Ministro há mais tempo em atividade no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Francisco Cândido de Melo Falcão Neto completa, neste domingo (30), 25 anos de atuação na corte.
Natural de Recife, Francisco Falcão se formou em direito na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e se dedicou, inicialmente, à advocacia. O interesse pelo universo jurídico se deu em continuidade a uma longa tradição familiar – que inclui seu pai, Djaci Alves Falcão, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) no período de 1967 a 1989.
No Tribunal da Cidadania, assumiu a cadeira que antes pertencia ao ministro Anselmo Santiago e construiu sua trajetória nos colegiados de direito público – Primeira Seção e Segunda Turma. Hoje, também integra a Corte Especial. Presidiu o tribunal entre 2014 e 2016 e exerceu cargos no Conselho da Justiça Federal (CJF) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde foi corregedor nacional de 2012 a 2014.
Perfil discreto e dedicado é constantemente lembrado por colegas
Segundo a atual presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, a experiência do ministro Falcão enriquece o tribunal. “Por trás de seu estilo discreto e equilibrado, há um julgador assertivo, dotado de grande senso de justiça, além de um gestor operoso e conciliador”, destacou.
Presidente do STJ à época da posse de Falcão, o ministro aposentado Antônio de Pádua Ribeiro lembrou a dedicação e o domínio exercido pelo magistrado nas atividades judicantes e administrativas.
“Hoje, o ministro Francisco Falcão é o decano da corte, desempenhando, com dedicação e proficiência, o cargo em que foi investido. Ocupou a presidência do tribunal, ocasião em que mostrou as suas qualidades de excelente gestor administrativo”, elogiou Pádua Ribeiro.
Capacidade administrativa e fonte de inspiração no mundo jurídico
Para a presidente da Primeira Seção, ministra Regina Helena Costa, o conhecimento jurídico e a capacidade de gestão são as principais virtudes de Francisco Falcão.
“Ao longo de seus 25 anos de exercício no STJ, o ministro Francisco Falcão contribuiu com sua larga experiência e seu olhar aguçado para a boa prestação jurisdicional, bem como no aprimoramento da gestão administrativa, especialmente em sua atuação como presidente da corte”, declarou a ministra.
O ministro Afrânio Vilela – que ocupa a presidência da Segunda Turma – definiu Falcão como uma fonte de inspiração para jovens operadores do direito e colegas de magistratura.
“Nesses 25 anos de integração ao STJ, bem cumpriu a missão de interpretar e uniformizar a legislação infraconstitucional, conforme pretendeu a Carta da República ao criar este Tribunal da Cidadania; razão pela qual é uma honra integrar a Segunda Turma ao lado de Sua Excelência, decano deste STJ”, registrou Vilela.
Presidência priorizou celeridade e eficiência na gestão processual
O período de Francisco Falcão na presidência do STJ foi marcado pela adoção de medidas para tornar a tramitação processual mais rápida e eficiente. Essa preocupação se manifestava já no discurso de posse, quando salientou que era preciso “dar passos mais ousados” para aprimorar o Sistema de Justiça brasileiro.
Uma das principais iniciativas do período foi a criação do Núcleo de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos (Nurer) – hoje transformado na Assessoria de Admissibilidade, Recursos Repetitivos e Relevância (ARP) –, o qual evitou a distribuição desnecessária de 32% dos recursos que chegaram ao tribunal. Isso correspondeu, naquele período, a mais de 156 mil processos não repassados aos ministros em razão de 114 mil decisões de admissibilidade emitidas pela Presidência, além da aplicação de teses de repetitivos.
Outro aprimoramento foi a redução do tempo de espera para a conclusão de um processo e para a primeira decisão proferida nos autos. No caso dos recursos especiais, o tempo caiu de 278 para 93 dias. Para os agravos em recurso especial, houve redução de 178 para 66 dias.
Exercendo suas atribuições como julgador, Francisco Falcão foi relator de casos de grande repercussão e estabeleceu precedentes relevantes do direito nacional em matérias diversas. A seguir, alguns julgados recentes do ministro, entre os de maior destaque.
Indenização por dano ambiental mesmo sem prova do prejuízo
Em julgamento de fevereiro deste ano, a Segunda Turma definiu que a ausência de prova técnica para a comprovação do efetivo dano ambiental não impede o reconhecimento do dever de reparação ambiental, no caso de despejo irregular de esgoto. Com esse entendimento, o colegiado restabeleceu sentença que condenou um clube e uma pessoa física por lançamento irregular de dejetos no estuário do rio Capibaribe, em Recife.
