no art. 5º, LIV, da Constituição; foi o que fez o acórdão recorrido. E, no caso, há o agravante de que é até intuitivo que, não sendo mais inundada a área, a mineração poderá ser retomada, razão pela qual mais lógico ainda é exigir que seja a empresa a ter o ônus de demonstrar a impossibilidade de voltar a exercer a atividade de areia industrial, cascalho e sílex no local.
18. Em última ratio, é a coletividade que terá de pagar cerca de um bilhão de reais por direitos minerários que, é razoável pensar, se tivessem mesmo esse valor, seriam bem recebidos de volta por seu titular.
CONCLUSÃO
19. Como a regra é a possibilidade de desistência da desapropriação, o desistente não tem de provar nada para desistir, cabendo ao expropriado requerer as perdas e danos a que tiver direito por ação própria. Pretendendo o réu, porém, impedir a desistência, poderá alegar que não há condição de o bem ser devolvido no estado em que recebido ou com danos de pouca monta, mas é seu o ônus da prova.
20. No caso concreto, não cabia à Cesp fazer a prova pretendida pelo acórdão recorrido. Ela, como expropriante, tinha o direito de desistir da desapropriação, com base no art. 267, VIII, do CPC⁄1973, podendo a Aeroceânica buscar a reparação de perdas e danos em ação própria. Se esta pretendia impedir a desistência sob o fundamento de que a sua atividade mineradora tinha sido inviabilizada, cabia a ela provar esse fato impeditivo do direito de desistência e não o contrário.
21. Recurso Especial parcialmente conhecido, no que tange à alegação de violação ao art. 267, VIII, do CPC⁄1973, e, nessa parte, provido para homologar o pedido de desistência da desapropriação formulado pela Cesp em 1º grau, ressalvado o direito da Aeroceânica promover ação de perdas e danos para reparação de prejuízos que eventualmente lhe tenham, concretamente, sido causados.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1368773

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