Os veículos adaptados oferecidos não atendiam às 250 pessoas com deficiência que trabalhavam na construção da hidrelétrica
A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, por unanimidade, condenar a Construtora Camargo Corrêa S.A. ao pagamento de R$ 200 mil por dano moral coletivo, pelo não fornecimento de veículos adaptados em quantidade suficiente para atender 250 empregados com necessidades especiais, na Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia (RO). Ao prover parcialmente recurso da empresa, a Turma reduziu o valor da condenação, fixado anteriormente em R$ 3 milhões.
Mata densa
Na ação civil pública, ajuizada em 2015, o Ministério Público do Trabalho (MPT) descreve que a usina começou a ser construída em 2012, no rio Madeira, e que os investidores sabiam, desde o começo, as dificuldades que seriam enfrentadas na construção. Além da distância de 120 km de Porto Velho, capital de Rondônia, a construção ocorreria em área de mata densa, o que demandaria a contratação de transporte coletivo terceirizado para o deslocamento dos trabalhadores, a maioria residente na capital, para os canteiros de obra, com tempo de deslocamento aproximado de uma hora e meia.
Situação vexatória
Entre outros pontos, o MPT citou uma condenação imposta à empreiteira, em ação individual, por transportar um empregada com deficiência física de maneira vexatória, em razão da falta de veículos adaptados: ela tinha de ser “abraçada por trás” para descer e subir do ônibus. Um inquérito civil apurou que outros trabalhadores com deficiência enfrentavam a mesma situação. O objetivo da ação era obrigar a empresa a fornecer veículos totalmente adaptados aos cerca de 250 empregados nessa condição.
A construtora, em sua defesa, sustentou que cumpria todas as normas de medicina e segurança do trabalho em relação à acessibilidade das pessoas com deficiência e, também, ao transporte desses trabalhadores nos deslocamentos para os canteiros de obras.
Coletividade
O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Porto Velho (RO) condenou a Camargo Corrêa ao pagamento de R$ 3 milhões por danos morais coletivos. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (RO/AC), que entendeu que as lesões a interesses sociais e individuais resultantes de uma relação de trabalho ultrapassavam a esfera individual, afetando toda a coletividade dos portadores de deficiência física que trabalhavam naquele ambiente e naquelas condições.
Segundo o TRT, os dois veículos adaptados para cadeirantes fornecidos pela empresa não eram suficientes para a demanda de mais de 250 empregados com deficiência, em violação ao Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).
Encerramento da obra
No recurso de revista, a Camargo Corrêa argumentou que a obra de construção da Hidrelétrica de Jirau já fora desmobilizada. Mas a relatora, ministra Dora Maria da Costa, assinalou que a pretensão veiculada na demanda não está vinculada estritamente à obra, de modo que seu encerramento não acarreta a perda do objeto.
Valor excessivo
Em relação ao valor da condenação, a ministra considerou que, apesar da gravidade das infrações e o comportamento renitente da empresa em cumprir a obrigação, o valor de R$ 3 milhões foi “extremamente excessivo e desproporcional às peculiaridades do caso concreto”. Propôs, assim, sua redução para R$ 200 mil, “em respeito aos princípios da razoabilidade de proporcionalidade e aos critérios que orientam a fixação de valores indenizatórios”.
