Para o Colegiado, o uso de EPI eficaz não afasta a natureza especial de atividade prejudicial à saúde exercida antes de 03/12/1998
Durante a reunião realizada na manhã do dia 21 fevereiro, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) editou o enunciado da Súmula nº 87 do Colegiado. Dessa forma, o texto aprovado pelos membros da Turma Nacional ficou com a seguinte redação: “A eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida antes de 03/12/1998, data de início da vigência da MP 1.729/98, convertida na Lei nº 9732/98”.
O caso foi levado à TNU por uma copeira hospitalar e assistente de serviços da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que pleiteava a revisão de uma sentença proferida pela 8ª Turma Recursal de São Paulo. A Turma Recursal paulista reformou a decisão parcialmente e afastou a especialidade do tempo laborado pela autora do processo entre 13 de maio de 1986 e 31 de agosto de 2003 sob o fundamento de ter havido uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz durante o período.
A requerente apresentou como paradigma um julgado da Turma Recursal Suplementar de Santa Catarina, para a qual a descaracterização das condições especiais de trabalho em razão do uso de EPI eficaz somente se aplicaria à atividade exercida após a Lei nº 9732/98, bem como que o uso de EPI não é suficiente para descaracterizar a especialidade do trabalho com exposição a agentes biológicos.
O relator do acórdão na TNU, juiz federal José Francisco Andreotti Spizzirri, observou que a decisão recorrida está em conflito com a decisão da Turma Suplementar de SC em duas teses distintas. A primeira delas, sobre a possibilidade ou não de descaracterização da especialidade por uso do equipamento de segurança na data anterior à 03 de dezembro de 1998. O segundo, acerca da possibilidade ou não da neutralização da exposição a agentes biológicos nocivos pelo EPI.
O magistrado citou, também, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no ARE 664.335, cujo texto determina que se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. A única exceção, segundo o juiz federal, foi em relação ao agente ruído, “tendo em vista que, nesta hipótese específica, os equipamentos de proteção se destinam a reduzir apenas os danos auditivos”, não sendo capazes de evitar outros males ao organismo além da perda da audição.
Para o relator, no caso concreto, a checagem da suficiência do EPI “remete ao exame probatório” e não seria, portanto, atribuição da TNU substituir a valoração da Turma de origem sobre o período discutido. Ainda segundo Spizzirri, há jurisprudência consolidada sobre o assunto na TNU, à qual o acórdão recorrido carece de adequação, “no ponto em que afastou a especialidade do tempo laborado pelo autor antes de 03/12/1998 (advento da Lei 9.732/98) em razão do uso de EPI eficaz, pois até essa data, não havia previsão, no ordenamento jurídico, de descaracterização da especialidade das condições de trabalho por força do uso de EPI”.
Nesse sentido, o magistrado apresentou precedente relatado pela juíza federal Carmen Elizangela Dias Moreira no PEDILEF 0501309-27.2015.4.05.8300, que determinou que “as atividades exercidas até 02/12/1998 sejam tidas como especiais, independentemente de constar no PPP a informação acerca do uso de EPI eficaz”, argumentou o magistrado, que conheceu parcialmente o incidente de uniformização e deu provimento ao pedido da autora.
Enunciado:
O enunciado da súmula 87, a saber: A eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida antes de 03/12/1998, data de início da vigência da MP 1.729/98, convertida na Lei nº 9732/98.
O ARE 664335, ficou assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
1. Conduz à admissibilidade do Recurso Extraordinário a densidade constitucional, no aresto recorrido, do direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/88), com reflexos mediatos nos cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), à saúde (arts. 3º, 5º e 196, CRFB/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88) e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193 e 225, CRFB/88).
2. A eliminação das atividades laborais nocivas deve ser a meta maior da Sociedade – Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais -, que devem voltar-se incessantemente para com a defesa da saúde dos trabalhadores, como enuncia a Constituição da República, ao erigir como pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana (art. 1º, III, CRFB/88), a valorização social do trabalho, a preservação da vida e da saúde (art. 3º, 5º, e 196, CRFB/88), e o meio ambiente de trabalho equilibrado (art. 193, e 225, CRFB/88).
3. A aposentadoria especial prevista no artigo 201, § 1º, da Constituição da República, significa que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos “casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar”.
