A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou apelação da União e determinou que a União deve emitir Carta de Reconhecimento para Adoção Internacional de uma criança – o sobrinho da autora da ação. Conforme o recurso da União, a autora, equivocadamente, deu entrada no processo de adoção como nacional, realizando sua habilitação diretamente no juízo brasileiro, quando deveria, no entanto, ter efetuado essa habilitação nos Estados Unidos por ela residir naquele país.
Ao examinar a apelação, o relator, desembargador federal Souza Prudente, observou que, conforme os autos, a autora adotou regularmente o seu sobrinho, na Vara da Infância e da Juventude de Londrina, após a morte simultânea dos pais dele. Apesar de ela ter manifestado expressamente a vontade de levar a criança para morar com ela no exterior, a referida adoção não contou com a intervenção das autoridades centrais, estaduais e federal que tratam de adoções internacionais, por isso a Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf) se recusou a emitir Carta de Reconhecimento da adoção para fins de regularização migratória da criança junto à autoridade estrangeira.
No caso, observou o magistrado, embora o procedimento previsto em lei não tenha sido observado estritamente, restou comprovada que a autora representa a família do menor, com quem já mantinha vínculos de afinidade e afetividade, sendo verificada a ausência de outros familiares aptos a se responsabilizarem pela criança.
O desembargador reconheceu que a negativa da Acaf, apenas em razão da falta de participação das demais autoridades envolvidas no processo, contraria o princípio da razoabilidade, representando excesso de formalismo em detrimento do melhor interesse da criança, que há quatro anos está sob os cuidados da autora, residindo nos Estados Unidos com o conhecimento das autoridades brasileiras.
Por fim, acompanhando o voto do magistrado, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento à apelação. Assim, a União terá que habilitar a autora junto à Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), emitindo Carta de Reconhecimento da adoção internacional do seu sobrinho, nos termos da solicitação da Imigração Americana, para que seja regularizada a situação do visto dele no Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos (USCIS).
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. ADOÇÃO INTERNACIONAL. AUTORIDADE CENTRAL FEDERAL. CARTA DE RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL DE HAIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. EXCESSO DE FORMALISMO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. I- Nos termos do art. 51 do ECA, a adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros; que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional. O §2º do citado artigo estabelece ainda que os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro. Além de observar os referidos requisitos, a adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional (art. 51, §3º, do ECA). II- Na hipótese dos autos, sobrevindo a morte simultânea dos genitores do menor impúbere e observado o devido processo legal da sua adoção, levada a efeito por sua tia, observado o devido processo legal, com quem já mantinha vínculos de afinidade e afetividade, à míngua de outros familiares aptos à sua guarda, afigura-se legítima a concessão, pela Autoridade Central Federal, de Carta de Reconhecimento dessa adoção, a viabilizar a sua regularização perante Estado estrangeiro – no caso, Estados Unidos da América – onde se encontra regularmente domiciliada a adotante, prestigiando-se, assim, os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, em detrimento de excessivo formalismo, como no caso. III- Quanto à possibilidade de fixação de astrientes contra a fazenda pública, a pretensão recursal igualmente não merece prosperar, porquanto mostra-se possível e adequada a multa diária de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), imposta à promovida, em caso de descumprimento da medida liminar deferida, tendo em vista que “o Codex Processual, entre outras medidas coercitivas, atribuiu ao juiz a faculdade de impor multa cominatória (astreinte) em desfavor do devedor (ainda que se trate da Fazenda Pública), tendo por escopo inibir o descumprimento das obrigações de fazer ou não fazer (fungíveis ou infungíveis) ou de entregar coisa, sendo certo que a aludida pena pecuniária incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância” (REsp 1069441 / PE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 17/12/2010). IV- Apelação desprovida. Sentença confirmada. A verba honorária, arbitrada pelo juízo monocrático em quantia correspondente a 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa (1.045,00 – mil e quarenta e cinco reais), resta fixada em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 85, §§ 8º e 11 do CPC vigente.
Processo: 1041598-33.2020.4.01.3400