Direito à memória e à verdade: MPF defende validade de ação que busca renomear a Ponte Rio-Niterói

Homenagem a dirigentes do regime militar em prédios, bens e equipamentos públicos viola os direitos das vítimas do regime ditatorial e de todos os brasileiros

A renomeação de prédios, bens e equipamentos públicos que prestem homenagens a integrantes do regime militar garante os direitos à memória, à verdade, à moralidade e ao patrimônio histórico e cultural, além de impedir a propaganda da figura de ditadores e de regimes violadores de direitos humanos. Com esse entendimento, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a validade da ação civil pública que busca renomear a Ponte Rio-Niterói, retirando a referência ao presidente Costa e Silva de mapas, placas de trânsito, sites de internet e outros registros oficiais. O caso está em discussão no Recurso Especial 2156922/RJ.

Inaugurada em 1974, durante o regime militar, a Ponte Rio-Niterói foi batizada “Presidente Costa e Silva” ainda em 1970, com a edição da Lei Federal n° 5.595. O MPF ajuizou ação para suprimir do bem público a homenagem a uma das figuras mais proeminentes do regime responsável por inúmeros crimes e violações a direitos humanos. O processo foi extinto tanto pela Justiça em primeira instância quanto pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região sem análise de mérito, sob o argumento de que o assunto deveria ser discutido no Supremo Tribunal Federal por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Após recurso do MPF, o caso chegou ao STJ.

Em manifestação ao STJ, o subprocurador-geral da República Aurélio Rios destaca que a Lei 5.595/1970 não dispõe sobre condutas gerais nem cria regras ou obrigações para o conjunto da sociedade brasileira. Trata-se, na verdade, de uma norma de efeito concreto, editada com o único objetivo de batizar a ponte. Por esse motivo, a regra pode ser questionada por meio de ação civil pública, como já estabelecido tanto pelo STJ quanto pelo STF. O Supremo reconheceu que as leis de efeito concreto editadas antes da Constituição de 1988 não estão sujeitas ao chamado controle abstrato de constitucionalidade e não podem ser discutidas no âmbito da corte. Além disso, a ADPF só pode ser ajuizada quando não existem outros instrumentos capazes de solucionar a questão.

Para o MPF, a ação civil pública é a via processual adequada para o caso. “Não há pedido expresso de declaração de inconstitucionalidade, mas apenas afastamento de efeitos concretos de lei federal, com a correção do nome de bem público (ponte Rio-Niterói) em prol dos aspectos democráticos estabelecidos na Constituição de 1988, na Justiça de Transição, no direito à memória e à verdade, e nas normas de direito internacional”, explica Aurélio Rios.

O subprocurador-geral lembra que o governo Costa e Silva foi responsável pela edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que trouxe consequências nefastas ao país, como o fechamento do Legislativo pelo presidente da República; a intervenção federal em estados e municípios; a suspensão dos direitos políticos e garantias constitucionais dos indivíduos; a cassação, demissão e aposentadoria forçada de servidores públicos; e o confisco de bens. O dispositivo permitiu ainda o encarceramento individual e coletivo sem o devido processo legal, o desaparecimento forçado de pessoas, a tortura institucionalizada como prática de obtenção de prova, e a eliminação física de adversários do regime militar pelos mais diversos meios.

Fundamentos – O parecer do MPF enfatiza que a Constituição de 1988 foi editada sob forte viés democrático. A Carta Magna define como pilares da sociedade brasileira o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a igualdade, a justiça e a dignidade da pessoa humana, cria o Estado Democrático de Direito e reconhece a ilicitude do regime não democrático e dos atos de violação nele praticados. Signatário de tratados internacionais de direitos humanos, o Brasil ainda foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund a reconhecer o direito à memória das vítimas da ditadura e desenvolver ações capazes de evitar a repetição desses crimes.

Para o MPF, a homenagem a ditadores e a propaganda ao regime de exceção são incompatíveis com esses objetivos. A ponte já deveria ter sido renomeada por ato do Poder Executivo, omissão que deve ser sanada agora pela via judicial. Por isso, o subprocurador-geral da República pede que o STJ determine o retorno do processo à origem, para discussão do mérito.

Parecer do MPF

REsp 2156922

 

 

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