União deve pagar indenização por danos morais a familiares de detento que cometeu suicídio nas dependências da Polícia Federal

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF1) manteve a sentença que acatou o pedido da família da mãe e do filho de um detento que cometeu suicídio no interior da Superintendência da Polícia Federal da cidade de Passo Fundo/RS. A União foi condenada ao pagamento da quantia de R$ 250.000,00 para cada um dos familiares do presidiário.

União e autores apelaram da sentença. Os autores informam que, além do incidente de insanidade mental instaurado pela Defensoria Pública, houve cinco pedidos de transferência do interno à clínica psiquiátrica, formalmente requeridos e todos negados, caracterizando assim responsabilidade objetiva do Estado, reivindicando, portanto, aumento da quantia a ser reparada. Já a União alegou que a culpa foi exclusiva da vítima.

Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, afirmou que a responsabilidade objetiva do Estado consiste em princípio constitucional que estabelece que o Poder Público deve responder pelos danos provocados a terceiros, independentemente de culpa.

Segundo o magistrado, diversos documentos internacionais destacam a necessidade de tratar todos os detentos com respeito e dignidade, independentemente das circunstâncias da prisão.

Respeito e dignidade aos detentos – O desembargador federal sustentou que a indenização por danos morais tem como função principal compensar uma pessoa pelos prejuízos que ela sofreu em decorrência de ofensa a sua honra, imagem, dignidade, integridade física ou psicológica, dentre outros aspectos relacionados a sua vida privada. Alguns dos seus principais objetivos da indenização são: reparar o sofrimento causado, incentivar a prevenção de futuros danos, restabelecer a dignidade e a imagem da vítima e aliviar o impacto financeiro.

No caso dos autos, afirmou o magistrado que, como restou demonstrado, a União deixou de observar diversos documentos internacionais que destacam a necessidade de tratamento dos detentos com respeito e dignidade, independentemente do motivo da prisão, como as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos, conhecidas com as Regras de Mandela. Deve, portanto, o ente público responder civilmente, em linhas gerais, moral e materialmente.

O Colegiado decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações nos termos do voto do relator, mantendo a sentença que condenou a União a pagar a quantia de R$ 250.000,00 à mãe e ao filho do detento que cometeu suicídio na Superintendência da Polícia Federal.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. SUICÍDIO DE PRESO RECOLHIDO EM SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL. FALTA COM OS DEVERES DE CUIDADO E ZELO. DANOS MORAIS RECONHECIDOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Trata-se de apelações interpostas pela União e pelas partes autoras em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de indenização por danos morais, condenando a União a pagar a quantia de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) para cada um dos dois autores. 2. Conforme análise das provas acostadas nos autos, não existe controvérsia sobre o cenário fático. Segundo a sentença, os autores, filho e mãe do então custodiado, Procurador da República, que cometeu suicídio em 01/11/2016 por meio de enforcamento, no interior da Superintendência Regional da Polícia Federal na cidade de Passo Fundo/RS, alegam responsabilidade do Estado, defendendo que o Poder Público foi omisso em não zelar pela integridade física do interno, sob custódia pública em estabelecimento penitenciário a partir do dia 02/09/2016, mesmo diante de duas tentativas de suicídio no ambiente carcerário, datadas em 06/09/2016 e 31/10/2016. Segundo laudo de avaliação psiquiátrico-psicológico do preso apresentado nos autos, concluiu-se que ele era portador de patologias psiquiátricas graves – transtorno afetivo bipolar e transtorno mental e comportamental. Além do incidente de insanidade mental instaurado por meio de requerimento da Defensoria Pública da União, houve 05 (cinco) pedidos de transferência do interno à clínica psiquiátrica, formalmente requeridos nos autos em período inferior a dois meses, tendo todos sido negados. 3. O Estado tem o dever institucional de zelar pela integridade física e moral do preso que se encontra sob sua custódia. Desse modo, caracterizada a omissão nesse dever, exsurge sua responsabilidade objetiva em indenizar a morte de detendo, ainda que na hipótese de suicídio, nos termos do art. 37, §6º, CF/88. Segundo os ditames constitucionais, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, nos termos do artigo 5º, XLIX. A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) também institui que “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios” (artigo 40). 4. Sobre o tema responsabilidade civil do Estado por morte de detento, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese sob o rito da repercussão geral (Tema 592): “Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.” 5. Nesse sentido, diversos documentos internacionais destacam a necessidade de tratar todos os detentos com respeito e dignidade, independentemente das circunstâncias de sua prisão. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, estabelece, em seu artigo 5º, que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Já as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, reconhecidas como Regras de Mandela, enfatizam a importância dos serviços médicos a serem oferecidos aos detentos. A regra 24, item 1, determina que “a prestação de serviços médicos aos reclusos é da responsabilidade do Estado.” No tocante à saúde física e mental do recluso, a regra 25, item 1, estipula que “todos os estabelecimentos prisionais devem ter um serviço de saúde incumbido de avaliar, promover, proteger e melhorar a saúde física e mental dos reclusos, prestando particular atenção aos reclusos com necessidades especiais ou problemas de saúde que dificultam sua reabilitação”, e o item 2 fixa que “os serviços de saúde devem ser compostos por uma equipe interdisciplinar, com pessoal qualificado e suficiente, capaz de exercer a sua atividade com total independência clínica, devendo ter conhecimentos especializados de psicologia e psiquiatria.” No caso dos autos, como restou demonstrado, a União deixou de cumprir esses regramentos, devendo, portanto, responder civilmente, em linhas gerais, moral e materialmente. 6. Para fixação de danos morais, o juiz deve levar em consideração, de forma razoável e equilibrada, diversos fatores e circunstâncias, entre os quais a gravidade do dano, repercussão familiar, existencial e profissional na vida pessoal dos ofendidos, capacidade econômica das partes, idade da vítima, situação socioeconômica, extensão e a duração dos danos morais, observando-se ao fim a finalidade pedagógica da indenização, de modo a inibir-se a repetição de comportamentos que possam causar danos morais. Ponderadas as circunstâncias do caso concreto sobre a análise, devem-se tomar em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O primeiro diz respeito a agir de acordo com a lógica, a razão e o senso comum, buscando-se soluções que sejam justas e adequadas diante de uma situação específica. Já o princípio da proporcionalidade se refere à metódica de equilibrarem-se meios e fins, garantindo-se que a fixação adotada seja adequada e necessária a proteção de direitos envolvidos. Deve ser mantida, pois, a sentença que fixou o montante devido a título de danos morais no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) para cada autor, corrigidos monetariamente da data do seu arbitramento por este TRF1 (Súmula 362 do STJ) e com juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ). 7. Honorários advocatícios majorados em 2%, nos termos do art. 85, §11, do CPC. 8. Apelações desprovidas.

Processo: 1010624-81.2018.4.01.3400

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