A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que não há incidência de Imposto de Renda (IR) sobre o valor pago a título de ajuda compensatória mensal pelo empregador ao empregado em caso de suspensão do contrato de trabalho, o chamado lay-off.
O artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que o trabalhador pode ter seu contrato suspenso, por período de dois a cinco meses, para participar de curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador.
Durante o período de afastamento, o empregado recebe uma bolsa de qualificação profissional custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e uma ajuda compensatória mensal paga pela empresa, com valor definido em convenção ou acordo coletivo.
Indenização
No caso analisado pelo colegiado, a Fazenda Nacional questionou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o qual entendeu que tal ajuda não tem natureza salarial, e sim indenizatória, pois seu objetivo seria compensar o afastamento do direito à irredutibilidade salarial do empregado. Nesse caso, não incidiria o IR.
Por sua vez, a Fazenda Nacional alegou que a ajuda compensatória mensal seria um substituto do salário, devendo ser tributada, por representar aquisição de disponibilidade econômica. Asseverou ainda que a isenção concedida pelo TJSP não está prevista em lei.
Redução de prejuízos
Em seu voto, o ministro relator do processo, Herman Benjamin, lembrou que o Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 43, descreve como fato gerador do IR a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza.
Porém, ele destacou que, no caso de suspensão do contrato de trabalho nos moldes do artigo 476-A da CLT, não se pode falar em acréscimo patrimonial. A ajuda compensatória devida pelo empregador – explicou o ministro – é prevista pela legislação como forma de diminuir os danos causados ao empregado que teve seu contrato de trabalho suspenso, não incidindo, assim, o imposto sobre esse valor.
“O montante pago a título de ajuda compensatória, portanto, tem natureza jurídica de indenização, destinando-se a reconstituir a perda patrimonial do trabalhador e os próprios prejuízos advindos da suspensão do contrato de trabalho” – declarou Herman Benjamin, citando os reflexos negativos no 13º salário e no depósito do FGTS.
Caso concreto
Na análise do caso em julgamento, o relator afastou a tese da Fazenda Nacional de que não teria havido redução salarial porque o acordo coletivo previa que os empregados receberiam da empresa, a título de ajuda compensatória mensal, a diferença entre o valor pago pelo FAT e o salário líquido que recebiam antes da suspensão do contrato – não existindo, dessa forma, redução na remuneração.
“Se a ajuda compensatória corresponde à diferença devida entre a bolsa recebida para qualificação e o salário líquido percebido, evidente a redução salarial, até porque a bolsa de qualificação não tem natureza de salário”, afirmou.
Além disso, o ministro ressaltou que a ajuda compensatória é calculada com base no salário líquido, o que faz com que o trabalhador receba menos do que efetivamente receberia se estivesse trabalhando – situação em que perceberia o salário bruto.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC⁄2015 NÃO CARACTERIZADA. RECURSO ESPECIAL. VERBAS RECEBIDAS A TÍTULO DE LAY-OFF. ART. 476-A DA CLT. NATUREZA INDENIZATÓRIA. SACRIFÍCIO DO DIREITO À IRREDUTIBILIDADE SALARIAL. NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA.HISTÓRICO DA DEMANDA1. Trata-se, na origem, de ação proposta pelo Sindicado dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Caetano do Sul visando afastar a incidência de imposto de renda sobre o pagamento da verba prevista no art. 476-A da CLT.2. A sentença julgou improcedente o pedido, mas a Apelação do Sindicato foi provida.AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC⁄20153. Constata-se que não se configurou a ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução, manifestando-se expressamente quanto aos arts. 43 e 111 do CTN, cuja análise pleiteou a recorrente. Ao julgar os Aclaratórios, a Corte Regional anotou (fl. 484): “O reconhecimento da natureza indenizatória da verba atrai a regra isentiva. A invocação dos artigos 43 e 111, do Código Tributário Nacional, não tem pertinência”.SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
