A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a restituição, para o devedor fiduciário, de equipamento de monitoração que havia sido acoplado a caminhão apreendido por falta de pagamento do contrato de financiamento. Segundo o colegiado, o equipamento é considerado uma pertença e, portanto, pode ser retirado do caminhão sem causar prejuízos ao bem.
Consta do processo que o devedor fiduciário deixou de pagar pelo caminhão, que tem o valor total de R$ 120 mil, a partir da 24ª parcela, incorrendo em mora devidamente comprovada. O banco, então, ingressou com ação de busca e apreensão do veículo dado como garantia em alienação fiduciária.
Em embargos de declaração, o devedor obteve autorização judicial para retirar do caminhão o equipamento de rastreamento que ele havia instalado no veículo.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concordou com o argumento do banco de que o equipamento de rastreamento não poderia ser retirado porque o bem acessório segue o principal, conforme estabelece o artigo 233 do Código Civil. Diante dessa decisão, o devedor recorreu ao STJ.
Bem autônomo
Segundo o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, “a premissa adotada pelo tribunal de origem, segundo a qual todo bem acessório segue o destino do principal, não se afigura verdadeira, cabendo inferir no passo seguinte se o equipamento de monitoramento acoplado ao caminhão (objeto de alienação fiduciária) deve ou não ser concebido como pertença”.
Além disso, o ministro ressaltou que o contrato de financiamento do caminhão não fez referência ao equipamento, o que permite considerar que o devedor fiduciário foi o responsável pela sua colocação no veículo.
Em seu voto, o relator também explicou que o equipamento de rastreamento, nesse caso, deve ser qualificado como pertença, por ser um bem autonomamente considerado, que não compõe o principal, “apenas acrescendo-o, com a específica finalidade de lhe servir, aformosear ou conferir maior ou melhor uso”, de acordo com o Código Civil.
Marco Aurélio Bellizze ressaltou ainda que, “como bem pontua Gustavo Haical, há uma relação de pertinencialidade entre a pertença e o bem principal, em que aquela atende à finalidade econômica-social deste, de modo duradouro. Ressalta, entretanto, que essa destinação fática – de servir o bem principal – não retira da pertença a sua individualidade e autonomia, tampouco exaure os direitos sobre ela incidentes, tal como a propriedade ou outros direitos reais”.
Com esse esclarecimento, a Terceira Turma determinou a restituição do equipamento de monitoração ao devedor fiduciário. “Efetivamente, o inadimplemento do contrato de empréstimo para aquisição de caminhão dado em garantia, a despeito de importar na consolidação da propriedade do mencionado veículo nas mãos do credor fiduciante, não conduz ao perdimento da pertença em favor deste”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE CAMINHÃO, DADO EM GARANTIA FIDUCIÁRIA EM CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. PROCEDÊNCIA, DECORRENTE DO INADIMPLEMENTO. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO EQUIPAMENTO DE MONITORAMENTO ACOPLADO AO CAMINHÃO. PERTENÇA. RESTITUIÇÃO AO DEVEDOR FIDUCIÁRIO. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. Ainda que se aplique aos bens acessórios a máxima de direito, segundo a qual “o acessório segue o principal”, o Código Civil conferiu tratamento distinto e específico às pertenças, as quais, embora tidas como bens acessórios, pois, destinadas, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de um bem principal, sem dele fazer parte integrante, não seguem a sorte deste, salvo se houver expressa manifestação de vontade nesse sentido, se a lei assim dispuser ou se, a partir das circunstâncias do caso, tal solução for a indicada.2. O equipamento de monitoramento acoplado ao caminhão consubstancia uma pertença, a qual atende, de modo duradouro, à finalidade econômico-social do referido veículo, destinando-se a promover a sua localização e, assim, reduzir os riscos de perecimento produzidos por eventuais furtos e roubos, a que, comumente, estão sujeitos os veículos utilizados para o transporte de mercadorias, caso dos autos. Trata-se, indiscutivelmente, de “coisa ajudante” que atende ao uso do bem principal. Enquanto concebido como pertença, a destinação fática do equipamento de monitoramento em servir o caminhão não lhe suprime a individualidade e autonomia — o que permite, facilmente, a sua retirada —, tampouco exaure os direitos sobre ela incidentes, como o direito de propriedade, outros direitos reais ou o de posse.2.1 O inadimplemento do contrato de empréstimo para aquisição de caminhão dado em garantia, a despeito de importar na consolidação da propriedade do mencionado veículo nas mãos do credor fiduciante, não conduz ao perdimento da pertença em favor deste. O equipamento de monitoramento, independentemente do destino do caminhão, permanece com a propriedade de seu titular, o devedor fiduciário, ou em sua posse, a depender do título que ostente, salvo se houver expressa manifestação de vontade nesse sentido, se a lei assim dispuser ou se, a partir das circunstâncias do caso, tal solução for a indicada, exceções de que, no caso dos autos, não se cogita.2.3 O contrato de financiamento de veículo, garantido por alienação fiduciária, ao descrever o veículo, objeto da avença, não faz nenhuma referência à existência do aludido equipamento e, por consectário, não poderia tecer consideração alguma quanto ao seu destino. Por sua vez, o auto de busca e apreensão, ao descrever o veículo, aponta a existência do equipamento de monitoramento, o que, considerada a circunstância anterior, é suficiente para se chegar a compreensão de que foi o devedor fiduciário o responsável por sua colocação no caminhão por ele financiado.3. Recurso especial provido.
Leia o acórdão.