Turma Regional homologa acordo extrajudicial invalidado na sentença

Ao homologar um acordo extrajudicial cuja validade havia sido negada na sentença de 1º grau, o juiz convocado da 9ª Turma do TRT mineiro, Ricardo Marcelo Silva, foi enfático: “Os juízes aplicam o direito, não fazem justiça!” No entendimento do relator – que aí citou o célebre artigo do ex-ministro Eros Grau, do STF – não houve vícios na transação extrajudicial que justificassem a recusa de sua homologação em juízo.

No voto, foi registrado que “o óbice à composição amigável direta entre trabalhadores e empregadores em casos como o deste processo viola os princípios da fraternidade e da segurança jurídica e o direito à liberdade, previstos nos arts. 3º, 5º e 6º da Constituição.” O relator ainda pontuou que “o legislador foi sábio ao editar a Lei nº 13.467/2017, pois concedeu às partes o poder de, elas próprias, diretamente, solucionarem seus conflitos. E há uma vantagem: o acordo extrajudicial homologado em juízo possibilita, em casos de descumprimento, a execução judicial com a mesma força dos demais títulos executivos judiciais”.

A empresa e o empregado, um motorista de caminhão, celebraram acordo, no valor aproximado de 15 mil reais, para pôr fim ao contrato de trabalho, em razão do desinteresse do trabalhador pela continuidade do vínculo e para solucionar questão relativa a “horas de espera”.

O juiz de 1º grau negou a homologação, por entender que as consequências da rescisão sem justa causa estão previstas em lei, não sendo lícita a celebração do acordo extrajudicial relativo a matéria incontroversa, bem como por não se poder pagar “horas de espera” com a denominação de “bonificação”, transformando a natureza jurídica da parcela transacionada, conforme havia sido feito no ajuste.

Mas, nas palavras do relator, cujo entendimento foi adotado por unanimidade pela 9ª Turma regional, “a interpretação restritiva sugerida pela sentença é patológica, na medida em que propugna pela necessidade de intervenção judicial para solucionar quaisquer tipos de conflitos trabalhistas, independentemente dos níveis de complexidade e de controvérsia envolvidos e da capacidade das partes.”

O juiz convocado afirma não ver como o trabalhador possa, necessariamente, sair prejudicado nesses acordos extrajudiciais, ainda mais quando se trata de dispensa sem justa causa e de contrato de curta duração, como no caso. Ele chamou a atenção para o fato de que o vício reconhecido na sentença em relação à transação extrajudicial só “elevaria a litigiosidade” e, não necessariamente, proporcionaria ao trabalhador o recebimento de valores mais expressivos do que o fixado no acordo: R$ 15.563,00 em parcela única depositada diretamente na conta do trabalhador, além da entrega do TRCT e das guias de seguro-desemprego.

Ao concluir pela homologação do acordo extrajudicial, o relator foi enfático: “É preferível aplicar o Direito ao caso concreto, mesmo que isto implique em não fazer Justiça”, enfatizou, fazendo referência à lição do ministro Eros Grau.

Por essas razões, a 9ª Turma deu provimento aos recursos das partes (empregado e empregador), para afastar a extinção do processo sem resolução do mérito, determinada na sentença, e homologar o acordo extrajudicial celebrado, para que surta seus jurídicos e legais. Foi determinado que o processo retorne à Vara de origem, após o trânsito em julgado, para o regular prosseguimento, inclusive quanto a eventuais recolhimentos devidos à Receita Federal, a título de imposto de renda, e contribuição previdenciária, na forma e prazo legais, sob pena de execução.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. TRANSAÇÃO ENGLOBANDO PARCELAS PREVISTAS EM LEI E DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DE OUTRAS VERBAS. ADEQUAÇÃO PROCEDIMENTAL A SUA FINALIDADE. ART. 855-B A 855-E DA CLT ACRESCENTADO PELA LEI 13467/17.  A interpretação restritiva da sentença recorrida no tocante ao óbice à homologação de acordo relativo a matéria incontroversa (verbas da rescisão sem justa causa) e à alteração da natureza jurídica de parcela transacionada (horas de espera remuneradas como bonificação), além de patológica, na medida em que propugna pela necessidade de intervenção judicial para solucionar quaisquer tipos de conflitos trabalhistas, independentemente dos níveis de complexidade e controvérsia envolvidos, viola os princípios da fraternidade e da segurança jurídica e o direito à liberdade, previstos nos arts. 3º, 5º e 6º da Constituição. O  Ministro Eros Grau, com sábias e bem colocadas palavras, realça a impositividade destes princípios constitucionais para o bom convívio em sociedade quando afirma que “Apenas na afirmação da legalidade e do Direito positivo a sociedade encontrará segurança e os humildes, proteção e garantia de seus direitos de defesa.” (Juízes interpretam e aplicam a Constituição e as leis, não fazem justiça, https://www.conjur.com.br/2018-mai-14/eros-grau-juizes-aplicam-direito-nao-fazem-justica) A Justiça pretendida por tal corrente jurisprudencial, que defende a ocorrência de vício obstativo à homologação judicial, só eleva a litigiosidade e, não necessariamente, proporciona o efetivo pagamento de valores mais expressivos ao trabalhador. É preferível aplicar o Direito ao caso concreto, mesmo que isto implique em não fazer Justiça. Cite-se, a propósito, outro trecho dos escritos do e. Ministro Eros Grau: “Os juízes aplicam o Direito, não fazem justiça! Vamos à Faculdade de Direito aprender Direito, não a justiça. Esta, repito, é lá em cima. (…). A independência judicial é vinculada à obediência dos juízes à lei. Os juízes, todos eles, são servos da lei. A justiça absoluta – aprendi esta lição em Kelsen – é um ideal irracional; a justiça absoluta só pode emanar de uma autoridade transcendente, só pode emanar de Deus. Ao cabo destas expansões o que me dá paz é ler, na Bíblia, o profeta Isaías (32,15-17): quando alcançarmos a restauração final, ‘uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto. Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta. Na terra, agora deserta, habitará o direito, e a justiça no pomar. A paz será obra da justiça, e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre’. Move-me a esperança em que a defesa do positivismo do Direito me faça no futuro chegar lá.” (Juízes interpretam e aplicam a Constituição e as leis, não fazem justiça, https://www.conjur.com.br/2018-mai-14/eros-grau-juizes-aplicam-direito-nao-fazem-justica).

  • PJe: 0010118-46.2019.5.03.0168

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