Para a 6ª Turma, a empresa não se empenhou na busca de pessoas nessa condição
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) e condenou a Usina Uberaba S.A. ao pagamento de indenização de R$ 250 mil por descumprir a cota legal de pessoas com deficiência. Por unanimidade, o colegiado entendeu que a empresa se omitiu durante cinco anos, de forma deliberada, para não contratar o número exigido de pessoas nessa condição.
Sugestões
Conforme auto de infração lavrado em março de 2013, a usina tinha mais de 600 funcionários, mas apenas um fora contratado em atendimento ao artigo 93 da Lei 8.213/1990. Segundo o dispositivo, empresas com número de empregados entre 500 e 1.000 devem destinar 4% das vagas a pessoas reabilitadas ou com deficiência.
Na ação, o MPT sustentou que, ao longo de cinco anos, foram dadas várias oportunidades para que a lei fosse cumprida, inclusive com sugestões, mas a empresa sempre alegava dificuldade na contratação em razão do tipo de suas atividades e da sua localização.
Campo
Segundo a Uberaba, o trabalho no campo não permitia implementar condições de acessibilidade ou adaptação do ambiente para pessoas com deficiência. Para reforçar o argumento, disse que juntou laudos técnicos que demonstravam que, em benefício da sua saúde e da sua segurança, esses trabalhadores não poderiam exercer as atividades inerentes aos trabalhadores rurais.
Empenho
O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Uberaba e o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) indeferiram a indenização por dano moral coletivo. Segundo o TRT, a Uberaba havia se empenhado em cumprir a lei, publicando anúncios nos jornais locais e informando a existência de vagas nas entidades que cuidam dos interesses de pessoas com deficiência, como Apae, clínicas e fundações. A decisão também justificou a dificuldade com o tipo de atividade econômica explorada pela empresa (indústria e comércio do açúcar e álcool e derivados).
Desinteresse
O relator do recurso de revista do MPT, desembargador convocado José Pedro de Camargo, observou que a usina sofreu três autos de infração por descumprimento da cota, entre 2013 e 2015. Destacou que a empresa mantém mais de 70 atividades na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e que, apesar de ter sido proposto Termo de Ajustamento de Conta (TAC) pelo MPT para o cumprimento paulatino da cota até 2023, não houve interesse. A seu ver, houve omissão deliberada.
Ações concretas
Segundo Souza, a empresa deve fazer busca proativa para satisfazer a exigência legal, por meio de programas de capacitação, ampliação e diversificação do oferecimento de vagas em diferentes setores e da promoção de ambiente inclusivo e acessível. Do contrário, diante da insuficiência de ações concretas, fica configurado dano moral coletivo.
Desproporção
Na avaliação do ministro Augusto César, não se trata de dificuldade de alcançar a cota. Ele observou que, cinco anos depois do ajuizamento da ação, em 2018, a empresa, de 65 empregados que comporiam a cota, tinha apenas dois. “É uma desproporção muito grande, gigantesca, pra que se imagine que há algum empenho no sentido de cumprir a cota”, afirmou.
Esvaziamento
Também para a ministra Kátia Arruda, presidente da 3ª Turma, formalidades são ineficazes para cumprimento de cotas. “A empresa mandou ofícios e ficou passivamente esperando interessados, que já têm dificuldades auditivas, de visão, de locomoção e que, provavelmente, não vão ler jornais”, assinalou. Segundo ela, a empresa precisa ter uma postura ativa para preencher as vagas, e o entendimento contrário a isso esvazia a lei.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. APELO SUBMETIDO À REGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.
1. DANO MORAL COLETIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AÇÃO AFIRMATIVA. ART. 93 DA LEI 8.213/1991. DESCUMPRIMENTO DE COTA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA.
Tendo em vista o relevante interesse social de que se revestem a inclusão, a igualdade e a não discriminação das pessoas com deficiência, sobretudo no campo do direito do trabalho, impõe-se o reconhecimento da transcendência jurídica e social da matéria concernente à eventual condenação do empregador, por dano moral coletivo, em razão do descumprimento da cota a que alude o art. 93 da Lei 8.213/1991. A questão enseja análise da conjectura social, levando-se em consideração a evolução histórica dos direitos dessa parcela vulnerável da coletividade, bem como a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, ratificada pelo Brasil com status de emenda constitucional; o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/20015) e o cumprimento da Agenda 2030 da ONU. Necessária, ainda, a realização de duplo filtro, o de constitucionalidade e o de convencionalidade, sendo que o cumprimento da cota social é, originalmente, de responsabilidade do empregador, mas, também, do Poder Público (arts. 1º e 2º da Lei 7.853/1989). Desse modo, entende-se que a empresa deve fazer busca proativa para a satisfação da exigência legal, por meio da instituição de programas de capacitação, ampliação e diversificação do oferecimento de vagas em diferentes setores, promoção de ambiente inclusivo e acessível, entre inúmeras outras possibilidades. Na hipótese, constatada a inobservância dessas providências pelo empregador, há de se reconhecer a insuficiência de ações concretas destinadas ao cumprimento da obrigação estabelecida em lei, configurando-se, portanto, dano moral coletivo, in re ipsa , decorrente do injustificado desrespeito à dignidade coletiva, a ensejar reparação, nos termos do artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. Admite-se, ainda, o acolhimento da proposta de destinação dos valores oriundos da indenização por danos morais coletivos para o atendimento de projetos, órgãos públicos ou entidades beneficentes, que tenham como finalidade a proteção das pessoas com deficiência, definíveis em execução, na forma de pedido expresso do autor. Precedentes.
Recurso de revista conhecido e provido.
2. TUTELA INIBITÓRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DA COTA SOCIAL. POSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA.
Reveste-se de transcendência jurídica a controvérsia acerca da possibilidade de adoção de medidas coercitivas, destinadas ao cumprimento, pelo empregador, da cota social, incluindo-se a tutela inibitória, preventiva de direitos, aplicável para impedir a prática, a repetição ou a continuação de ilícitos. No caso, é incontroverso que a empresa descumpre a cota social desde 2013, possuindo em seus quadros apenas 02 (dois) empregados com deficiência ou reabilitados, quando deveria contar com, aproximadamente, 65 (sessenta e cinco) deles nessas condições. A jurisprudência desta Corte tem se inclinado a admitir a concessão de tutela inibitória, ainda que haja alegação da defesa quanto à adoção de ações concretas, pois indubitável que as tomadas mostraram-se insuficientes para o atendimento da obrigação legal. Precedentes da SBDI-1 . Deferida, portanto, a medida para assegurar efetividade do cumprimento da obrigação e cessar a continuação do ilícito, na forma do artigo 497, parágrafo único, do CPC.
Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
O valor da condenação será revertido a projetos, órgãos públicos ou entidades beneficentes de proteção das pessoas com deficiência.
Processo: RR-11008-09.2018.5.03.0042
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