Relator do acórdão (REsp 2.065.347), o ministro Falcão apontou que os princípios da prevenção e da precaução são suficientes para que os poluidores sejam condenados a ressarcir os prejuízos ao meio ambiente. Segundo o magistrado, a responsabilidade civil por danos ambientais, nesse caso, fundamenta-se na teoria do risco administrativo e decorre do princípio do poluidor-pagador, que imputa ao poluidor – aquele que internaliza os lucros – a responsabilização pelo impacto causado ao meio ambiente.
“Diante dos princípios da precaução e da prevenção, e dado o alto grau de risco que a atividade de despejo de dejetos, por meio do lançamento irregular de esgoto – sem qualquer tratamento e em área próxima à localização de arrecifes –, representa para o meio ambiente, a ausência de prova técnica pela parte autora não inviabiliza o reconhecimento do dever de reparação ambiental pelas requeridas”, concluiu o ministro.
Caso Robinho: precedente sobre homologação de sentença estrangeira
Na Corte Especial, Falcão foi o relator do processo de homologação da sentença da Justiça italiana que condenou o ex-jogador Robson de Souza, conhecido como Robinho, à pena de nove anos de prisão por estupro (HDE 7.986). O julgamento se tornou um precedente relevante sobre a homologação de sentenças estrangeiras, ao reconhecer a possibilidade de transferência do cumprimento da pena para o Brasil e admitir o início de execução da pena sem o trânsito em julgado da decisão homologatória.
No caso, o STJ confirmou a transferência da execução da pena para o Brasil e estabeleceu o regime inicial fechado. O colegiado também determinou que a Justiça Federal de Santos (SP) – cidade onde morava o jogador – desse início imediato ao cumprimento da sentença homologada, nos termos do artigo 965 do Código de Processo Civil (CPC). As decisões na Corte Especial foram tomadas por maioria.
Em seu voto, o ministro avaliou que a decisão estrangeira cumpriu os requisitos legais para ser homologada, concluindo ainda que a Lei de Migração (Lei 13.445/2017) possibilitou que o brasileiro nato condenado no exterior cumpra a pena em território nacional.
Isenção do IRPF para pessoa com HIV, mesmo sem sintomas de aids
Em junho de 2022, a Segunda Turma decidiu que o aposentado portador do vírus HIV tem direito à isenção do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), nos termos do artigo 6º da Lei 7.713/1988, mesmo quando não tiver sintomas da síndrome da imunodeficiência adquirida (sida ou, em inglês, aids).
Para o ministro Falcão – relator do processo no colegiado –, não há justificativa plausível para que seja dado tratamento jurídico distinto entre pessoas com aids e aquelas soropositivas para HIV sem sintomas da doença.
Segundo o relator, a isenção do IRPF sobre a aposentadoria visa desonerar quem se encontra em desvantagem diante do aumento de despesas com a doença. No caso da contaminação pelo HIV, o ministro mencionou que “o tempo de tratamento é vitalício (até surgimento de cura futura e incerta), com uso contínuo de antirretrovirais e/ou medicações profiláticas de acordo com a situação virológica (carga viral do HIV) e imunológica do paciente”.
Teses de grande repercussão sobre a incidência do IPI
No âmbito da Primeira Seção, Francisco Falcão foi o relator de diversas teses fixadas sob o rito dos recursos repetitivos. Destacam-se dois temas que tratam do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
No Tema 1.014, o colegiado fixou que os serviços de capatazia estão incluídos na composição do valor aduaneiro e integram a base de cálculo do IPI. Segundo o ministro – cujo voto prevaleceu no julgamento –, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) estabelece normas para a determinação de valor para fins alfandegários, prevendo a inclusão, no valor aduaneiro, dos gastos relativos a carga, descarga e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação.
Tais serviços – prosseguiu Falcão – integram a atividade de capatazia e obedecem à instrução normativa da Receita Federal, a qual explicita que eles devem fazer parte do valor aduaneiro.
“Evidencia-se que os serviços de capatazia, conforme a definição acima referida, integram o conceito de valor aduaneiro, tendo em vista que tais atividades são realizadas dentro do porto ou ponto de fronteira alfandegado na entrada do território aduaneiro”, detalhou o ministro.
Ainda sob o rito dos repetitivos, Francisco Falcão também relatou o REsp 1.396.488, que revisou o Tema 695, após decisão do STF em repercussão geral. A tese foi fixada pela Primeira Seção nos seguintes termos: incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, haja vista que tal cobrança não viola o princípio da não cumulatividade nem configura bitributação.
Reintegração de posse de imóvel em comunidade quilombola
Atuando na Primeira Seção, Falcão foi o relator do CC 190.297, que reconheceu a competência da Justiça Federal para julgar a causa, estabelecida entre particulares, que discute a reintegração de posse de imóvel localizado em comunidade quilombola.
