A Universidade Federal da Bahia (UFBA) recorreu da sentença que concedeu a segurança para que a instituição de ensino se abstenha de suprimir da remuneração de uma servidora aposentada da instituição a Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada (VPNI), paga a título de horas extras incorporadas, referente ao período em que se submetia ao regime celetista e lhe foi concedida por decisão transitada em julgada em reclamação trabalhista.
Para a relatora, a pretensão da autora não merece guarida, de forma que a ré está plenamente autorizada a rever os valores pagos a seus servidores quando o ato de concessão ainda está pendente de apreciação pelo TCU, devendo a Administração corrigir quando identificar pagamento em desacordo ao ordenamento jurídico, não sendo ilegal ou irregular ato de retificação de cálculo de valores devidos.
Conforme jurisprudência do STF, os servidores públicos não possuem direito adquirido a regime jurídico, visto que a Lei 8.112/1990 extinguiu o contrato de trabalho de servidores, e os direitos remuneratórios decorrentes, e efetivou a transposição do regime celetista para estatutário, inaugurando sistemática remuneratória diversa, cujos direitos e vantagens anteriores não eram compatíveis.
“As vantagens trabalhistas concedidas pela Administração ou outorgadas judicialmente, quando os servidores estavam submetidos à CLT, não poderiam ser transplantadas para o regime jurídico único, por serem fundamentalmente incompatíveis com este, não se admitindo a cumulação de vantagens remuneratórias decorrentes de dois estatutos jurídicos substancialmente conflitantes”, afirmou a magistrada.
Segundo a relatora, a continuidade do pagamento de valores de natureza trabalhista apenas seria admissível no novo regime se tal providência fosse necessária para assegurar, imediatamente após a transposição, a irredutibilidade da remuneração dos servidores transpostos (garantida pelo art. 37, XV, CF), devendo, para tanto, ser transformada em vantagem pessoal nominalmente identificada (VPNI), a ser paga no exato valor da diferença nominal das remunerações percebidas antes e depois da transposição, e estando sujeita, ainda, a ser absorvida progressivamente com as reestruturações ou reorganizações na carreira que importem em aumentos de remuneração.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU REJEITADA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. VANTAGEM CELETISTA (HORAS EXTRAS) INCORPORADA EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. TRANSPOSIÇÃO ULTERIOR PARA O REGIME ESTATUTÁRIO. ALTERAÇÃO NA FORMA DE PAGAMENTO. SUPRESSÃO. LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO OU À COISA JULGADA. SENTENÇA REFORMADA.
1. A controvérsia central reside na legalidade da supressão de verba celetista (horas extras) em proventos de servidor público aposentado que foi incorporada aos seus rendimentos quando se submetia ao regime celetista por força de sentença judicial em Reclamatória Trabalhista (fls. 49/57 do ID nº 55570045). A impetrante questiona a possibilidade de alteração no valor de verba que constituiria direito adquirido, decorrente de coisa julgada anterior à Lei 8.112/90, em razão de determinação do Tribunal de Contas da União (TCU).
2. Preliminar de incompetência do juízo de primeiro grau rejeitada. Ainda que embasado em determinação do TCU, o ato de revisão e alteração das verbas integrantes dos proventos da impetrante emanou diretamente da Pró-Reitora do órgão de gestão de pessoal da Universidade Federal da Bahia (UFBA), responsável pelo controle da folha de pagamento do quadro de pessoal da entidade, sendo irreparável, portanto, sua indicação como autoridade impetrada. Não sendo o TCU o legitimado passivo do presente writ, não há que se falar em violação da competência constitucional do STF insculpida no art. 102, I, “d”, da CRFB/88
3. Preliminar de ilegitimidade passiva da UFBA rejeitada, eis que a instituição, enquanto autarquia integrante da administração indireta, possui personalidade jurídica própria e autonomia financeira e administrativa, sendo responsável pelo controle da folha de pagamento de seu próprio quadro de pessoal. Inequívoca, pois, sua legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que verse sobre supressão ou manutenção de verbas remuneratórias pagas indevidamente aos seus servidores.
4. A concessão de aposentadoria é ato complexo, que somente se aperfeiçoa com a última decisão definitiva do TCU, não bastando a mera manifestação da entidade a qual o servidor está vinculado, de forma que o prazo decadencial de cinco anos previsto no art. 54 da Lei 9.874/99 somente começa a correr a partir desse momento. Assim, o critério de cálculo de proventos só pode ser definido após do referido exame pelo TCU, não se podendo falar, antes disso, em direito adquirido a determinada vantagem.
5. O STF e o STJ entendem que não há direito adquirido a regime jurídico, de forma que não é possível a transposição para o regime estatutário, inaugurado com a edição da Lei 8.112/90, das vantagens concedidas pelas autarquias e fundações públicas federais aos seus servidores que eram regidos anteriormente pela CLT. O ingresso de servidores no Regime Jurídico Único extingue a relação de emprego então existente e cria novo vínculo jurídico, com os quais tais vantagens não se harmonizam, mesmo nas hipóteses em que tenham sido concedidas por sentença judicial, eis que os limites da decisão exaurem-se no momento em que se deu a transposição de regimes.
6. A continuidade do pagamento de valores de natureza trabalhista apenas seria admissível no novo regime se tal providência fosse necessária para assegurar, imediatamente após a transposição, a irredutibilidade da remuneração dos servidores transpostos (garantida pelo art. 37, XV, CF), devendo, para tanto, ser transformada em vantagem pessoal nominalmente identificada (VPNI), a ser paga no exato valor da diferença nominal das remunerações percebidas antes e depois da transposição, e estando sujeita, ainda, a ser absorvida progressivamente com as reestruturações ou reorganizações na carreira que importem em aumentos de remuneração.
7. Custas remanescentes pela impetrante. Incabível condenação em honorários sucumbenciais na espécie (Súmulas 105 do STJ e 512 do STF).
8. Apelação da UFBA e remessa necessária providas.
Processo: 0021017-72.2010.4.01.3300