A responsabilidade do empregador decorreu da atividade perigosa de transporte de cargas
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a TNS Transportes & Logística Ltda., de Jaboatão dos Guararapes (PE), a pagar indenização de R$ 150 mil pela morte de um motorista vítima de latrocínio (roubo seguido de morte) cometido na entrega de carga. O assalto ocorreu quando ele se afastou do veículo para falar ao celular, único objeto roubado. Para o colegiado, o fato de a carga não ser a intenção dos criminosos não afasta a responsabilidade da empresa, por se tratar de atividade de risco.
Latrocínio
O latrocínio ocorreu em 19/6/2017, durante o expediente. O motorista havia estacionado o veículo próximo do endereço do cliente e foi à esquina, para atender uma ligação no celular pessoal. Nesse momento, dois assaltantes o abordaram e, diante de sua reação, um deles atingiu-o com um tiro. No processo, o filho do motorista alegou que a atividade era exercida sem segurança e, em razão dos danos psicológicos causados, pediu indenização.
Responsabilidade
O juízo da 4ª Vara do Trabalho de Jaboatão dos Guararapes deferiu a reparação no valor de R$ 150 mil. Nos termos da sentença, o dever de indenizar decorre do nexo entre a atividade, considerada de risco, e o dano, independentemente de culpa da empresa.
O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE), contudo, afastou a indenização, por entender que o latrocínio não estava relacionado à carga transportada.
Atividade de risco
O relator do recurso de revista do filho do empregado, ministro Mauricio Godinho Delgado, explicou que, conforme a jurisprudência do TST, é objetiva a responsabilidade civil por danos morais resultantes de assalto a empregados que exerçam atividade de alto risco, como bancários e motoristas de carga e de transporte coletivo. Para o ministro, a circunstância de, no latrocínio, ter sido roubado o celular da vítima, sem que a carga fosse o alvo dos criminosos, não altera essa conclusão. “A responsabilidade não decorre da natureza da carga ou do bem objeto do assalto”, assinalou. “Ela está atrelada, em verdade, ao risco inerente à própria atividade de motorista de transporte de cargas, que foi vítima de crime no exercício de suas funções”.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. MOTORISTA DE TRANSPORTE DE CARGAS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE ASSALTO SOFRIDO DURANTE O TRABALHO. MORTE DO EMPREGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ATIVIDADE DE RISCO. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, CÓDIGO CIVIL DE 2002. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 927, parágrafo único, do CCB, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. MOTORISTA DE TRANSPORTE DE CARGAS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE ASSALTO SOFRIDO DURANTE O TRABALHO. MORTE DO EMPREGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ATIVIDADE DE RISCO. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, CÓDIGO CIVIL DE 2002. A indenização por danos morais é devida quando presentes os requisitos essenciais para a responsabilização empresarial. É necessária, de maneira geral, a configuração da culpa do empregador ou de suas chefias pelo ato ou situação que provocou o dano no empregado. É que a responsabilidade civil de particulares, no Direito Brasileiro, ainda se funda, predominantemente, no critério da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), nos moldes do art. 186 do CCB, que dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Contudo, por exceção, o art. 927 do CCB, em seu parágrafo único, trata da responsabilidade objetiva independente de culpa – “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Nessa hipótese excepcional, a regra objetivadora do Código Civil também se aplica ao Direito do Trabalho, uma vez que a Constituição da República manifestamente adota no mesmo cenário normativo o princípio da norma mais favorável (art. 7º, caput: “… além de outros que visem à melhoria de sua condição social”), permitindo a incidência de regras infraconstitucionais que aperfeiçoem a condição social dos trabalhadores. A jurisprudência do TST é nesse sentido e considera objetiva a responsabilidade por danos morais resultantes do evento “assalto” e seus consectários, relativamente a empregados que exerçam atividade de alto risco, tais como bancários, motoristas de carga, motoristas de transporte coletivo e outros (art. 927, parágrafo único, CCB). Enquadrando-se a situação dos autos nessa hipótese extensiva de responsabilização – o empregado era motorista de transporte de cargas e faleceu durante um assalto no exercício de suas atividades -, deve ser reconhecida a responsabilidade da Reclamada quanto ao pagamento de indenização por danos morais, em conformidade com os arts. 1º, III, 5º, V e X, da CF, e 927, parágrafo único, do Código Civil. Agregue-se que a circunstância de o assalto – que culminou no latrocínio – ter tido como objeto o celular do motorista, por si só, não elide a responsabilização civil da Reclamada pelo óbito do seu empregado, haja vista que tal responsabilidade não decorre da natureza da carga ou do bem objeto do assalto, estando atrelada, em verdade, ao risco inerente à própria atividade de motorista de transporte de cargas, que foi vítima de crime no exercício de suas funções. Recurso de revista conhecido e provido.
Por unanimidade, a Terceira Turma restabeleceu a sentença.
Processo: RR-1110-07.2017.5.06.0144