A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) julgou que quem exerce função pública, autárquica ou em órgão paraestatal não pode ser beneficiário de distribuição de terra destinada à reforma agrária. Assim, aceitou parcialmente o recurso de um beneficiário do programa de reforma agrária contra a sentença que assegurou à autora, casada com um servidor público, a posse de um lote em um assentamento em Mato Grosso.
O juiz de 1ª instância, ao julgar o caso, entendeu que não havia qualquer impedimento para que a autora pudesse ser beneficiária da reforma agrária, visto que, segundo testemunhas, ela e seus filhos são responsáveis pela produção obtida no imóvel, este “que vem cumprindo a sua função social, concluindo, ainda, que o simples fato de o companheiro da autora ser funcionário público federal não retira da autora o perfil de beneficiária da reforma agrária, pois nunca residiu no assentamento nem mesmo ajudou na implementação das benfeitorias nele realizada”.
Porém, o beneficiário do mesmo programa recorreu alegando que a autora jamais atendeu aos requisitos legais para ser cliente de Programa de Reforma Agrária, já que mantém união estável com funcionário público lotado na Universidade Federal Júlio Müller em Cuiabá/MT e que não ficou comprovado que ele teria abandonado o Lote n. 17 do PA Santa Helena.
Requisitos legais não atendidos – Ao examinar a apelação, o relator do processo no TRF1, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, afirmou que, de acordo com o art. 25, § 3º, da Lei n. 4.504/1964 (Estatuto da Terra), quem exerce função pública, autárquica ou em órgão paraestatal não pode ser beneficiário de distribuição de terra destinada à reforma agrária. Por sua vez, o art. 64 do Decreto n. 59.428/1966 estabelece os requisitos necessários para que a pessoa possa ser contemplada com parcela de terra destinada à reforma agrária, este também impede a funcionários públicos e autárquicos, civis e militares da administração federal, estadual ou municipal de serem contemplados por essas terras.
Assim, a comprovação da união estável da autora com o funcionário público faz com que ambos deixem de atender aos requisitos legais para terem a posse da terra, visto que se “se aplicam à união estável os mesmos direitos e deveres que incidem sobre o regime de casamento”, explicou o relator.
Já em relação ao recorrente, que é beneficiário do lote, ele fez tratativas de permuta por outro lote em um assentamento diferente, o que, segundo o magistrado, caracterizou a perda da posse.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM POSSESSÓRIA. IMÓVEL INTEGRANTE DE PROJETO DE ASSENTAMENTO RURAL. BENEFICIÁRIA QUE MANTÉM UNIÃO ESTÁVEL COM SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO. PARCELEIRO ANTERIOR. ABANDONO DO LOTE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. REMESSA OFICIAL PROVIDA. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. 1. Caso em que busca a autora a sua manutenção na posse do Lote n. 17 do Projeto de Assentamento Santa Helena, Município de Rosário do Oeste (MT), com a declaração de abandono ou a perda do direito de ocupação dessa área por Manoel Santana Lemes de Souza. 2. De acordo com os artigos 25, § 3º, da Lei n. 4.504/1964, e 64 do Decreto n. 59.428/1985, não poderão ser beneficiários em programa de reforma agrária, os funcionários públicos e autárquicos, civis e militares da administração federal, estadual ou municipal. 3. Hipótese em que, comprovada nos autos a união estável da autora com Francisco Narciso dos Santos, que é funcionário público federal, lotado no Hospital Universitário Júlio Muller, desde outubro de 1984, e que, por sua vez, foi qualificado como beneficiário do Projeto de Assentamento em destaque nos autos, forçoso concluir que ambos deixaram de atender aos requisitos legais, por se enquadrarem na restrição prevista nos artigos 25, § 3º, da Lei n. 4.504/1964 e 64, inciso I, alínea c, do Decreto n. 59.428/1985. 4. o art. 189 da Constituição Federal dispõe que: Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos. 5. No caso, segundo informações de fls. 300-301 e 320-321 que constaram do Processo Administrativo n. 54240.003147/00-02, emitida por funcionário do Incra, o beneficiário da parcela n. 17 do PA Santa Helena, Manoel Santana Lemes de Souza efetivou tratativas para a permuta do referido Lote pelo de n. 280 do PA Forquilha do Rio Manso, ocupado pelo parceleiro Arlindo de Souza Marques, com a justificativa de que era para ficar próximo de seus familiares que residem no PA Coqueiral/Quebó, Município de Nobres/MT ou de que, tal fato ocorreu, em razão de desavença com vizinho por motivo de divisa, assertiva essa que foi corroborada pelo Despacho Incra/SR-13/n. 107/2004 (fls. 343-347), segundo o qual, o Senhor Manoel Santana Lemes de Souza abandonou o Lote n. 17 do PA Santa Helena, declarando, ainda, o referido parceleiro, que interesse em integrar outro Projeto de Assentamento, fatos esses que caracterizam a perda de sua posse, diante de seu desinteresse em sua exploração. 6. Sentença reformada, para julgar improcedentes os pedidos de manutenção de posse e de declaração do direito à ocupação da parcela de terra destinada à reforma agrária. 7. Apelação de Manoel Santana Lemes de Souza, provida, em parte. 8. Remessa oficial provida. 9. Agravo retido da autora não conhecido (art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973).
Considerando os fatos, o Colegiado, nos termos do voto do relator, deu parcial provimento à apelação do recorrente, determinando que o lote fosse devolvido ao Incra para sua correta destinação, atendendo à função social da propriedade.
Processo: 0010980-66.2004.4.01.3600