Desastre da Vale: MPF recorre da decisão que excluiu ex-presidente da mineradora da ação penal

Ministério Público aponta omissão, obscuridade e contradição no acórdão do TRF6 que concedeu habeas corpus a Fábio Schvartsman

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) que excluiu o ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman da ação penal que apura os responsáveis pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). O desastre, ocorrido em janeiro de 2019 na barragem pertencente à mineradora, matou 272 pessoas. Com a decisão questionada pelo MPF, o então presidente da empresa deixou de responder na Justiça pelas mortes, embora a denúncia aponte que ele sabia do risco de rompimento da barragem e nada fez para impedi-lo.

Por meio de embargos de declaração, apresentados nesta quinta-feira (4), o procurador regional da República Darlan Airton Dias aponta omissão, obscuridade e contradição no acórdão que concedeu habeas corpus ao ex-presidente da Vale, resultando no trancamento das ações penais contra Schvartsman. Na peça processual, Darlan Dias destaca pontos da decisão que, na avaliação do MPF, devem ser esclarecidos, como a falta de transparência no julgamento com a consequente violação ao direito das vítimas, além do revolvimento de provas de forma indevida pelos julgadores para justificar a decisão de ausência de justa causa da denúncia.

Nesse sentido, requer que os embargos tenham efeitos infringentes, ou seja, modificativos para alterar o resultado da decisão, tendo em vista os vícios apontados. Segundo o procurador, ao examinar as provas pela via do habeas corpus, o colegiado do TRF6 assumiu funções exclusivas do juiz do caso, a quem cabe a formação da convicção quanto à materialidade do fato e à existência de indícios suficientes de autoria ou participação nos crimes contra a vida.

“Na hipótese dos autos, os eminentes julgadores, para afirmarem que carece justa causa na atual fase da persecução penal, valeram-se de aprofundada análise das provas constantes dos autos de origem e atribuíram-lhe interpretação diametralmente diversa à do juízo natural”, aponta Darlan Dias no recurso. De acordo com ele, “o grau de profundidade dos votos na análise da prova, por si só, já demonstra que não há ‘evidente ausência de justa causa’”. Para Dias, foi necessário um enorme esforço de revolvimento de provas para se chegar a essa conclusão equivocada. Por isso, pede que os vícios na decisão sejam sanados, o que pode alterar a conclusão do julgamento.

Transparência – Outro ponto questionado no recurso do MPF foi o formato do julgamento. Para o procurador, não houve transparência na votação prejudicando o devido processo legal e o direito das vítimas. Isso porque o julgamento do habeas corpus em favor do ex-presidente da Vale foi iniciado em sessão presencial (realizada em dezembro) e depois teve continuidade em meio virtual, contrariando o requerimento feito pelo MPF para que o processo tivesse o julgamento concluído em sessão presencial. Em manifestação enviada à Corte, o Ministério Público defendeu que a medida era necessária “em homenagem ao princípio constitucional da publicidade dos julgamentos e também em prestígio ao direito dos familiares das vítimas de acompanharem o julgamento em todos os seus aspectos”.

Para o Ministério Público, também é preciso esclarecer a contradição e a obscuridade do voto do revisor sobre esse ponto. Ele indeferiu o requerimento do MPF com argumento de que, após instalada a sessão virtual, as partes poderiam acessar o voto-vista e aguardar a manifestação dos demais desembargadores, podendo apresentar petições ou esclarecimentos adicionais durante o julgamento. No entanto, o procurador aponta que não foi informado às partes a forma como poderiam acessar os votos e apresentar petições ou esclarecimentos.

Além disso, aponta que as sessões virtuais do TRF6 não permitem acesso do MPF e das partes aos votos, que só ficam disponíveis com a publicação do acórdão. “Não existe um sistema que permita às partes e ao MPF acompanhar o andamento da sessão virtual”, pontua Dias. Ele cita, ainda, que o Ministério Público só teve acesso aos votos referentes ao HC no dia 25 de março, quando foram publicados no sistema processual do Judiciário (PJe), sendo que antes dessa data a imprensa já havia noticiado o resultado do julgamento.

Para Darlan Dias, houve flagrante violação à publicidade dos julgamentos e também aos direitos dos familiares das vítimas de acompanharem o julgamento em todos os seus aspectos. Acrescenta ainda que o MPF também foi prejudicado em sua função constitucional de custos legis por não poder acompanhar o julgamento e apresentar petições ou solicitações de esclarecimentos ao longo da sessão virtual. “Houve manifesto prejuízo e violação de direitos processuais das partes interessadas, inclusive do MPF na condição de custos legis, ante o impedimento da continuidade do julgamento em sessão presencial”, conclui.

Embargos de declaração no processo nº 1003640-82.2023.4.06.0000

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