4. A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo.
5. A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/88, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição. Deveras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma constitucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/88). Precedentes: RE 151.106 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28/09/1993, Primeira Turma, DJ de 26/11/93; RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 03/03/98, Segunda Turma, DJ de 04/09/1998.
6. Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88, e depois da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
7. Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção-FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que as empresas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores.
8. O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo e o trabalhador.
9. A interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em “condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.
10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.
11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.
12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores.
14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário.
Processo nº 0001487-69.2012.4.03.6303/SP
O recurso 0501309-27.2015.4.05.8300, ficou assim ementado:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. TEMPO DE SERVIÇO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. EPI EFICAZ. INFORMAÇÃO CONTIDA EM PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO (PPP). MATÉRIA DE FATO. SÚMULA 42 DA TNU. DE FATO ESTA TNU TEM POSICIONAMENTO NO SENTIDO DE QUE A DESCARACTERIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO CONTIDA NO PPP, NO SENTIDO DE UTILIZAÇÃO DE EPI EFICAZ, DEMANDARIA REVOLVIMENTO DE PROVA. CONTUDO, A PARTE AUTORA SUSCITOU TAMBÉM UMA QUESTÃO DE DIREITO QUE DEVERÁ SER ANALISADA, PORQUANTO DEMONSTRADA SATISFATORIAMENTE A DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ENTRE A TURMA RECURSAL DO PERNAMBUCO E A TURMA RECURSAL DO RIO GRANDE DO SUL. REFIRO-ME AO ENTENDIMENTO DE QUE O USO DE EPI SOMENTE PODERÁ SER CONSIDERADO PARA ATIVIDADES DESEMPENHADO A PARTIR DE 11 DE DEZEMBRO DE 1998, EM VIRTUDE DA ALTERAÇÃO EFETUADA NO § 2º DO ARTIGO 58 DA LEI 8.213/91 PELA LEI 9.732, DE 11/12/1998. EM CONCORDÂNCIA COM A TURMA RECURSAL DO RIO GRANDE DO SUL, PENSO QUE HÁ DE SE OBSERVAR O DIREITO ADQUIRIDO À CONSIDERAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO CONFORME A LEI VIGENTE À ÉPOCA DE SUA PRESTAÇÃO. ATÉ 02/12/1998 NÃO HAVIA NO ÂMBITO DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO O USO EFICAZ DO EPI COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ESPECIAL. APENAS COM O ADVENTO DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.729 , PUBLICADA EM 03/12/1998 E CONVERTIDA NA LEI Nº 9.732 /98, A REDAÇÃO DO § 2º DO ART. 58 DA LEI Nº 8.213 /1991 PASSOU A EXIGIR “INFORMAÇÃO SOBRE A EXISTÊNCIA DE TECNOLOGIA DE PROTEÇÃO COLETIVA OU INDIVIDUAL QUE DIMINUA A INTENSIDADE DO AGENTE AGRESSIVO A LIMITES DE TOLERÂNCIA”. ASSIM, AS ATIVIDADES REALIZADAS ANTES DESTE MARCO TEMPORAL, DEVERÃO SER CONSIDERADAS ESPECIAIS INDEPENDENTEMENTE DE O DOCUMENTO ATESTAR A EFICÁCIA DO EPI, CONCLUSÃO ESTA QUE É EXTRAÍDA DO §6º DO ART.238 DA PRÓPRIA IN Nº 45 DO INSS. ANTE O EXPOSTO VOTO POR CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO PEDILEF, PARA DETERMINAR QUE AS ATIVIDADES EXERCIDAS ATÉ 02/12/1998 SEJAM TIDAS COMO ESPECIAIS, INDEPENDENTENTEMENTE DE CONSTAR NO PPP A INFORMAÇÃO ACERCA DO USO DE EPI EFICAZ.
O recurso ficou assim ementado:
PEDIDO NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CARACTERIZADO. AGENTES BIOLÓGICOS. POSSIBILIDADE, EM TESE, DA NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS PELO USO DE EPI, EXCETO O RUÍDO. ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO STF. EXAME DE PROVA. DESCARACTERIZAÇÃO, PELO USO DE EPI, DA ESPECIALIDADE DO TRABALHO PRESTADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 9.732/98. IMPOSSIBILIDADE. REAFIRMAÇÃO DE ENTENDIMENTO DESTA TNU. INCIDENTE PARCIALMENTE CONHECIDO E NESSA PARTE PROVIDO.
Processo nº 0001487-69.2012.4.03.6303