Eleições para OAB do Paraná devem contar com banca de heteroidentificação de raça, recomenda MPF

Órgão entende ser insuficiente, para fins de efetivação da política de cotas, apenas a autodeclaração dos candidatos

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao conselho seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná a adoção de banca de heteroidentificação como mecanismo complementar à autodeclaração de raça nas eleições de seu corpo diretivo. O órgão sugere que a medida seja implementada já no próximo pleito, o segundo após a vigência de norma interna que determina o percentual mínimo de 30% de advogados negros ou pardos por chapa. Subscrevem a recomendação, além do MPF, a Associação Nacional da Advocacia Negra (Anan) e professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), pesquisadores da temática racial.

A ausência de instrumentos complementares de identificação racial gerou imbróglios nas eleições da seccional em 2021 (para o triênio 2022/2024), a primeira após a vigência do normativo que determinou a implementação de cotas para pretos e pardos nas eleições regionais. Na ocasião, uma das chapas participantes do pleito impugnou candidaturas da chapa adversária, alegando incompatibilidade entre as autodeclarações de raça apresentadas pelos candidatos e suas características fenotípicas (traços pessoais) mais evidentes.

Para o MPF, a OAB do Paraná falhou na fixação de critérios claros sobre a forma de resolução das impugnações a candidatos negros e pardos, bem como em implementar mecanismo complementar de identificação racial, como bancas ou comitês de heteroidentificação, a despeito de tal previsão existir no edital daquele pleito eleitoral. Como resultado, prevaleceram as autodeclarações de raça, não obstante as ausências notórias de traços fenotípicos de alguns candidatos.

Ações afirmativas – O MPF aponta que a criação de políticas inclusivas, como as cotas de gênero e raça, constituem mecanismo de correção das distorções sociais historicamente consolidadas na sociedade. O órgão cita que, embora a identificação deva ocorrer primariamente pelo próprio indivíduo, as ambiguidades envolvendo o conceito de mestiçagem no Brasil têm apontado para a importância da adoção de mecanismos complementares de identificação racial, a exemplo das bancas ou dos comitês de heteroidentificação.

A experiência de implementação das cotas raciais nos processos seletivos para universidades federais, bem como para a disputa de vagas em concursos públicos, demonstrou a necessidade da criação de mecanismos alternativos para assegurar a correta destinação das vagas reservadas às pessoas negras e pardas. “O surgimento de benefícios afirmativos concretos, como o ingresso em instituições de ensino superior e em cargos efetivos e empregos públicos, foi acompanhado de movimentos maliciosos por parte de uma parcela da branquitude que passou a agir de forma fraudulenta”, diz a recomendação.

O documento destaca ainda que outros órgãos essenciais à Justiça, a exemplo da magistratura, da Defensoria Pública e do próprio Ministério Público, possuem mecanismos próprios impondo a obrigatoriedade da instituição de comissões de heteroidentificação racial em seus concursos públicos, ou do comparecimento pessoal do candidato autodeclarado negro perante a comissão organizadora para fins de avaliação de suas características fenotípicas.

A legitimidade da utilização de critérios alternativos de heteroidentificação foi reconhecida, inclusive, em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento de ação direta de constitucionalidade (ADC 41). Por sua vez, a Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, hoje Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, expediu, em 2018, orientação normativa no sentido de que a autodeclaração do candidato goza de “presunção relativa de veracidade”, podendo ser confirmada mediante procedimento de heteroidentificação.

Contexto histórico – A recomendação salienta que, ao longo de seus mais de 90 anos de existência, a OAB no Paraná somente foi dirigida por um advogado negro, ainda na década de 30, sucedendo-se mais de oito décadas sem que outro advogado negro, homem ou mulher, ocupasse a mesma posição.

Pedidos – Além da sugestão de adoção de mecanismo complementar de identificação racial, preferencialmente as bancas de heteroidentificação, a recomendação encaminhada à OAB no Paraná pede que se estabeleça, de forma clara e objetiva, os critérios que serão adotados no pleito para o triênio 2025/2027 para identificação da condição de negro ou pardo dos candidatos eventualmente impugnados.

O documento pede, por fim, que a entidade avalie a conveniência e a oportunidade de promover cursos de formação aos seus advogados associados sobre a temática da identidade racial.

Recomendação nº 5/2024

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