O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a determinação de obrigar a União a ressarcir os valores pagos para cobrir despesas de tratamento home care de uma pensionista, beneficiária do Plano de Saúde da Aeronáutica, Fundo de Saúde da Aeronáutica (Funsa), do Comando da Aeronáutica, Ministério da Defesa.
A decisão foi tomada pela 6ª Turma do TRF1 ao julgar apelação contra a sentença prolatada em ação proposta pelos herdeiros da pensionista, da qual recorreram tanto os familiares quanto a União.
Segundo consta nos autos, antes que a beneficiária falecesse ela foi vítima de doença terminal que se agravou e a levou a ser internada inúmeras vezes no Hospital das Forças Armadas (HFA). Por orientação dos médicos e para evitar infecções hospitalares e garantir um melhor tratamento foram adotadas diversas providências para que a mulher fosse internada domiciliarmente por meio do chamado home care.
Após algumas tentativas de contratar empresas credenciadas pelo Funsa, sem sucesso, a assistência social do plano de saúde orientou os familiares a contratarem profissionais autônomos para garantir a continuidade do tratamento na residência. Isso feito, os familiares apresentaram o valor total das despesas ao Saram.
Depois de terem protocolado as despesas, a família procurou a Justiça alegando que ao solicitar o ressarcimento e também a indenização por danos morais por meio da ação de cobrança as primeiras despesas foram ressarcidas, porém não todas e que, sem qualquer justificativa, o restante não foi pago, tendo sido apenas informado aos familiares que as demais restituições estavam em processamento na tesouraria.
O reembolso dos valores não quitados chegaria a um total superior a R$ 290 mil.
Ajustes necessários – Ao avaliar o caso no TRF1, o relator do processo, desembargador federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, afirmou que em parte a sentença deveria ser mantida ao menos nos pontos em que entendeu ser devido o ressarcimento (no parâmetro do percentual de 80% previsto em norma – ICA 160-23 para casos de urgência) e argumentou também ser devido o dano moral.
Para fundamentar seu voto, o magistrado recordou ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segundo o qual “o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas pelo beneficiário fora da rede credenciada somente pode ser admitido em hipóteses excepcionais que compreendam a inexistência ou insuficiência de serviço credenciado no local – por falta de oferta ou em razão de recusa indevida de cobertura do tratamento -, bem como urgência ou emergência do procedimento, observadas as obrigações contratuais e excluídos os valores que excederem a tabela de preços praticados no respectivo produto”.
Em relação ao dano moral, no entanto, o relator fez ressalvas ao decidido em primeira instância. O magistrado afirmou que a situação superou o mero aborrecimento cotidiano e que é evidente e indiscutível a angústia vivida em situações que envolvam a saúde de um familiar. No entanto, diferentemente do que foi determinado na sentença, que entendeu pelo valor de R$ 140 mil em razão de danos morais, o desembargador federal Jamil Rosa de Jesus ponderou que esse total deveria ser revisto.
Isso porque, afirmou, ainda que se tenha gerado dor psíquica, havia que se ter em conta que a Administração não laborou para potencializar o sofrimento da beneficiária ou de sua família, mas sim apresentou alternativa de tratamento mediante a indicação de contratação autônoma, prontamente acatada pela parte autora.
“Do processo não se extrai que houve indevida ou injustificada recusa do fundo de saúde em autorizar a cobertura financeira do tratamento médico indicado e a que estivesse legalmente obrigado a prestar. Ao contrário, ainda que não comprovada nos autos, com exatidão, a informação via telefone dada pela assistente social de possível contratação de serviço autônomo, este, inclusive, foi parcialmente adimplido pela Administração nos termos do regramento e, portanto, reconhecido como pertinente e devido”, constatou o magistrado.