O recurso ficou ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PERDA DO OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. Diversamente das alegações recursais, a pretensão veiculada na presente demanda não está vinculada estritamente à obra de construção da Usina Hidrelétrica de Jirau, de modo que o encerramento da referida obra não acarreta a perda do objeto desta ação, restando irrepreensível a conclusão adotada na origem. Ilesos, pois, os dispositivos invocados. 2. CARÊNCIA DE AÇÃO POR ILEGITIMIDADE ATIVA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Como bem pontuado pelo Tribunal de origem, “em se tratando de meio ambiente de trabalho, segurança e medicina do trabalho, toda discussão será de interesse coletivo“. Ainda que a pretensão não fosse classificada como de interesse coletivo em sentido estrito, sua origem comum, decorrente das mesmas circunstâncias fáticas, denota a evidente natureza homogênea, a justificar a atuação do Ministério Público do Trabalho. Logo, não há falar em ilegitimidade ativa ad causam. Outrossim, segundo a teoria da asserção, as condições da ação são aferidas em abstrato, a partir das afirmações contidas na inicial. Nesse contexto, a presente ação reúne as condições necessárias ao seu regular processamento e julgamento do mérito, restando incólumes os dispositivos invocados. Aresto inservível, à luz da Súmula nº 337 do TST. 3. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. NÃO OCORRÊNCIA. CUMULAÇÃO DE CONDENAÇÃO PECUNIÁRIA E OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER. A conclusão adotada pelo Regional no sentido de que “é plenamente possível a cumulação de pedidos de tutelas inibitórias com o pedido de indenização por danos morais coletivos” revela-se irrepreensível, pois a conjunção “ou” estabelecida na redação do artigo 3º da Lei nº 7.347/1985 tem sentido aditivo, consoante jurisprudência sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Superior Trabalhista. Aresto inservível, à luz da Súmula nº 337 do TST. 4. GARANTIA DE TRANSPORTE SEGURO E ADEQUADO AOS PCDs. Consoante se depreende do acórdão regional, o Tribunal de origem consignou que, ao fornecer transporte aos seus empregados, “a empresa assume o ônus de disponibilizar veículos seguros e adequados ao transporte das pessoas que deles se utilizam“. Dessa forma, reputou “plenamente aplicável a Recorrente a disposição legal vigente à época das infrações constatadas pelo Autor da presente ação, art. 16 da Lei 10.098/2000, que expressamente dispõe que “Os veículos de transporte coletivo deverão cumprir os requisitos de acessibilidade estabelecidos nas normas técnicas específicas”“, ressaltando que essa previsão não foi observada no caso concreto, conforme evidenciado pelo conjunto probatório, “o que gerava não apenas dificuldade de acesso aos veículos, mas também os sujeitava a risco de acidentes“. Nesse contexto, é impossível divisar ofensa direta ao art. 5º, II, da CF, porquanto a condenação imposta se lastreou em norma infraconstitucional aplicada ao caso concreto, não sendo identificada violação frontal do seu conteúdo. 5. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. No caso, o Tribunal de origem assentou que “resta sobejamente provado que ocorreram ações e, principalmente, omissões da Ré que afrontam inúmeras normas de segurança e medicina do trabalho, que culminam em atos lesivos a toda coletividade de trabalhadores“, concluindo que “a Ré malferiu valores que dizem respeito à dignidade da pessoa humana, incorrendo na violação de direitos de ordem coletiva, causando repulsa social, pois a conduta adotada pela empresa trazia prejuízos ao direito dos trabalhadores, o que repercute em toda a sociedade e causa dano moral coletivo, passível de ser indenizado“. Evidenciados, portanto, os requisitos configuradores do dever de indenizar, de modo que não há como afastar a responsabilidade da ré quanto à indenização pelo dano moral coletivo. Incólume o art. 5º, V, X e XXXVI, da CF. Dissenso de teses não configurado. 6. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. A multa pelo descumprimento de obrigação de fazer constitui uma multa processual (astreintes) e não se confunde com cláusula penal fixada pelas partes, pelo que resulta inaplicável a disposição do art. 412 do CC. Aresto inservível, à luz da Súmula nº 337 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. 7. QUANTUM INDENIZATÓRIO DO DANO MORAL COLETIVO. Ante a demonstração de possível ofensa ao art. 5º, V, da CF, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUANTUM INDENIZATÓRIO DO DANO MORAL COLETIVO. Em que pese o escopo pedagógico e compensatório que reveste a indenização por dano moral, o seu arbitramento não pode destoar das peculiaridades do caso concreto, nem suprimir a observância do equilíbrio entre os danos e o ressarcimento, na forma preconizada pelo artigo 944 do Código Civil. Trata-se da expressão do princípio da proporcionalidade, norteador da fixação da indenização, decorrente da previsão contida no inciso V do artigo 5º da Carta Magna. In casu, o valor fixado revela-se exorbitante, merecendo ser reduzido a fim de se adequar aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: ED-RRAg-1160-23.2015.5.14.0001