A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), entendeu que o conceito legal de preço vil previsto no artigo 891, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC) se aplica à hipótese de alienação de imóvel por iniciativa particular.
Apesar disso, diante das peculiaridades do caso em julgamento, o colegiado reconheceu a possibilidade de se admitir a arrematação em valor menor que 50% da avaliação atualizada do bem, sem caracterizar preço vil.
Na origem do caso, após diversas tentativas frustradas de alienação judicial de um imóvel na fase de cumprimento de sentença de uma ação de cobrança, foi apresentada nos autos uma proposta de aquisição do bem por iniciativa particular, aceita pelo juízo de primeiro grau.
Tribunal de segundo grau anulou a aquisição
O TJSP anulou a venda direta, por considerar que houve negociação por preço vil, tendo em vista a suposta valorização do imóvel entre a data da avaliação e a alienação por iniciativa particular.
No recurso ao STJ, a adquirente sustentou que sua proposta, correspondente a mais de 50% do valor originário do imóvel, foi feita após quatro anos de tentativas frustradas de alienação em leilão judicial e após dez anos de abandono e depreciação do bem.
STJ flexibiliza o conceito de preço vil em hipóteses específicas
A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a regra da vedação ao preço vil é aplicada em todas as formas de transmissão coativa dos bens penhorados, o que inclui as subespécies de alienação, ou seja, iniciativa particular e leilão judicial.
Por outro lado, a ministra destacou que o conceito de preço vil não é absoluto e que o STJ admite flexibilizá-lo em hipóteses específicas, aceitando a arrematação do bem por valor inferior à metade da avaliação.
Segundo a relatora, a iniciativa particular, disposta no artigo 880, parágrafo primeiro, do CPC, além de possuir caráter negocial e público, apresenta vantagens em relação ao leilão, tendo o órgão judicial a função de atuar apenas como fiscal das negociações.
A ministra reforçou que essa interpretação é a que melhor atende ao princípio da razoável duração do processo, bem como ao princípio da proteção da confiança legítima.
“Na ausência de prefixação, aplica-se a regra geral do CPC, motivo pelo qual não há razão para afastar a aplicação do artigo 891, parágrafo único, na alienação por iniciativa particular”, completou.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMÓVEL PENHORADO. ALIENAÇÃO POR INICIATIVA PARTICULAR. APLICAÇÃO DO CONCEITO DE PREÇO VIL À ALIENAÇÃO DIRETA. EXEGESE DO ART. 891, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE A FLEXIBILIZAR O CONCEITO LEGAL. PECULIARIDADES DA HIPÓTESE DOS AUTOS. VENDA POR PREÇO VIL NÃO CARACTERIZADA. INÚMERAS TENTATIVAS FRUSTRADAS DE ALIENAÇÃO POR HASTA PÚBLICA. IMISSÃO NA POSSE DO IMÓVEL HÁ MAIS DE 4 ANOS. BENFEITORIAS REALIZADAS. MANUTENÇÃO DA ALIENAÇÃO POR INICIATIVA PARTICULAR. REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA.
1. Ação de cobrança, ajuizada em 30/5/1996, em fase de cumprimento de sentença desde 23/8/1999, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 14/5/2021 e concluso ao gabinete em 16/11/2022.
2. O propósito recursal consiste em decidir se (I) o conceito legal de preço vil, previsto no art. 891, parágrafo único, do CPC/15, aplica-se à hipótese de alienação de imóvel por iniciativa particular; e se (II) é possível, diante das peculiaridades da situação em concreto, admitir a arrematação em valor menor ao equivalente aos 50% (cinquenta por cento) da avaliação atualizada do bem, sem caracterizar preço vil.
3. O art. 891 do CPC/15 dispôs que “considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação”.
4. Trata-se de regra aplicável às diversas modalidades de transmissão coativa dos bens penhorados, seja na adjudicação, seja na alienação (art. 825 do CPC/15). Logo, também incide na alienação por iniciativa particular e por leilão judicial eletrônico ou presencial (art. 879 do CPC/15).
5. A jurisprudência desta Corte flexibiliza o conceito legal de preço vil em hipóteses específicas e reconhece a possibilidade de, diante das peculiaridades da situação em concreto, admitir a arrematação em valor menor ao equivalente a cinquenta por cento da avaliação do bem, sem caracterizar preço vil. Precedentes.
6. Hipótese em que o imóvel foi alienado por 53,86% do valor originário da avaliação e por 41,45% do valor atualizado desde a última tentativa de alienação por hasta pública. Ainda, importa considerar que foram realizadas diversas tentativas frustradas de alienação judicial (12 ao total), e que, no particular, a recorrente foi imitida na posse do imóvel em novembro de 2018 e já realizou, inclusive, diversas benfeitorias no local.
7. Acórdão recorrido que anulou a alienação direta e determinou a realização de nova perícia de avaliação. Necessidade de reforma do decisum.
8. Na espécie, não há de ser considerado vil o preço na arrematação por iniciativa particular, mesmo que inferior a 50% do valor atualizado da avaliação do imóvel. Trata-se de interpretação que melhor atende ao princípio da razoável duração do processo, bem como ao princípio da proteção da confiança legítima.
9. Recurso especial conhecido e provido para reformar o acórdão recorrido e reconhecer a validade da alienação por iniciativa particular realizada.
Leia o acórdão no REsp 2.039.253.