Para o desembargador federal, houve certa falta de critérios mais específicos e parâmetros adequados no estabelecimento da indenização em primeira instância. Isso porque o exame do processo mostrou que as despesas, embora não totalmente reembolsadas, não deixaram de ser ressarcidas e tampouco a parte autora ficou sem a cobertura do fundo de saúde que, em momento algum, se esquivou da obrigação de prosseguir com o atendimento.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE INTERNAÇÃO DOMICILIAR “HOME CARE”. OBSERVÂNCIA DA LIMITAÇÃO CONTIDA NA NORMA REGULAMENTADORA DO SISTEMA DE SAÚDE DA AERONÁUTICA. COMPROVAÇÃO DE RESSARCIMENTO PARCIAL. DANO MORAL. CABIMENTO. MINORAÇÃO DO RESPECTIVO VALOR.
1. Apelações interpostas pela União e pela parte autora em face de sentença proferida em ação de cobrança pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, que julgou parcialmente procedentes os pedidos de indenização por danos materiais e morais decorrentes das despesas de internação domiciliar “home care” à beneficiária do Fundo de Saúde da Aeronáutica FUNSA SARAM.
2. Na origem, o espólio de Angélica Maria Oliveira de Castro Vieira ajuizou a ação contra a União (Ministério da Defesa – Comando da Aeronáutica, Diretoria de Saúde – DIRSA, Subdiretoria de Aplicação dos Recursos da Assistência Médico-Hospitalar- SARAM), objetivando provimento jurisdicional para condenar a requerida ao pagamento de valores referentes à restituição de despesas de internação domiciliar na modalidade “home care” da falecida, as quais foram devidamente autorizadas pelo Fundo de Saúde da Aeronáutica – FUNSA e não teriam sido restituídas até a data do ajuizamento da ação.
3. Entre os direitos legalmente garantidos ao militares, consta a assistência médico-hospitalar, para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários (art. 50, inciso VI, da Lei n. 6.880/1980).
4. Com relação à prestação da assistência aos beneficiários do Fundo de Saúde da Aeronáutica, o direito é regulamentado pelo Decreto n. 92.512/1986, o qual definiu normas gerais sobre o atendimento médico-hospitalar de militares das Forças Armadas e seus dependentes, delegando a cada Força a atribuição para regular especificidades do seu respectivo Sistema de Saúde (art. 1º e art. 15 do Decreto n. 92.512/1986). A Força Aérea editou a ICA 160-23 (Instruções Reguladoras da Assistência Médico-Hospitalar), que regulou a possibilidade de ressarcimento das despesas na forma do item 17.5.
5. Na excepcional situação dos autos, embora o FUNSA tenha apresentado opções de empresas de “home care”, a entidade selecionada não honrou o compromisso de fornecimento dos serviços. Todavia, a própria parte autora alega que foi parcialmente ressarcida da maioria das despesas e solicita o reembolso dos valores não quitados, por supostas incongruências.
6. Observa-se que não há comprovação da autorização do tratamento com a empresa BSB HOME CARE, por não haver norma específica que disponha sobre a peculiar situação ora descrita e, ainda, tratando-se de hipótese prevista no ICA 160-23, em que as providências foram tomadas em caráter de urgência, o parâmetro a ser utilizado para aplicação do percentual de 80% (oitenta por cento) para ressarcimento deve ser o descrito na norma, qual seja, a tabela do Plano de Assistência, conforme prevista no subitem 17.5 da ICA 160-23.
7. Não há que se privilegiar a pressuposição de que o atendimento foi autorizado, pura e simplesmente por haver cotação dos serviços nos autos, e se desconsiderar a letra do regulamento que diz que, em situações excepcionais e em casos de urgência (item 17.2), poderá ser solicitado o ressarcimento, pago no percentual de 80% da tabela.
8. Consoante entendimento do STJ, “o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas pelo beneficiário fora da rede credenciada somente pode ser admitido em hipóteses excepcionais, que compreendam a inexistência ou insuficiência de serviço credenciado no local – por falta de oferta ou em razão de recusa indevida de cobertura do tratamento -, bem como urgência ou emergência do procedimento, observadas as obrigações contratuais e excluídos os valores que excederem a tabela de preços praticados no respectivo produto”. (AgInt no REsp n. 1.933.552/ES, relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, relator para acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 25/5/2022.)
