União não pode reembolsar despesas médicas por cirurgia em hospital particular sem demonstração de recusa do SUS para o procedimento

Após sofrer acidente doméstico e fraturar o fêmur da perna esquerda, uma mulher pleiteou em ação judicial a condenação da União, do estado do Pará e do município de Itaituba para que fosse indenizada por dano moral, material e estético. De acordo com a autora, o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) requerido por ocasião do atendimento de emergência no Hospital Municipal de Itaituba não teria sido autorizado.

Segundo o processo, em razão dessa demora, a requerente, hipertensa e sentindo muitas dores, teria sido obrigada a realizar empréstimo bancário para o tratamento na rede particular de saúde, pleiteando então o ressarcimento.

Na decisão de primeiro grau, a magistrada concluiu pelo descabimento do pedido de devolução dos valores gastos, já que não teria havido recusa dos entes públicos de promover o tratamento, e argumentou que o acolhimento do pedido de indenização desvirtuaria a assistência estatal relacionada à saúde.

“É desvirtuar a assistência estatal às necessidades com a saúde e, por via oblíqua, constituir um prêmio, obrigando o Estado e, em verdade, os contribuintes a garantirem o interesse do administrado”, concluiu a juíza federal.

 

Sentença mantida – Inconformada com a sentença, a autora recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) afirmando que não recebeu o tratamento adequado no hospital do município, resultando em colocação errada da tala e de ataduras, causando trombose na perna, ferida no calcanhar e cicatrizes permanentes.

Porém, “a sentença merece ser mantida em sua integralidade”, afirmou o relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro. Segundo o magistrado, ainda que seja compreensível a aflição da autora e familiares com a situação, não houve comprovação da falta de prestação do serviço médico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a legitimar o pedido de indenização ora exigido.

“Em diversas ocasiões este Tribunal já autorizou a realização de Tratamento Fora do Domicílio desde que comprovada a urgência do procedimento a ser realizado e a recalcitrância do ente público em prover o necessário atendimento clínico”, prosseguiu Paes Ribeiro. No entanto, a apelante não pleiteou a realização do TFD, mas o ressarcimento das despesas em hospital particular.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. UNIÃO, ESTADO DO PARÁ E MUNICÍPIO DE ITAITUBA. DANO MORAL, MATERIAL E ESTÉTICO. HOSPITAL MUNICIPAL DE ITAITUBA. PACIENTE QUE FRATUROU A PERNA ESQUERDA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EMERGENCIAL. NECESSIDADE DE CIRURGIA. TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO. ALEGADA DEMORA NA LIBERAÇÃO DO ALUDIDO TRATAMENTO POR PARTE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. REALIZAÇÃO DA CIRURGIA EM HOSPITAL PARTICULAR. PRETENSÃO DE OBTER O RESSARCIMENTO DOS GASTOS REALIZADOS. IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA.

1. A apelante sofreu acidente doméstico que resultou em fratura não exposta do fêmur esquerdo, conforme registrado por médicos integrantes do Hospital Municipal de Itaituba em 14/03/2014. Posteriormente, constatou-se a necessidade de realização de procedimento cirúrgico, circunstância que exigiu fosse emitida autorização para Tratamento Fora do Domicílio, conforme laudo trazido aos autos.

2. Em razão de alegada demora na autorização para realização da cirurgia fora do domicílio da paciente, e em decorrência das dores que a autora sentia na perna fraturada, assim como pelo fato de ser diabética e hipertensa, os familiares realizaram empréstimo bancário com a finalidade de promover o tratamento clínico em hospital da rede particular de saúde, pleiteando, nesta ação, o ressarcimento dos valores despendidos.

3. Conforme assinalado na sentença, pleitear a devolução de valores gastos com tratamento de saúde em locais de iniciativa privada, sem que tenha havido, ao tempo da necessidade, recusa estatal em promover as diligências necessárias para o tratamento, é desvirtuar a assistência estatal às necessidades com a saúde e, por via oblíqua, constituir um prêmio, obrigando o Estado e, em verdade, os contribuintes a garantir o interesse do administrado que usou de suas forças econômicas para se socorrer de um problema relacionado ao seu estado de saúde.

4. É certo que este Tribunal já autorizou a realização de Tratamento Fora do Domicílio, desde que comprovada a urgência do procedimento a ser realizado e a recalcitrância do ente público em prover o necessário atendimento clínico (AC n. 1001930-96.2018.4.01.3700, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, PJe 22/02/2022 e REO n. 011475-68.2019.4.01.3600, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, PJe 15/02/2022).

5. No caso, contudo, a autora não pleiteia a realização de tratamento médico em domicílio diverso, mas sim o reembolso das despesas médicas realizadas em hospital particular.

6. É compreensível a aflição da própria postulante e de seus familiares diante da situação pela qual passou a partir do momento em que sofreu a fratura de sua perna esquerda, especialmente quando já apresentava quadro de hipertensão e diabete, como registrado nos autos.

7. No entanto, a opção por realizar o tratamento em hospital particular, sem qualquer demonstração da falta de prestação do serviço médico pelo Sistema Único de Saúde não legitima o pedido reparatório ora deduzido.

9. Apelação não provida.

10. A condenação ao pagamento de honorários advocatícios constitui matéria de ordem pública e, no ponto, a sentença foi silente. Dessa forma, condena-se a autora ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devido a cada um dos réus, tal como disposto no art. 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC).

11. Arcará, também, com o pagamento de honorários advocatícios recursais em relação à União, no montante de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em conformidade com o estabelecido pelo art. 85, § 11, do CPC, com observância do § 3º do art. 98 do CPC, por ser beneficiária da gratuidade da justiça.

O Colegiado manteve a sentença, por unanimidade, nos termos do voto do relator.

Processo: 0001644-98.2015.4.01.3908

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