Cerealistas gaúchas voltam a ser rés em caso de arrendamento ilegal de terras indígenas

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu, por unanimidade, nesta terça-feira (31/8), incluir novamente como rés em ação civil pública que apura arrendamento ilegal de terras indígenas as empresas Moreto Indústria e Comércio de Cereais e Olfar S/A Alimento e Energia, que haviam sido excluídas da ação pelo juízo de primeiro grau.

Conforme a decisão da 3ª Turma, por estarem na cadeia de produção e venda da soja, ocupando lugar de destaque na região de Erebango (RS), uma vez que são as empresas responsáveis por converter em pecúnia a produção agrícola, compartilham da responsabilidade jurídica objetiva (e também social) pelo arrendamento ilegal das terras indígenas localizadas na Terra Indígena Ventarra, já que aceitam que o produto do ilícito fique armazenado em seus silos.

A 1ª Vara Federal de Erechim (RS) havia excluído as cerealistas sob entendimento de que inexistiam elementos suficientes demonstrando a ligação das empresas com o esquema de arrendamento ilegal, o que levou o Ministério Público Federal, autor da ação, a recorrer ao TRF4.

Segundo a desembargadora Vânia Hack de Almeida, relatora do caso na Corte, ao contrário do usufruto comum, estabelecido pela legislação civil, o usufruto vitalício conferido aos grupos indígenas não permite o uso e a fruição mediante arrendamento. “Mesmo a existência de atividade agropecuária, decorrente de parceria agrícola celebrada entre o grupo indígena e terceiros, é expressamente proibida”, afirmou Hack de Almeida.

Para a magistrada, há indícios do envolvimento das pessoas/empresas agravadas, tendo como base a teoria da asserção (vínculo fático suficiente entre o alegado na peça inicial e àquilo demonstrado pela prova carreada inicialmente). “A exclusão da lide logo em seu início não se coaduna com o grau de importância e responsabilidade que ambas detém na cadeia de escoamento de produção agrícola oriunda do ilegal arrendamento”, concluiu a desembargadora.

O recurso ficou assim ementado:

AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TERRA INDÍGENA. EXPLORAÇÃO INDEVIDA.

  1. Ao contrário do usufruto comum, estabelecido pela legislação civil, o usufruto vitalício conferido aos grupos indígenas não permite o uso e a fruição mediante arrendamento, não se aplicando o art. 1.399 do atual Código Civil. Há vedação legal à celebração de contrato de arrendamento ou parceria na exploração de terras de propriedade pública, excepcionados apenas os casos relacionados a razões de segurança nacional, áreas de colonização pioneira, na sua fase de implantação, ou forem as terras ocupadas antes de 1964 por posseiros em posse pacífica e com justo título (art. 94, caput e parágrafo único, da Lei n. 4.504/64 – Estatuto da Terra). Os exatos contornos a serem considerados aos diretos decorrentes do usufruto conferido aos indígenas já foram delineados pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da PET n. 3.388/RR. Na ocasião, o relator, saudoso Ministro Carlos Menezes Direito, assentou que, dentre outras restrições, “[…] 14) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;”, apontando, ainda, que “15) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária extrativa […]” (PET n. 3.388/RR, Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, excerto do voto do Min. Min. Carlos Brito, Informativo n. 532, de 08 de dezembro de 2.008).

  2. Mesmo a existência de atividade agropecuária, decorrente de parceria agrícola celebrada entre o grupo indígena e terceiros, é expressamente proibida, conforme norma contida no art. 18, § 1º, do Estatuto do Índio, acima transcrito. Nenhuma pessoa estranha à comunidade indígena, sob qualquer pretexto e por melhores que fossem suas intenções, mesmo de comum acordo com pessoas a se identificarem como líderes ou chefes indígenas, poderia praticar atividade agrícola na propriedade da União, em usufruto vitalício do grupo indígena. Aos indígenas não cabe, em hipótese alguma, por qualquer forma, arrendar, gravar de ônus, alienar ou fornecer, por qualquer forma, áreas de terras dentro de reserva indígena. São os silvícolas meros usufrutuários das terras, de propriedade da União.Existe arrendamento quando o pacto celebrado contém todas as características a informarem a presença desse contrato típico, pouco importando o nomem juris que os contratantes tenham utilizado. A respeito, é explícito o art. 112 do Código Civil ao estabelecer que “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

  3. Numa análise preliminar, há indícios do envolvimento das pessoas/empresas agravadas, tendo como base a teoria da asserção (vínculo fático suficiente entre o alegado na peça inicial e àquilo demonstrado pela prova carreada ‘ab initio’). O MPF sustenta que a produção de soja é oriunda de terra indígena ilegalmente arrendada para produtores não-indígenas, em simulação contratual feita com associação que deveria representar os interesses dos indígenas da Terras Indígenas de Ventarra, em Erebango/RS. Aduz que – dado o caráter também ambiental da Terra Indígena – a legislação de regência impõe a responsabilidade objetiva àquele que, por sua atividade, causar-lhe dano. A doutrina e a jurisprudência são uníssonas ao reconhecer a responsabilidade solidária de todos os envolvidos, ainda que indiretamente, na cadeia produtiva de atos que geram danos ao meio ambiente. Por estarem na cadeia de produção e venda da soja – ocupando lugar de destaque na região de Erebango/RS, eis que são as empresas responsáveis por converter em pecúnia a produção agrícola compartilham da responsabilidade jurídica objetiva (e também social) pelo arrendamento ilegal das terras indígenas localizadas na TI Ventarra, já que aceitam que o produto do ilícito fique armazenado em seus silos. Assim, sua exclusão da lide – logo em seu início – não se coaduna com o grau de importância e responsabilidade que ambos detém na cadeia de escoamento de produção agrícola oriunda do ilegal arrendamento.

N° 5000724-32.2021.4.04.0000

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