9. No caso, houve o ressarcimento de 12 (doze) despesas apontadas pela parte autora, com base nas normas que disciplinam a assistência médico-hospitalar aos beneficiários do Sistema de Saúde da Aeronáutica.
10. No que diz respeito às demais despesas não ressarcidas, está parcialmente correta a sentença ora recorrida, uma vez que, quanto aos dois processos que alegadamente apresentaram inconformidades, de fato, não comprova a Administração Militar nos autos que houve a notificação da parte autora para que esta regularizasse quaisquer documentos, em respeito ao princípio de garantia da oportunidade de defesa ao administrado, bem como em atenção ao princípio da boa-fé, no sentido de que presumiu a parte autora que o andamento dos pedidos estava regular.
11. Quanto aos 3 (três) processos que a parte ré alegou “não existir na SARAM registro de pedido de ressarcimento relacionado a esta despesa”, também andou bem a sentença quando observou que há prova nos autos de que as despesas foram recebidas e são, portanto, devidas, sendo correto o reembolso das despesas médicas presumidas para a enfermidade coberta pelo plano de saúde, uma vez que o tratamento domiciliar revestia-se de urgência/emergência, com a devida exclusão dos valores que excedem a previsão no regulamento próprio (item 17.5 do ICA 160-23).
12. Quanto ao dano moral, a situação supera o mero aborrecimento cotidiano, tendo em vista que a família cuidou de seguir as orientações do plano de saúde no que tange à contratação do “home care”, frustrada pela empresa que deixou de fornecer o serviço, mesmo sendo credenciada junto à Assistência de Saúde da Aeronáutica. Isso, claramente, gera instabilidade emocional a partir do instante em que a momentânea possibilidade de ausência do tratamento traz supervenientes transtornos de ordem pessoal dele advindos, repercutindo em violação à incolumidade física e psíquica, passíveis de indenização pelo sofrimento moral.
13. É evidente e indiscutível a angústia vivida em situações que envolvam a saúde de um familiar e, no caso em particular, tanto no que diz respeito à expectativa de uma cobertura indicada pelo próprio sistema de saúde da Aeronáutica e não realizada pela empresa selecionada, quanto pelo dispêndio de recursos próprios e até pelo endividamento da parte autora, conforme demonstra o contrato de empréstimo consignado juntado aos autos.
14. Contudo, não obstante a situação vivenciada, é fato que não faltou à beneficiária do FUNSA SARAM a assistência necessária e não ficou comprovado que o evento tenha contribuído para a deterioração de sua saúde por eventual falha. Ao contrário, pleiteia-se nos autos o ressarcimento da assistência contratada de forma autônoma e reembolsada na parte em que o plano julgou hábeis os documentos apresentados para a prova do apoio médico prescrito e realizado.
15. Sendo a saúde bem de suma importância, elevado pela Constituição Federal à condição de direito fundamental do ser humano, possuem as entidades de assistência à saúde o dever redobrado de agir com boa-fé objetiva e de observância da função social da avença, tanto na elaboração dos seus regramentos quanto na celebração do pacto e na sua execução. E nessa conformação, importante destacar que o FUNSA SARAM não agiu de modo que desse azo ao dever de indenizar nessa proporção de valor, que não revela harmonia com os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da gravidade da lesão.
16. O dano moral, ao mesmo tempo que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido, deve atuar como sanção ao lesante, como fator de desestímulo, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem, mas obviamente para tanto há limites. A Sexta Turma desta Corte já estabeleceu, em situação similar, o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais. Precedente declinado no voto.
17. Apelação da parte autora desprovida; apelação da União parcialmente provida, tão somente para minorar a indenização por danos morais, fixando-a em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
A indenização moral foi estabelecida, ao final, no valor de R$ 15 mil.
Processo: 0071105-95.2016.4.01.34000