A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou a sentença que garantiu a uma candidata ao cargo de Técnico Administrativo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realizar a prova do certame organizado pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) utilizando o véu islâmico (Hijab).
Em seu recurso ao Tribunal, o Cebraspe sustentou que a participação da autora no processo seletivo utilizando o véu que cobre a parte superior da cabeça contraria regra do edital que proíbe a realização das provas com quaisquer acessórios de chapelaria, tais como: chapéu, boné, gorro etc.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal João Batista Moreira, destacou que, garantindo a Constituição a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença (art. 5º, VI, CF), deve ser assegurado à candidata o direito ao uso do véu islâmico no dia da prova.
“Privar a candidata de exercer plenamente sua liberdade religiosa, que, ressalta-se, não traria nenhuma vantagem em detrimento dos demais candidatos, é uma postura que atenta gravemente contra o compromisso constitucional firmado entre a constituinte e a sociedade brasileira, ademais, é importante ressaltar que a própria autora se comprometeu a ser submetida a revista pessoal minuciosa, para que se findassem quaisquer suspeitas”, concluiu o magistrado.
O recurso ficou assim ementado:
CONCURSO PÚBLICO. ANVISA. TÉCNICO ADMINISTRATIVO. EDITAL N. 1/2015. USO DE VÉU ISLÂMICO. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E CRENÇA. VALOR DA CAUSA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO.
1. Na sentença foi deferido pedido para “para determinar que os requeridos se abstenham de impedir a parte autora de realizar a prova, ou de eliminá-la, no concurso para o cargo de Técnico Administrativo da Anvisa – Edital nº 1, DE 22/12/2015, no dia 04/12/2016, apenas por estar utilizando o véu islâmico (hijab), garantindo, contudo, a prévia inspeção na vestimenta pelos fiscais de sala, com o fito de assegurar a inexistência de qualquer intuito fraudatório”. Considerou-se que: a) “havendo possibilidade de o Estado resguardar a liberdade religiosa do indivíduo, deverá o ente público promover os atos necessários para que haja compatibilização entre a crença religiosa e a própria atuação estatal, inclusive no âmbito de concursos e seleções públicas. É de se destacar que, quanto aos integrantes da Igreja Adventista do Sétimo Dia, já há entendimento pacificado no âmbito dos Tribunais sobre a necessidade de estabelecimento de tratamento especial quando a prova é realizada no dia de resguardo (sábado), havendo inclusive previsão editalícia em alguns certames públicos, como ocorre no Enem”; b) “havendo plena comprovação da autora como seguidora do Islamismo (fls. 13v e 14) e recusa por parte da banca examinadora em realizar o atendimento especial (fls. 34/41), seu eventual impedimento de realização da prova no dia 04/12/2016 configura em violação à liberdade religiosa assegurada pela Constituição Federal, pois o ente público pode adotar medidas necessárias para evitar qualquer fraude por parte da requerente, sendo, inclusive, o motivo para tal previsão editalícia”; c) “a decisão do Cebraspe foge à razoabilidade, pois não ofende qualquer critério de isonomia ou impessoalidade entre os participantes, já que a autora irá realizar a mesma prova dos demais, ressaltado pelo próprio compromisso da parte autora em submeter seu véu islâmico à revista, demonstrando a inexistência de intuito fraudatório”.
2. Há jurisprudência neste Tribunal no sentido de que, “garantindo a Constituição a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença (art. 5º, VI, CF), é de se assegurar à candidata o direito ao uso do véu islâmico no dia da prova” (TRF1, AC 0029067-68.2016.4.01.3400, Rel. Juiz Federal Osmane Antônio Dos Santos (Conv.), 5T, e-DJF1 24/04/2018).
3. Reconhece-se à Defensoria Pública o direito ao recebimento dos honorários advocatícios se a atuação se dá em face de ente federativo diverso do qual é parte integrante (tese firmada pelo STJ no tema 129 REsp 1.108.013/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 22/06/2009). Esta Corte Regional, em julgamento da Sexta Turma Ampliada (art. 942 do CPC/2015), em face da mais recente jurisprudência do STF, afastou a aplicação do enunciado 421 da Súmula do STJ, para concluir pela possibilidade de condenação da União ao pagamento de honorários de sucumbência em favor da Defensoria Pública da União: TRF1, AC 0002587-71.2017.4.01.3803/MG, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma em sessão ampliada, j. 07/11/2017, DJF1 de 01/12/2017.
4. O CEBRASPE sustenta que “a sentença condenou o Apelante em 10% sobre o valor da causa, no entanto a Apelada não atribuiu valor à causa, conforme se depreende da petição inicial (…) pelas considerações anotadas, nota-se que o valor da causa deve ser fixado em R$ 70,00 (setenta reais), equivalente ao valor da taxa de inscrição no concurso em comento, nos termos do 8 3.º, do art. 292, do NCPC”. Alegação não impugnada pela pela Defensoria Pública da União.
5. O artigo 292, § 3º, do CPC, dispõe que “o juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes”. Julgou esta Corte: “1. A jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que quando o valor a ser atribuído à causa é taxativamente previsto em lei, é possível ao julgador, de ofício, corrigir aquele consignado na petição inicial, mormente quando apresenta grande discrepância com o valor real da causa. Pelo mesmo motivo, pode ser acolhida a impugnação do réu, ainda que não autuada em apenso, mas aduzida em preliminar de contestação” (REsp 256157/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ 01/04/2002)
6. “A ação, no caso, não tem proveito econômico imediato, e nem se enquadra no rol do artigo 292, do diploma processual, não havendo previsão legal de que o valor da causa corresponda a 12 vezes o salário no cargo pretendido pelo autor” (TRF1, AMS 1000303-34.2017.4.01.4301, Rel. Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, 5T, PJe 25/04/2020). Assim, atribuo, de ofício, o valor da causa em R$ 70,00 (setenta reais).
7. Apelação do CEBRASPE parcialmente provida para fixar, de ofício, o valor da causa em R$ 70,00 (setenta reais). Apelação da DPU provida para condenar a Anvisa aos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez) por cento sobre o valor atualizado da causa.
A decisão do Colegiado foi unânime acompanhando o voto do relator.
Processo 0070711-88.2016.4.01.3400