Venda sem nota de produtos estrangeiros permitidos é caso para a Justiça Federal

A venda sem nota fiscal de produtos estrangeiros cuja importação é permitida pode, em tese, ser equiparada ao crime de descaminho. Por isso, deve ser julgada na Justiça Federal. A decisão é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de conflito negativo de competência entre a 35ª Vara Federal de Minas Gerais e a 3ª Vara Criminal de Betim (MG).

O caso se refere à venda de cigarros de origem estrangeira de marca permitida pela Anvisa, porém sem a nota fiscal e sem a comprovação de pagamento do Imposto de Importação. Para a Justiça estadual, trata-se de crime de descaminho, sendo a competência da Justiça Federal. Já para o juízo federal, o fato de o bem apreendido ser de origem estrangeira não justificaria a fixação de competência federal, sendo necessários indícios da transnacionalidade do delito.

Em seu voto, o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, disse que para configurar o descaminho, segundo o Código Penal, é necessário identificar indícios de que o agente, de alguma forma, dolosamente, participou da introdução do bem no país sem o recolhimento dos tributos devidos. No entanto, lembrou que a lei também equipara ao crime a conduta de quem adquire ou recebe para comércio mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, como no caso.

“A despeito de não haver, nos autos, indícios de que o investigado tenha participado da importação da mercadoria e do não recolhimento deliberado dos tributos de importação, o fato de ter sido flagrado, em seu estabelecimento comercial (ainda que informal), vendendo cigarros de origem estrangeira sem nota fiscal pode, em tese, ser equiparado pela lei ao descaminho”, disse o ministro.

Interesse da União

De acordo com o relator, como o descaminho tutela prioritariamente interesses da União, a competência é da Justiça Federal. O processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do juízo do lugar da apreensão dos bens, explicou o relator.

O recurso ficou assim ementado:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. INQUÉRITO POLICIAL. DESCAMINHO. VENDA DE CIGARROS ESTRANGEIROS CUJA IMPORTAÇÃO É PERMITIDA PELA ANVISA, MAS QUE NÃO TÊM NOTA FISCAL. CONDUTA ANTERIOR À LEI 13.008⁄2014. ART. 334, § 1º, ALÍNEA “D”, DO CP. DESNECESSIDADE DE PARTICIPAÇÃO DO INVESTIGADO NO PROCESSO DE INTRODUÇÃO IRREGULAR DA MERCADORIA NO PAÍS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Situação em que o investigado foi flagrado expondo à venda, em sua barraca de comércio informal, cigarros de importação permitida pela ANVISA, sem nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação.

2. “Embora arrolado no CP entre os crimes contra a administração pública, (o descaminho) atenta contra a ordem tributária, na medida em que se configura pela ilusão do direito ou imposto devido por entrada, saída ou consumo de mercadoria, configurando uma infração penal tributária aduaneira. Em verdade, então, o descaminho é o mais antigo dos crimes contra a ordem tributária” (Baltazar Júnior, José Paulo. Crimes Federais. 10ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 355).

3. “O descaminho, além de causar prejuízos ao erário, afeta de forma substancial as ordens econômica e financeira do País em seus princípios basilares, tais como o da livre concorrência. Por certo que o agente que introduz no mercado bens descaminhados terá larga e ilícita vantagem concorrencial sobre os comerciantes que cumprem integralmente com suas obrigações legais” (Paulsen, Leandro.  Crimes Federais. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 352).

4. Para que se configure a modalidade de descaminho descrita no caput do art. 334 do Código Penal (iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria) é necessário identificar indícios de que o agente de alguma forma, dolosamente, aderiu e⁄ou participou do processo de introdução do bem no país sem o recolhimento dos tributos devidos.

5. Entretanto, a lei também equipara ao descaminho a conduta descrita no § 1º, IV, do Código Penal, que atribui a mesma pena a quem “adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos” (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965). De se ressaltar que a mesma figura foi mantida nos mesmos termos após a alteração trazida pela Lei 13.008⁄2014.

No caso concreto, a despeito de não haver, nos autos, indícios de que o investigado tenha participado da importação da mercadoria e do não recolhimento deliberado dos tributos de importação, o fato de ter sido flagrado, em seu estabelecimento comercial (ainda que informal), vendendo cigarros de origem estrangeira sem nota fiscal pode, em tese, ser equiparado pela lei ao descaminho.

6. Como o descaminho tutela prioritariamente interesses da União, é de se reconhecer a competência da Justiça Federal para conduzir o inquérito policial e, eventualmente, caso seja oferecida denúncia, julgar a ação penal, aplicando-se à hipótese dos autos o disposto no enunciado n. 151 da Súmula desta Corte.

7. Conflito conhecido, a fim de declarar competente para conduzir o presente Inquérito Policial o Juízo suscitante, da Justiça Federal.

Assim, a Terceira Seção, por unanimidade, declarou o juízo federal da 35ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais competente para o caso.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 159680

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