Para a 4ª Turma, a apresentação de declaração não supre o requisito previsto na Reforma Trabalhista.
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho não admitiu o recurso de um barbeiro contra decisão que lhe negou o benefício da justiça gratuita e determinou que ele pagasse as custas em processo contra a Coriolano Barbearia Ltda., de Santana do Parnaíba (SP). Segundo os ministros, a declaração apresentada por ele não é suficiente para comprovar a condição financeira pessoal se a parte recebe salário superior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
Benefício da justiça gratuita
No processo contra a barbearia, o trabalhador teve diversos pedidos deferidos pelo juízo da 1ª Vara do Trabalho de Santana de Parnaíba, inclusive o de reconhecimento de vínculo de emprego. Também lhe foi concedido o benefício da gratuidade de justiça, após ele ter declarado não ter condições para custear o processo em caso de indeferimento dos pedidos.
Comprovação da condição econômica
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, ao julgar recurso da empresa, considerou improcedentes os pedidos e o condenou ao pagamento de R$ 1.531 a título de processuais, afastando o benefício. Para o TRT, não houve comprovação da condição econômica do trabalhador para a concessão dessa vantagem.
Jurisprudência superada
O relator do recurso de revista do barbeiro, ministro Ives Gandra Martins Filho, observou que o item I da Súmula 463 do TST, que admite a declaração de hipossuficiência econômica para a concessão da assistência judiciária gratuita, decorre de interpretação legislação anterior à Reforma Trabalhista. A Lei 13.467/2017, segundo ele, alterou a redação do artigo 790 da CLT para estabelecer que têm direito à justiça gratuita os que recebem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS e os que, caso ultrapassem esse percentual, comprovem insuficiência de recursos para o pagamento das custas. “A mudança é clara”, afirmou.
Acesso à Justiça
Para o ministro, exigir a comprovação da hipossuficiência econômica não atenta contra o acesso à Justiça nem nega a assistência judicial do Estado. “Pelo contrário, o que não se pode admitir é que o Estado arque com os custos da prestação jurisdicional de quem pode pagar pelo acionamento da Justiça, em detrimento daqueles que efetivamente não dispõem de condições para isso sem o comprometimento do próprio sustento ou de sua família”, afirmou.
O recurso ficou assim ementado:
GRATUIDADE DE JUSTIÇA – SALÁRIO SUPERIOR A 40% DO TETO DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – NECESSIDADE DE PROVA DA INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA ALEGADA – CLT, ART. 790, §§ 3º E 4º – SÚMULA 463, I, DO TST SUPERADA PELA LEI 13.467/17 – NÃO CONFIGURAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 5º, XXXV E LXXIV, DA CF – TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA – RECURSO NÃO CONHECIDO.
- Nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, constitui transcendência jurídica da causa a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.
- O debate jurídico que emerge do presente processo diz respeito à interpretação do art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, que estabelece novas regras para a concessão da gratuidade de justiça no Processo do Trabalho, questão que exige fixação de entendimento pelo TST, uma vez que a Súmula 463, I, desta Corte, que trata da matéria, albergava interpretação do ordenamento jurídico vigente antes da reforma trabalhista de 2017.
- Ora, o referido verbete sumulado estava calcado na redação anterior do § 3º do art. 790 da CLT, que previa a mera declaração de insuficiência econômica para isentar das custas processuais. Com a Lei 13.467/17, se o trabalhador percebe salário superior a 40% do teto dos benefícios da previdência social, há necessidade de comprovação da insuficiência econômica (CLT, art. 790, §§ 3º e 4º). A mudança foi clara e a Súmula restou superada pela reforma laboral.
- Por outro lado, os incisos XXXV e LXXIV do art. 5º da CF, esgrimidos pelo Reclamante como violados, tratam do acesso à justiça e da assistência judiciária gratuita de forma genérica, sendo que à lei processual cabe dispor sobre os modos e condições em que se dará esse acesso e essa gratuidade, tal como o fez. Nesse sentido, exigir a comprovação da hipossuficiência econômica de quem ganha acima do teto legal não atenta contra o acesso à justiça nem nega a assistência judicial do Estado. Pelo contrário, o que não se pode admitir é que o Estado arque com os custos da prestação jurisdicional de quem pode pagar pelo acionamento da Justiça, em detrimento daqueles que efetivamente não dispõem de condições para demandar em juízo sem o comprometimento do próprio sustento ou de sua família.
- Assim, diante da mudança legislativa, não se pode pretender que o verbete sumulado superado continue disciplinando a concessão da gratuidade de justiça, transformando alegação em fato provado, invertendo presunção e onerando o Estado com o patrocínio de quem não faz jus ao benefício, em detrimento daqueles que o merecem. Nem se diga ser difícil provar a insuficiência econômica, bastando elencar documentalmente os encargos que se tem, que superam a capacidade de sustento próprio e familiar, comparados aos gastos que se terá com o acionamento da Justiça.
- In casu, o TRT da 2ª Região aplicou a nova lei para indeferir a gratuidade da justiça, em face da não comprovação da insuficiência econômica do Reclamante, que informou perceber salário acima do teto legal. Assim decidindo, o Regional não atentou contra a jurisprudência sumulada do TST ou contra as garantias constitucionais de acesso à justiça e de sua gratuidade para os necessitados, razão pela qual o recurso de revista obreiro, calcado nas alíneas “a” e “c” do art. 896 da CLT, não merece conhecimento.
Recurso de revista não conhecido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-1000879-45.2019.5.02.0421