A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que compete às turmas da Primeira Seção – Primeira e Segunda – o julgamento de recurso em que se discute cláusula de exclusividade de profissionais médicos no âmbito de planos de saúde privados.
Segundo o colegiado, a controvérsia do recurso – interposto em ação civil pública –, apesar de envolver questões de natureza privada, é centrada em aspectos da ordem pública e econômica, e no direito à saúde, motivos que justificam a atuação das turmas especializadas em direito público.
“A causa de pedir na ação civil pública é alicerçada em temas de direito administrativo econômico, envolvendo as formas de intervenção do Estado na economia, a regulação e a fiscalização estatais das instituições que exploram a saúde no plano privado, eventual violação da livre concorrência, da ordem pública e econômica, e o direito à saúde”, afirmou o ministro Raul Araújo, relator do conflito de competência.
Prêmio para médicos só atenderem clientes da Unimed
A ação civil pública foi movida contra a Unimed de Ijuí (RS) pelo Ministério Público Federal (MPF), segundo o qual a cooperativa médica incluiu em seu estatuto uma cláusula de exclusividade, oferecendo prêmios para garantir que médicos atendessem apenas clientes do plano de saúde Unimed. A ação busca a declaração de nulidade dessa cláusula, pois estaria configurada estratégia abusiva e violadora da livre concorrência.
A sentença foi favorável ao pedido do MPF. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) considerou predominante a autonomia de vontade das partes e deu provimento à apelação da Unimed. O MPF recorreu ao STJ.
Inicialmente, o Recurso Especial 1.426.229 foi distribuído ao ministro Antonio Carlos Ferreira, da Quarta Turma, especializada em direito privado. Ele avaliou que a demanda seria de direito público e determinou a redistribuição do feito, que ficou com a ministra Regina Helena Costa, da Primeira Turma. Por sua vez, a magistrada entendeu que a controvérsia era predominantemente de direito privado, e suscitou o conflito de competência perante a Corte Especial.
Aspectos prevalentes de direito público
Segundo o ministro Raul Araújo, a questão controvertida não está focada meramente no âmbito da autonomia da vontade.
Ele explicou que há discussão específica acerca da conduta anticoncorrencial atribuída à operadora de plano de saúde. A atitude da Unimed configuraria, em tese, infração à ordem econômica e social, de forma que seria danosa ao mercado de serviço suplementar de saúde.
Raul Araújo lembrou que o MPF defendeu em seu recurso que a prática é vedada pela legislação antitruste brasileira e pela Lei 9.656/1998, a Lei dos Planos de Saúde. Para ele, o caso envolve o debate sobre livre concorrência, direito à saúde e intervenção do Estado na economia.
“Há prevalentes aspectos de direito administrativo e de direito econômico sobre as questões iniciais de direito privado. São eminentemente de direito público questões que envolvam a intervenção do Estado na economia, a fiscalização estatal das instituições que exploram a saúde no plano privado, o direito econômico da concorrência, entre outras”, declarou o relator, ao fixar a competência na Primeira Turma.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MPF. ADMINISTRATIVO E ECONÔMICO. PRESENÇA NA LIDE DA UNIÃO E DA ANS. CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE PREVISTA EM ESTATUTO SOCIAL DE COOPERATIVA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. DEBATE SOBRE DIREITO À LIVRE CONCORRÊNCIA, DIREITO À SAÚDE E INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. RELAÇÃO JURÍDICA LITIGIOSA PREVALENTE DE DIREITO PÚBLICO. COMPETÊNCIA DAS TURMAS QUE COMPÕEM A PRIMEIRA SEÇÃO.1. Para a delimitação da competência interna, o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, em seu art. 9º, estabelece, como critério geral, a “natureza da relação jurídica litigiosa”.2. No caso, a questão controvertida, estabelecida no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, traz a debate cláusula indutora de exclusividade de prestação de serviços médicos pelo cooperado, constante do estatuto social de Cooperativa Médica operadora de Plano de Saúde, segundo a qual podem ser penalizados ou premiados os médicos cooperados que adiram, ou não, à referida cláusula. A União e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – foram incluídas na lide, tendo em vista alegada existência de interesse público na demanda.3. No contexto, prevalece a relação jurídica de direito público, ficando subjacentes as de natureza privada envolvidas. A causa de pedir na ação civil pública é alicerçada em temas de direito administrativo econômico, envolvendo as formas de intervenção do Estado na economia, a regulação e a fiscalização estatais das instituições que exploram a saúde no plano privado, eventual violação da livre concorrência, da ordem pública e econômica e o direito à saúde (CF, arts. 170, 173 e 196; Lei 8.884⁄94, arts. 20, I e II, 21, IV, V e VI; Lei 9.656⁄98, art. 18, III).4. É, pois, prevalente o caráter de direito público da pretensão deduzida na ação em que interposto o recurso especial ensejador do conflito de competência.5. Conflito conhecido para declarar competente a Turma componente da Primeira Seção.