Os descontos eram efetuados sem a demonstração de culpa ou dolo dos empregados.
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que condenou a Rede Conecta Serviços de Rede S.A., com sede em Fortaleza (CE), a pagar indenização por danos morais coletivos por descontar dos salários dos empregados os valores gastos com reparos de avarias em carros da empresa que eles dirigiam. De acordo com os ministros, a medida é ilegal, pois não havia comprovação de dolo ou culpa dos trabalhadores pelos acidentes.
Desconto
O Ministério Público do Trabalho (MPT) apresentou ação civil pública após uma investigação sobre 47 acidentes com veículos da empresa no Piauí demonstrar que a Conecta descontava o custo do reparo dos salários dos motoristas envolvidos. Segundo o MPT, os descontos se baseavam apenas em boletins de ocorrência, relatórios de sinistros e termos de responsabilidade assinados pelos empregados, sem, contudo, apresentar o laudo pericial, documento que comprovaria a culpabilidade dos empregados e tornaria lícito o desconto.
A empresa admitiu que realizava o abatimento, mas demonstrou que assim procedia com prévia autorização por escrito de cada empregado.
Ilicitude
O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Teresina (PI) julgou procedente o pedido e, além de proibir os descontos sem a comprovação da responsabilidade do motorista, condenou a empresa ao pagamento de indenização de R$ 100 mil por danos morais coletivos, a serem destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (PI).
Para o TRT, a licitude dos descontos depende de prova de que o empregado tenha agido dolosamente (com intenção) ou de previsão em ajuste contratual, com expressa anuência do empregado, e desde que comprovada a sua culpa pelo dano. “No caso, não demonstrado o dolo ou a culpa do trabalhador envolvido no sinistro, nem garantido o direito de defesa, incabível concluir que seja ele o efetivo responsável pelo dano, de forma que não é lícito o desconto”, concluiu.
Culpa ou dolo
O relator do recurso de revista da empresa, ministro Cláudio Brandão, disse que o artigo 462 da CLT admite a realização de descontos salariais em casos de dano causado pelo empregado. “Todavia, não basta a existência de ajuste entre a empresa e o trabalhador, sendo necessária a prova da existência de culpa/dolo do empregado para que o procedimento tenha validade”, afirmou. Esse ônus incumbe à empresa. “Do contrário, haverá transferência indevida dos riscos da atividade, o que não se coaduna com os princípios protetivos do Direito do Trabalho”.
Outro ponto destacado pelo ministro é que há previsão expressa em norma interna da empresa da necessidade de realização de prova pericial, mas que não foi produzida perícia nem outra forma de comprovação equivalente.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014. CPC/2015. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. defesa de interesses individuais homogêneos. Está pacificada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior no sentido de que o Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para ajuizar ação civil pública para tutela de interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos socialmente relevantes. No caso concreto, os interesses defendidos pelo MPT extrapolam a esfera individual, revelando-se coletivos e mesmo difusos, porquanto se relacionam a causa comum de violação de direito no tocante aos descontos salariais ilícitos efetuados pela empresa ré, não podendo ser considerado individual heterogêneo.
DANO MORAL COLETIVO. DESCONTOS SALARIAIS INDEVIDOS. OCORRÊNCIA DE SINISTROS E AVARIAS NOS VEÍCULOS. NÃO COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CULPA OU DOLO DOS EMPREGADOS. Nos termos do artigo 462, caput, da CLT, “ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”. Admite-se, portanto, a realização de descontos salariais em casos de dano causado pelo empregado. Todavia, não basta a existência de ajuste entre empregador e empregado, sendo necessária a prova da existência de culpa/dolo do trabalhador para que o procedimento tenha validade (ônus que incumbe à ré). Do contrário, haverá transferência indevida dos riscos da atividade, o que não se coaduna com os princípios protetivos do Direito do Trabalho. Sucede que, na hipótese vertente, embora o Colegiado Regional tenha registrado a existência de autorização de desconto a título avarias nos veículos utilizados para o trabalho, objetou que “os laudos periciais dos sinistros contabilizados pelo Ministério Público não foram apresentados pela demandada, nem foi provado a instituição de qualquer procedimento a comprovar ou não o dolo/culpa do trabalhador pelos infortúnios”. Logo, correta a decisão regional que reconheceu o dano moral coletivo decorrente dos valores indevidamente descontados dos salários dos empregados. Agravo conhecido e não provido.
A decisão foi unânime.No entanto, a empresa apresentou recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Processo: Ag-AIRR-1434-56.2015.5.22.0003