O processo em questão teve origem na Justiça estadual do Amapá e discutia a reintegração de posse de um imóvel que faz parte de uma comunidade quilombola. O juízo cível afirmou que a matéria seria de competência da Justiça Federal. Esta, por sua vez, argumentou que disputa entre particulares deve ser decidida no âmbito estadual. Além disso – prosseguiu –, o caso não abordaria nenhuma discussão acerca do domínio sobre o imóvel em litígio.
O ministro, entretanto, afirmou que há um debate claro sobre a legitimidade da posse do bem. De acordo com Falcão, o artigo 5º da Instrução Normativa 49 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) dispõe que lhe compete a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a desintrusão, a titulação e o registro imobiliário das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas.
Para o ministro, o interesse jurídico da União – explicitado, no caso, pela atuação da autarquia federal agrária – atrai a competência da Justiça Federal, como determina o artigo 109, I, da Constituição Federal.
Competência federal para decidir sobre falta de oxigênio no Amazonas
Ainda na Primeira Seção, em setembro de 2021, Francisco Falcão foi o relator do CC 177.113, que ratificou decisões liminares proferidas pela vice-presidência do STJ e confirmou a competência federal para ações sobre fornecimento de oxigênio hospitalar para as unidades de saúde públicas e privadas do Amazonas.
A falta de oxigênio para os pacientes da Covid-19 no estado gerou colapso no sistema de saúde e foi apontada como a causa direta de muitas mortes no início daquele ano.
O ministro apontou o risco de haver decisões conflitantes a respeito do mesmo assunto, o que poderia gerar uma complicação ainda maior diante do caos gerado pela pandemia.
“A título de evitar possíveis decisões conflitantes, e tendo em conta que essas ações têm o mesmo objeto, relativo ao fornecimento de oxigênio para o estado do Amazonas utilizar no combate à pandemia da Covid-19, não há dúvidas de que a competência há de se firmar a favor do juízo federal, sendo latente o interesse da União”, afirmou Francisco Falcão.
Normativo da Receita não viola sistemática do preço de transferência
Em matéria tributária, destacam-se dois acórdãos relatados nos últimos anos pelo ministro Falcão no âmbito da Segunda Turma. Em outubro de 2023, ao julgar o REsp 1.787.614, o colegiado confirmou a legalidade da Instrução Normativa 243/2002 da Secretaria da Receita Federal (SRF), que definiu parâmetros de cálculo dos preços de transferência no método Preço de Revenda Menos Lucro (PRL). Para o ministro, o ato normativo não violou a sistemática do preço de transferência, originalmente prevista no artigo 18 da Lei 9.430/1996.
A empresa recorrente alegava que a Lei 9.430/1996 não previa restrições ao uso do método PRL para bens importados manipulados no Brasil, o que permitiria a dedução de custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos para o cálculo do preço-parâmetro. Nesse sentido, a Instrução Normativa SRF 243/2002 teria ido além de sua competência regulamentadora ao prescrever um suposto regime de apuração dos preços de transferência pelo método PRL distinto daquele previsto na lei.
Segundo o relator, a instrução normativa apenas consolidou a interpretação correta da metodologia da Lei 9.430/1996, sem o aumento indevido do tributo.
“A eleição do método do contribuinte resultaria em conceder ‘carta branca’ para um planejamento sistemático de evasão fiscal, na medida em que a empresa saberia, de antemão, qual o limite máximo do valor do insumo que poderia ser lançado, o qual, obviamente, sempre corresponderia à menor diferença possível em relação ao preço-parâmetro, fator que resultaria na maximização irregular de sua dedutibilidade fiscal”, afirmou Falcão.
Dedutibilidade de juros sobre capital próprio de exercícios anteriores
O ministro também foi o relator do REsp 1.946.363, em novembro de 2022. Nesse acórdão, a Segunda Turma decidiu, por maioria de votos, que o pagamento de juros sobre capital próprio referente a exercícios anteriores não representa burla ao limite legal de dedução do exercício.
Para isso – de acordo com o colegiado –, ele deve se limitar ao valor correspondente a 50% do lucro líquido em que se dá o pagamento ou a 50% dos lucros acumulados e reservas de lucros, tomando por base as contas do patrimônio líquido daqueles períodos conforme a variação pro rata die da Taxa de Juros de Longo Prazo sobre o patrimônio líquido de cada ano.
No caso, uma contribuinte foi autuada para pagamento de IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) decorrente da glosa de juros sobre o capital próprio, relativos a exercícios anteriores. A Fazenda Nacional alegou que a Lei 9.249/1995 – que dispõe sobre os tributos – limita a dedução aos valores pagos no exercício vigente.
“A norma determina textualmente que a pessoa jurídica pode deduzir os juros sobre capital próprio do lucro real e resultado ajustado, no momento do pagamento a seus sócios/acionistas, impondo como condição apenas a existência de lucros do exercício ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior a duas vezes os juros a serem pagos ou creditados”, ressaltou o ministro ao negar o recurso especial.