A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que anulou parcialmente uma assembleia geral ordinária de empresa porque o sócio administrador havia votado pela aprovação de suas próprias contas, prática proibida pelo artigo 115, parágrafo 1º, da Lei das Sociedades Anônimas (LSA).
O colegiado entendeu que, embora a empresa contasse com apenas dois sócios – um deles com dois terços do capital social, na função de administrador; e outro, que foi diretor financeiro durante parte do exercício das contas apuradas, com um terço –, a situação não possibilitava a aplicação da exceção prevista no artigo 134, parágrafo 6ª, da LSA.
Por meio de recurso especial, a empresa alegou que não cabe a vedação do artigo 115, parágrafo 1º, quando os diretores são os únicos acionistas de sociedade anônima fechada. No caso, ressaltou, o sócio minoritário foi diretor por um período. Segundo a empresa, o voto desse sócio, no sentido de não aprovar as contas, teria como único objetivo causar danos à sociedade.
Ainda segundo a empresa, se o voto do controlador e acionista majoritário não puder ser computado, a situação da sociedade ficará comprometida, pois estará submetida à vontade do único acionista votante.
Conflito formal
O ministro Villas Bôas Cueva explicou que, nos termos do artigo 115, parágrafo 1º, da LSA, o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia geral relativas à aprovação de suas contas como administrador. Já o artigo 134, parágrafo 6ª, da mesma lei exclui essa proibição quando os diretores forem os únicos acionistas da companhia fechada – o que autorizaria que eles participassem da decisão sobre os relatórios da administração, os demonstrativos financeiros e o parecer do conselho fiscal.
Em relação ao artigo 115, o relator apontou que a aprovação de contas pelo administrador é uma situação em que se pode presumir o conflito de interesses – no caso, conflito formal, que impede a manifestação do voto.
“Observa-se que, como a proibição é verificada de início, não há como incidir somente nas situações em que ficar comprovada a existência de prejuízo”, afirmou.
Ressalva inexistente
No tocante à exceção prevista pelo artigo 134, parágrafo 6º, Villas Bôas Cueva lembrou que a aprovação das contas pelos próprios administradores só é possível nas sociedades fechadas, nas quais os diretores sejam os únicos acionistas.
Para o magistrado, “o fato de o único outro sócio da sociedade anônima fechada ter ocupado cargo de administração em parte do exercício não altera a conclusão que o sócio administrador não pode aprovar as próprias contas”.
Segundo o ministro, o texto da LSA não faz ressalva quanto aos acionistas serem diretores apenas em um certo período de tempo, como ocorreu no caso dos autos. Se fosse adotada a posição defendida pela empresa recorrente – avaliou o relator –, surgiria um questionamento sobre o prazo mínimo para ser afastada a proibição prevista no artigo 115, esvaziando o conteúdo da norma.
“O fato de a sociedade ter somente dois sócios não é suficiente para afastar a proibição de o administrador aprovar suas próprias contas, pois o acionista minoritário deverá proferir seu voto no interesse da sociedade, podendo responder por eventual abuso”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. DELIBERAÇÕES ASSEMBLEARES. ANULAÇÃO. ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. SÓCIO ADMINISTRADOR. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA. ORDEM DO DIA. AUSÊNCIA. VOTAÇÃO. SÚMULA 283⁄STF. DIVIDENDOS OBRIGATÓRIOS. NÃO DISTRIBUIÇÃO. SOCIEDADE. SITUAÇÃO FINANCEIRA. INCOMPATIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA. ACIONISTA PREJUDICADO.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).2. Cinge-se a controvérsia a definir se (i) incide na hipótese a exceção do artigo 134, § 6º, da Lei nº 6.404⁄1976, de modo que o sócio administrador está autorizado a deliberar a respeito das contas da companhia, (ii) a matéria relativa à remuneração do diretor da companhia deveria ter constado da ordem do dia, (iii) era indispensável a disponibilização do parecer do Conselho Fiscal 30 (trinta) dias antes da realização da assembleia, e (iv) a retenção dos lucros somente é possível na hipótese em que a companhia comprove a sua dificuldade financeira.3. A aprovação das próprias contas é caso típico de conflito formal (ou impedimento de voto), sendo vedado ao acionista administrador proferir voto acerca da regularidade de suas contas.4. Na hipótese, o fato de o único outro sócio da sociedade anônima fechada ter ocupado cargo de administração em parte do exercício não altera a conclusão que o sócio administrador não pode aprovar as próprias contas.5. A ausência de impugnação de fundamento suficiente para manutenção do acórdão recorrido enseja o não conhecimento do recurso no ponto, incidindo o disposto na Súmula nº 283⁄STF.6. O sócio tem o direito subjetivo haver para si parcela do lucro correspondente a sua participação societária (art. 109, I, da LSA).7. A Lei das Sociedades Anônimas prevê apenas duas situações em que é permitido o não pagamento do dividendo obrigatório ou seu pagamento em percentual menor do que o previsto: quando houver deliberação da assembleia geral sem a oposição de qualquer acionista presente ou quando os órgãos de administração informarem à assembleia geral que o dividendo obrigatório é incompatível com a situação econômica da companhia.8. Cabe ao acionista que se considerar prejudicado demonstrar que a decisão dos órgãos de administração de não distribuir os dividendos obrigatórios está eivada de erro, é falsa ou fraudulenta.9. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e os indicados como paradigmas.10. Recurso especial de DIANA PAOLUCCI S.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO conhecido e não provido. Recurso especial de STANISLAU RONALDO PAOLUCCI parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
Leia o acórdão.