União deve indenizar empresas exportadoras por operação de compra de café em Londres nos anos 1980

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) que condenou a União a indenizar empresas exportadoras pela participação na Operação Patrícia (conhecida também como Operação London Terminal), realizada pelo governo federal na década de 1980 como forma de contra-atacar manobras especulativas que estavam mantendo em baixa a cotação do café brasileiro no mercado internacional, gerando prejuízos para a receita cambial do país.

Com a operação, planejada pelo Ministério da Indústria e Comércio e executada pelo extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC), retirou-se café do tipo robusta da Bolsa de Londres com o objetivo de aumentar a cotação do café arábica brasileiro.

De acordo com as empresas especializadas na comercialização de café, em 1986, o IBC comunicou que o governo federal havia decidido realizar a intervenção no mercado internacional para enfrentar a crise mundial no setor cafeeiro. Por isso, elas celebraram contrato com o IBC para a compra do produto no mercado inglês e, em contrapartida, o instituto ficou obrigado a trocar o café adquirido no exterior por café arábica.

Ainda segundo o acordo, caso a troca não fosse feita, o IBC deveria ressarcir as empresas. No processo, as exportadoras alegaram que o IBC não cumpriu o acordo de permuta, tampouco pagou os valores contratualmente estipulados, apesar de ter contraído empréstimo de US$ 15 milhões para pagar parcialmente os créditos das 18 empresas.

Nulida​​des

O juiz de primeiro grau condenou a União a indenizar em dólares norte-americanos, convertidos em reais, os valores equivalentes ao que foi efetivamente pago pelas empresas na aquisição ou na liquidação dos contratos na Bolsa de Londres, deduzidos os montantes já pagos. Em relação ao ressarcimento, a sentença foi mantida pelo TRF2.

Em recurso especial, a União alegou que o extinto IBC não tinha competência para firmar acordos desse tipo com empresas privadas, pois sua função era apenas supervisionar as atividades relacionadas com a comercialização externa do café. Segundo o ente federativo, houve ilegalidade em razão de o IBC ter se comprometido a vender o café arábica sem processo licitatório, tendo convidado as empresas mediante correspondência individual, o que viciou o processo e tornou nulos os contratos.

Presunção de legali​​dade

A relatora do recurso, ministra Regina Helena Costa, afirmou que a alegação de invalidade do contrato, pela própria União, implica violação do princípio que veda a invocação da própria torpeza ensejadora do enriquecimento sem causa e, além disso, gera o reconhecimento da boa-fé da parte que atendeu à convocação do poder público. Para ela, é necessário o ressarcimento dos recursos que as empresas investiram na operação.

Segundo a ministra, os pagamentos parciais realizados pela União revelam o reconhecimento da legitimidade do débito, tendo em vista que o poder público atuou em operação de defesa de produto nacional.

A relatora também ressaltou que a indenização, nesse caso, decorre da presunção de legalidade dos atos administrativos, com o consequente dever da administração de reparar a parte pelas despesas oriundas do contrato – ainda que o acordo esteja eivado de vícios –, em virtude da responsabilidade civil do Estado, conforme previsto pelo artigo 37 da Constituição.

No voto, acompanhado de forma unânime pelo colegiado, Regina Helena Costa lembrou que o TRF2, a partir do exame das cláusulas do contrato de promoção do café no exterior, concluiu que as empresas autoras da ação cumpriram suas obrigações contratuais, ao passo que a União permaneceu inadimplente.

“Rever tal entendimento, com o objetivo de acolher a pretensão recursal, demandaria necessária interpretação de cláusula contratual, além do imprescindível revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz dos óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 desta corte”, concluiu a ministra.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. INSTITUTO BRASILEIRO DO CAFÉ – IBC. CONTRATO PARA AQUISIÇÃO NO MERCADO INTERNACIONAL DE CAFÉ. OPERAÇÃO “PATRÍCIA” OU “LONDON TERMINAL”. MANOBRAS ESPECULATIVAS. PRETENSA NULIDADE DO CONTRATO NÃO AFASTA O DEVER DE INDENIZAR O CONTRATADO DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUMIR A MÁ-FÉ. SÚMULAS 5 e 7 DESTA CORTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. HONORÁRIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. SÚMULA 7 DESTA CORTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973.

II – Contrato administrativo firmado entre o extinto Instituto Brasileiro do Café – IBC e empresas exportadoras para uma operação de compra de lotes de café em grãos do tipo “robusta” no mercado de Londres, denominada “Operação Patrícia” ou “Operação London Terminal”, concebida pelo governo federal como forma de contra-atacar manobras especulativas que estavam mantendo em baixa a cotação do café brasileiro no mercado internacional, gerando prejuízos para a receita cambial do país. Pretensão de afastar o ressarcimento ao contratado ante a nulidade da avença.

III – Alegação de invalidade pela própria parte que o engendrou, resultando na violação do princípio que veda a invocação da própria torpeza ensejadora de enriquecimento sem causa.

IV – A anulação do contrato administrativo quando o contratado, de boa-fé, realizou gastos relativos à avença, implica o dever do seu ressarcimento pela Administração. Princípio consagrado na novel legislação de licitação.

V – Os pagamentos parciais, adimplidos pela União, revelam o reconhecimento da legitimidade do débito.

VI – Somente se comprovada a má-fé do contratado, uma vez que se lhe veda sua presunção, restaria excluída a responsabilidade da União em efetivar o pagamento relativo à “Operação Patrícia”, matéria cuja análise é insindicável por esta Corte Superior, ante a incidência do verbete sumular 7, tanto mais quando o Tribunal de origem, com cognição fática plena, afastou a sua ocorrência.

VII – O tribunal de origem, a partir do exame das cláusulas do contrato, ainda, após minuciosa análise dos elementos fáticos contidos nos autos, consignou que os Autores adimpliram suas prestações contratuais de boa-fé, bem como estabeleceu a ausência de vícios na avença, de modo que rever tal entendimento, com o objetivo de acolher a pretensão recursal, demandaria necessária interpretação de cláusula contratual, além do imprescindível revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz dos óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 desta Corte.

VIII – In casu, rever o entendimento do tribunal de origem que manteve a sentença, a qual concluiu pela sucumbência recíproca, com o objetivo de acolher a pretensão recursal de redistribuição dos ônus sucumbenciais, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula 7⁄STJ.

IX – Consoante orientação desta Corte, a parte deve proceder ao cotejo analítico entre os arestos confrontados e transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio jurisprudencial, sendo insuficiente, para tanto, a mera transcrição de ementas.

X – Recurso Especial da União e Recurso Especial das Autoras não conhecidos.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1365600

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