A União e o Estado de Minas Gerais foram condenados pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a fornecer o medicamento Nintedanibe a uma pessoa com doença Fibrose Pulmonar Idiopática (FPI), doença crônica que causa endurecimento dos tecidos pulmonares e com isso uma redução progressiva em sua capacidade de expandir e diminuir, dificultando a respiração da pessoa acometida pela enfermidade.
Consta dos autos (relatório médico), que a autora utilizou todas as medicações disponibilizadas pelo Sistema único de Saúde (SUS) para o tratamento da FPI, tendo feito tratamento de acordo com o protocolo estabelecido pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e pela Secretaria de Saúde de São Paulo, no entanto, não houve melhora clínica no estado de saúde. De acordo com o documento, o medicamento Nintedanib, não fornecida pelo SUS, é a única alternativa a oferecer uma sobrevida ao paciente, aumentando as chances e possibilidade de um transplante de pulmão.
Em seu recurso ao Tribunal, o ente público sustentou que o relatório médico e a prescrição do medicamento solicitado não estão identificados como pertencentes a alguma unidade médica credenciada pelo SUS, uma vez que foram emitidos por médico particular.
Já o Estado de Minas Gerais alegou que o medicamento Nintedanibe não se encontra incluído nas relações padronizadas de medicamentos disponibilizados pelos programas de assistência farmacêutica do SUS, que, entretanto, oferecem outros medicamentos para o tratamento da fibrose pulmonar.
Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado César Jatahy Fonseca, destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em regime de repercussão geral, que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados, e com isso, o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.
Quanto ao fornecimento do medicamento, o magistrado ressaltou que “a existência de prova documental indicando a necessidade de submissão da autora a tratamento médico com o medicamento vindicado na exordial, em razão da doença da qual é portador, impõe a manutenção da sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. Necessidade, contudo, de apresentação de relatório médico e prescrição atualizados a cada seis meses”.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO À SAÚDE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA CID-X: J84.1. MEDICAMENTO: NINTEDANIB (OFEV®). ILEGITIMIDADE DO POSTAL SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. FORNECIMENTO. RESERVA DO POSSÍVEL. PRESUNÇÃO CONTRÁRIA AOS ENTES PÚBLICOS. INDICAÇÃO MÉDICA, INCAPACIDADE FINANCEIRA DA PACIENTE/AUTORA E REGISTRO DO MEDICAMENTO NA ANVISA: EXISTÊNCIA. HONORÁRIOS. REDUÇÃO.
1. O Postal Saúde é parte ilegítima para figurar no polo passivo, visto que não tem responsabilidade contratual pela cobertura da doença de que a autora é portadora.
2. O fato de a autora ser beneficiária de plano de saúde não afasta a obrigação do Estado de oferecer-lhe “acesso universal e igualitário às ações e serviços para […] promoção, proteção e recuperação” da saúde. Rejeitada a preliminar de ausência de interesse de agir.
3. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em regime de repercussão geral, que “o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente” (RE 855.178/SE RG, Rel. Ministro Luiz Fux, Plenário, DJe 16/03/2015).
4. O deferimento, pelo Judiciário, de pedido de fornecimento de medicação/tratamento de alto custo deve observar as linhas traçadas pelo Plenário do STF no julgamento da STA 175 AgR/CE, na dicção do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes (Presidente): a) a cláusula da reserva do possível, ressalvado justo motivo objetivamente aferível, não pode ser invocada, pelo Estado, com o propósito de exonerar-se do cumprimento de obrigações constitucionais, notadamente referentes a direitos fundamentais (cf. ADPF 45/MC, Ministro Celso de Mello); b) a falta de registro do medicamento na ANVISA não afasta o dever de fornecimento pelo Estado, eis que é autorizada, excepcionalmente, a importação, por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde publica pelo Ministério da Saúde (Lei n. 9.782/1999); c) o Estado não pode ser condenando ao fornecimento de fármaco em fase experimental.
5. A 1ª Seção do STJ, no julgamento de embargos de declaração no REsp 1.657.156/RJ, ocorrido em 21.09.2018, na sistemática do art. 1.036 do CPC/2015 (recursos repetitivos), atribuindo-lhe efeito infringente, estabeleceu os requisitos cumulativos para fornecimento “dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS”, a saber: “(i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA, do medicamento, observados os usos autorizados pela agência”.
6. Os documentos que instruem o processo e a perícia médica regularmente produzida demonstram que o paciente/autor é portador da doença “Fibrose Pulmonar Idiopática” CID-X: J84.1 trazem a indicação do fármaco Nintedanibe (OFEV). O médico que o acompanha relatou: “[…] no decorrer do tratamento foram utilizadas a medicações Omeprazol 80mg/dia, Domperidona 30mg/dia, sem apresentar melhora clínica da doença. Atualmente todas as medicações disponibilizadas pelo SUS – Ministério da Saúde para o tratamento da FPI já foram utilizadas, tendo o paciente feito o tratamento de acordo com o protocolo estabelecido pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e pela Secretaria de Saúde de São Paulo, no entanto, não houve melhora clínica no estado de saúde. […] o Nintedanib poderá oferecer uma sobrevida ao paciente de alguns anos, aumentando as chances e possibilidade de um transplante de pulmão (caso seja elegível a este procedimento) […]”. O perito nomeado esclareceu que “o SUS não disponibiliza medicamentos para o tratamento da FPI. O tratamento oferecido pelo SUS visa apenas tratar as complicações decorrentes da progressão da doença”. A condição de hipossuficiência foi declarada pela parte autora e confirmada pelo Juiz.
7. Precedentes deste TRF-1ª Região e de outros Tribunais Regionais Federais decidindo pelo fornecimento do fármaco em questão: TRF1, AG 0003939-27.2017.4.01.0000, Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, 6T, e-DJF1 19/06/2017. TRF-3ª Região: AI 0001940-82.2017.4.03.0000, Juíza Convocada Eliana Marcelo, 6T, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/08/2018. TRF-2ª Região: AG 0008038-47.2016.4.02.0000, Salete Maccalóz, 6T Especializada; AG 0010742-33.2016.4.02.0000, Aluisio Gonçalves De Castro Mendes, 5T Especializada; AG 0000671-06.2015.4.02.0000, Reis Friede, 7ªT Especializada.
8. Em demandas similares, esta Corte Regional tem fixado o valor dos honorários de advogado de R$1.000,00 (um mil reais) a R$3.000,00 (três mil reais). Nesse sentido: AC 0052208-22.2012.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, e-DJF1 20/07/2018; AC 0021492-97.2016.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Quinta Turma, e-DJF1 28/06/2018.
9. Apelação do Estado de Minas Gerais parcialmente provida para reduzir os honorários advocatícios para R$1.000,00 (um mil reais). que devem ser pagos por ele e pelo Município de Belo Horizonte.
10. Remessa oficial não provida.
A decisão do Colegiado foi unânime.
Processo nº: 1006977-76.2017.4.01.3800