O juiz substituto da 2ª Vara da Fazenda Pública do DF concedeu mandado de segurança para anular ato que contraindicou um candidato ao concurso de Formação de Praças para soldado da Polícia Militar do Distrito Federal – PMDF, na fase de exame da vida pregressa e investigação social, e determinar que o autor prossiga nas fases do certame, inclusive com eventual matrícula em curso de formação.
Narra o candidato que o Departamento de Gestão de Pessoal da PM o teria reprovado com base numa ocorrência policial, que resultou em transação penal já cumprida, cujos autos encontram-se arquivados.
Em sua decisão, o magistrado lembrou que o referido exame da vida pregressa constitui fase do concurso público da PMDF, ante a previsão legal de idoneidade moral como requisito para o ingresso em seus quadros. Dessa forma, explicou o juiz: “para se examinar a legalidade ou abusividade da fase de vida pregressa, mostra-se essencial que o candidato tenha acesso a documento que indique, de modo objetivo, quais foram os procedimentos, processos ou condutas que a Administração considerou para excluir o candidato na fase de exame da vida pregressa”.
O documento apresentado, no caso, foi o registro de ocorrência, datado de 2009, no qual o autor foi acusado de desacato. Infere-se dos autos, no entanto, que não houve condenação com trânsito em julgado ou condenação criminal confirmada em segunda instância ou qualquer dos motivos geradores de inelegibilidade aos cargos públicos, previstos na legislação da PMDF. “As instituições militares (…) possuem normativo interno infra-legal a apontar situações que configurariam afronta à moralidade para o exercício do cargo. Tais dispositivos são em sua maioria extremamente subjetivos e sem identificação precisa da conduta reputada ofensiva à honra, sendo necessário, a par da releitura constitucional, a definição de parâmetros objetivos em relação a apontada ausência de moralidade”.
O que ocorreu, no caso em questão, foi a transação penal, proposta pelo Ministério Público, com aceitação do autor, e posterior extinção da punibilidade. Para justificar a eliminação do candidato do concurso, o Centro de Inteligência da PM apresentou um parecer no qual esclarece que “não houve violação do Princípio Constitucional da inocência, uma vez que o edital deixou claro que não se trata de exclusão por maus antecedentes, mas sim quando constar conduta desabonadora na vida pública ou particular do candidato, ainda que não consideradas ilícitas, desde que incompatível com a natureza da função policial militar”.
De acordo com o juiz, o réu contraria a Constituição Federal ao não apresentar motivo evidente para exclusão do candidato à disputa das demais fases do certame. “Não houve ocorrência de infração criminal, ante a realização de Transação Penal, o que não representa confissão de culpa ou reconhecimento de realização de infração penal. Também não se pode considerar transação penal, por requerimento do MP e homologação do Poder Judiciário, com posterior sentença de extinção da punibilidade, como fatos suficientes à exclusão de candidato de concurso público”, ressaltou, por fim o magistrado.
Dessa maneira, o juiz considerou que o ato impugnado merece revisão, pois foi praticado à revelia dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade, que devem nortear a atuação da Administração Pública. Por fim, determinou a anulação do referido ato e que a instituição ré autorize o autor a prosseguir nas demais fases da prova.
Houve recurso e o mesmo ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. DIALETICIDADE. PRESENÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. SINDICÂNCIA DE VIDA PREGRESSA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO. TRANSAÇÃO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE. PRECEDENTES. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. ORDEM CONCEDIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1.Em que pese se observar que a apelação se restringe, em sua quase totalidade, a citar argumentos gerais e genéricos, é possível se extrair de seu contexto a irresignação com o julgado e a intenção de sua revisão, existindo, portanto, pedido expresso e fundamentação. Preliminar afastada. 2.Não viola o princípio da separação dos poderes o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos, incluídos aqueles praticados durante a realização de concurso público. 3.À Administração Pública é garantida a discricionariedade de estabelecer os critérios de seleção de candidatos em concurso público para seus cargos vagos, bem como de definir as modalidades de avaliação do certame. Todavia, é inolvidável que a atuação do ente público é limitada pela legislação nacional e, primordialmente, pela Constituição da República, devendo respeitar as garantias e direitos fundamentais. 4.A exclusão de candidato de certame (Polícia Militar do DF) unicamente diante da existência de boletim de ocorrência registrado no ano de 2009, termo circunstanciado em decorrência de suposto desacato, com transação penal cumprida que resultou na extinção de punibilidade, viola o princípio constitucional da não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII). Precedentes. 5.Ressalte-se que não há relato de reiterado envolvimento em registros da mesma natureza ou outros elementos desabonadores de natureza profissional, familiar ou que pudesse macular a índole social do candidato ou inviabilizar o exercício das funções inerentes ao cargo, não sendo razoável sua exclusão do certame. 6.Preliminar rejeitada. Apelo desprovido.