EM MOMENTOS DE CRISE ECONÔMICA4. No caso dos autos, a suspensão do contrato de trabalho e, consequentemente da remuneração, em cenários de crise e de dificuldades econômicas, caracteriza-se como medida emergencial, a fim de garantir a preservação de empregos e das empresas. A medida permite que as últimas diminuam temporariamente seus custos, assegurando sua saúde financeira, ao mesmo tempo em que mantêm seus trabalhadores. Evita-se, assim, a dispensa em massa dos trabalhadores, e o efetivo abalo social decorrente do desemprego, ao mesmo tempo em que é assegurada a retomada mais rápida da produção com a melhoria do cenário econômico.DISCIPLINA NORMATIVA DO CASO CONCRETO5. O caso em exame cuida da suspensão do contrato de trabalho regulado pelo art. 476-A da CLT, o qual preconiza: “O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001).”6. Consoante se extrai do dispositivo acima transcrito, o contrato de trabalho do empregado, após celebração de acordo ou de convenção coletiva com o sindicato da categoria, e anuência formal do empregado, fica suspenso pelo período de duração do curso de requalificação de no mínimo 2 (dois) e no máximo, 5 (cinco) meses.7. Com a suspensão do contrato de trabalho, nessa modalidade, o empregado recebe bolsa de qualificação profissional, custeada pelo FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, nos termos do art. 2º-A da Lei 7.998⁄1990, durante o curso de aprimoramento profissional, desde que a suspensão tenha duração máxima de cinco meses, após o que o encargo passa a ser de responsabilidade do empregador, conforme o art. 476-A, § 7º, da CLT. Como o contrato de trabalho é suspenso, ficam sobrestadas as obrigações principais do empregado e do empregador: respectivamente, a prestação de serviços e o pagamento de salários. Além disso, ficam paralisados os efeitos do contrato como contagem de tempo de serviço para férias e 13º salário proporcionais, depósito na conta vinculada do FGTS, recolhimento da previdência social e, por conseguinte, o cômputo do período como tempo de serviço para a aposentadoria.8. A empresa empregadora, a seu turno, deve oferecer cursos de qualificação profissional, arcando com todas as despesas decorrentes, além de benefícios como vale-refeição, e a denominada “ajuda compensatória mensal”, com valor definido na convenção ou acordo coletivo e que é o objeto do presente feito.9. O deslinde da controvérsia exige, portanto, que se defina qual natureza jurídica da ajuda compensatória definida em convenção ou acordo coletivo e paga pelo empregador e se ela pode ser considerada fato gerador do imposto de renda.AJUDA COMPENSATÓRIA – NATUREZA
JURÍDICA – VERBA INDENIZATÓRIA – NÃO
OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO IR10. O CTN descreve o fato gerador do imposto de renda em seu art. 43.11. Como há suspensão do contrato de trabalho, tal ajuda compensatória evidentemente não se enquadra no inciso I do art. 43 do CTN.12. Além disso, ela não configura proventos, entendidos como acréscimos patrimoniais descritos no inciso II do mesmo dispositivo. Isso porque, no caso dos autos, como afirmado pelo acórdão recorrido, “os trabalhadores em questão sofreram restrição ao direito de irredutibilidade salarial, passando a perceber verba sem caráter salarial e em valor inferior” de modo que houve “sacrifício de um bem fundamental do trabalhador – a irredutibilidade salarial, para a preservação de outro bem fundamental – o emprego” (fl. 465).13. Além disso, deve ser rechaçada a tese da recorrente de que não há redução salarial porque “nos termos da cláusula 2°, item II do Acordo Coletivo de Trabalho (…) os empregadores que tiverem seus contratos de trabalho suspensos (…) receberão da empresa, a titulo de Ajuda Compensatória Mensal, a importância que resultar da diferença entre o valor a ser pago pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador e do salário líquido nos termos subsequentes”.14. Se a ajuda compensatória corresponde à diferença devida entre a bolsa recebida para qualificação e o salário líquido percebido, evidente a redução salarial, até porque a bolsa de qualificação não tem natureza de salário, assim como a citada ajuda compensatória, que, como destacado, indeniza o trabalhador por dispensar a garantia da irredutibilidade.15. Ademais, se a ajuda compensatória é calculada com base no salário líquido, evidente que cada substituído receberá menos que efetivamente receberia se estivesse trabalhando, recebendo o salário bruto.16. Há que se ressaltar que a aludida verba compensatória é paga pelo empregador no contexto da suspensão do contrato de trabalho, sendo obrigação imposta pelo acordo coletivo e com base em determinação do aludido art. 476-A da CLT, não podendo, assim, ser considerada uma liberalidade do empregador. Por isso, não há que se cogitar, por analogia, da aplicação do entendimento adotado no julgamento do REsp 1.112.745⁄SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 1º.10.2009.17. O montante pago a título de ajuda compensatória, portanto, tem natureza jurídica de indenização, destinando-se à reconstituir a perda patrimonial do trabalhador e os próprios prejuízos advindos da suspensão do contrato de trabalho, como não influir no 13º salário proporcional, no depósito na conta vinculada do FGTS.18. Dessarte, evidente que o valor recebido pelos trabalhadores a título de ajuda compensatória representa uma indenização do patrimônio desfalcado do trabalhador, e não um acréscimo patrimonial tido como fato gerador do imposto, motivo pelo qual não se sujeita à tributação pelo imposto de renda.CONCLUSÃO19. Recurso Especial não provido.
Leia o acórdão.