A Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento à apelação da União e deu parcial provimento ao recurso do estado da Bahia contra a sentença, da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, que julgou procedente o pedido da parte autora e determinou o fornecimento do medicamento Temozolamida à requerente na forma da prescrição médica.
Em seu recurso, o estado da Bahia sustentou a existência de políticas públicas eficientes para o caso, justificando não haver disponibilidade financeira para liberar o medicamento solicitado, sem programação prévia específica. O ente federado justificou, ainda, ser a hipótese de violação do princípio da separação de poderes e do princípio da igualdade, privilegiando um cidadão em detrimento da coletividade e alegou ser indevida sua condenação, pois não praticou qualquer ato ilícito, bem como ser excessivo o valor fixado.
Por sua vez, a União afirma que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da relação processual e que a hipótese viola o princípio da igualdade, não merecendo, assim, a aplicação de multa na questão.
O relator, desembargador federal Jirair Aram Meguerian, ao analisar o caso, destacou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou em julgamento de recurso na sistemática de recursos repetitivos no sentido de que é “possível a cominação de multa em desfavor de ente público a fim de compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros”. Segundo o magistrado, a sentença não merece reparos e afastou a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela União.
O STF, no julgamento do RE 855178, com repercussão geral reconhecida firmou orientação de que “o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto de responsabilidade solidária dos entes federados”. Desse modo, “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente”.
No que se refere à responsabilidade financeira de cada ente da federação em custear o tratamento pleiteado, o desembargador citou voto proferido pela então ministra Eliana Calmon no entendimento de que: “Criado o Sistema Único de Saúde, a divisão de atribuições e recursos passou a ser meramente interna, podendo o cidadão exigir de qualquer dos gestores ação ou serviço necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde pública, o que afasta inteiramente o argumento usado pela recorrente no sentido de considerar-se fora das atribuições impostas pela decisão ou sem a obrigação econômico-financeira de suportar o custo da ordem judicial”.
A solicitação do medicamento formulada pela autora está fundamentada em relatório e prescrição médica, bem como em exames que acompanharam a petição inicial e comprovam o quadro clínico da paciente e a necessidade do tratamento requerido, o que pressupõe a incapacidade financeira da apelante, visto que foi representada pela Defensoria Pública da União, asseverou o magistrado.
Com procedente no STJ, o relator destacou que “não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. AGRAVO RETIDO. CONHECIMENTO. MULTA DIÁRIA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INEXISTÊNCIA. MEDICAMENTO. CONCESSÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR EXCESSIVO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. I – Merece ser conhecido o agravo retido interposto pela União contra decisão que, ao deferir o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, fixou multa diária, porquanto cumprido o requisito previsto no art. 523 do Código de Processo Civil/1973. II – O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, em julgamento de recurso na sistemática de recursos repetitivos, ser possível a cominação de multa em desfavor de ente público, a fim de compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros (REsp 1474665/RS. Agravo retido ao qual se nega provimento. III – “O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.” (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015). IV – Inadmissível condicionar a fruição de direito fundamental e inadiável à discussão acerca da parcela de responsabilidade de cada ente da Federação em arcar com os custos de medicamento/tratamento médico cujo fornecimento foi determinado por meio de decisão judicial, não podendo a divisão de atribuições ser argüida em desfavor do cidadão, questão que deve ser resolvida em âmbito administrativo ou por meio das vias judiciais próprias. V – Comprovada a doença da qual a autora é portadora e a necessidade do medicamento requerido, por meio de documentos acostados à inicial, bem como sua incapacidade financeira, deve ser mantida a sentença recorrida. VI – “Não se mostra razoável a invocação de desrespeito a limites orçamentários quando se verifica que a medicação vindicada é essencial para a garantia à vida de quem a requer, tornando-se secundárias as considerações de ordem orçamentária ou financeira” (AGA 0065325-05.2010.4.01.0000/MG, Rel. Desembargador Federal Kássio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.335 de 14/08/2014). VII – A cláusula da reserva do possível “não pode ser invocada pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”. Precedente do Excelso Supremo Tribunal Federal na APDF Nº 45, da qual foi relator o eminente Ministro Celso de Mello. VIII – “Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais”. Precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010. IX – Tendo o Estado, em seu conceito amplo – União, Estado e Município -, dado causa ao ajuizamento da ação, deve ser condenado ao pagamento dos honorários advocatícios, entendimento que privilegia o princípio da causalidade. X – Considerando que as demandas de saúde pública são de valor inestimável, os honorários de sucumbência devem ser fixados consoante apreciação equitativa (§ 8º do art. 85 do CPC/2015). Sequer o valor atribuído à causa, para fins de arbitramento da verba honorária, deve prevalecer, quando não fixado em patamar muito baixo, porquanto indicado de forma aleatória – ou considerando 12 meses de tratamento, não correspondente, necessariamente, ao conteúdo econômico imediatamente aferível (fornecimento de medicamento por tempo indeterminado, no caso dos autos). Dessa forma, e tendo em vista, ainda, que esta Corte, em demandas similares, fixa a verba honorária de sucumbência entre R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00, deve ser reformada a sentença recorrida, que arbitrou os honorários no percentual de 10% do valor da causa (R$ 120.543,00), reduzindo-os para R$ 2.000,00. XI – Agravo retido e recurso de apelação interpostos pela União aos quais se nega provimento; recurso de apelação interposto pelo Estado da Bahia e remessa oficial aos quais se dá parcial provimento (item X).
Processo nº: 0000096-82.2016.4.01.3300