TST define tese jurídica sobre processos relativos à licitude da terceirização

O ponto central da discussão foram aspectos do chamado litisconsórcio passivo (presença de mais de uma empresa na mesma ação) entre a tomadora e a prestadora de serviços.

O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho concluiu, nesta terça-feira (22), o julgamento de incidente de recurso repetitivo sobre aspectos relativos aos processos em que se discute a licitude da terceirização. O ponto central da discussão foram as características e as consequências jurídicas do chamado litisconsórcio passivo (presença de mais de uma empresa na mesma ação) entre a tomadora e a prestadora de serviços.

Por maioria, o Tribunal decidiu que o litisconsórcio é necessário, ou seja, as duas empresas (tomadora e prestadora) devem fazer parte da ação, e unitário – a decisão deve produzir efeitos idênticos para as duas.

Mudança de jurisprudência

Os temas em discussão são desdobramentos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em agosto de 2018, fixou a tese de que é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantendo a responsabilidade subsidiária da empresa contratante  (caso a prestadora de serviços não consiga pagar os valores devidos, a tomadora é responsabilizada por eles).

O relator, ministro Cláudio Brandão, lembrou que o TST tinha jurisprudência consolidada sobre o reconhecimento da ocorrência de fraude na terceirização para o desempenho de atividades-fim, com a consequente condenação solidária da prestadora e da tomadora, e que a questão não gerava maiores debates. Contudo, a mudança do entendimento do STF teve impacto direto na compreensão do tema e no procedimento adotado nos pedidos dirigidos às empresas prestadoras, em muitos casos as únicas a recorrerem ao TST. Com isso, ressurgiu a discussão sobre a natureza do litisconsórcio formado nesses casos, levando à necessidade de fixação de tese jurídica pelo TST.

Necessário x facultativo

Sobre esse ponto, prevaleceu, no julgamento, o voto do ministro Douglas Alencar (revisor), no sentido do litisconsórcio necessário e unitário. “Afinal, o debate em torno da licitude do contrato de prestação de serviços firmado entre as empresas, sob a perspectiva da fraude, não pode ser travado sem que ambas compareçam ao polo passivo”, explicou. Trata-se, segundo a corrente majoritária, de uma relação triangular, que envolve a desconstituição de um negócio jurídico (o vínculo com a prestadora) para a constituição de outro (com a tomadora).

Seguiram o revisor as ministras Maria Cristina Peduzzi, Dora Maria da Costa e Morgana Richa e os ministros Alexandre Ramos, Ives Gandra Martins Filho, Renato de Lacerda Paiva, Dezena da Silva, Evandro Valadão, Amaury Rodrigues, Aloysio Corrêa da Veiga, Caputo Bastos e Emmanoel Pereira.

Para o relator, o litisconsórcio é facultativo: o trabalhador pode decidir se ajuíza a ação somente contra uma empresa ou contra as duas. Esse entendimento foi seguido pelas ministras Maria Helena Mallmann e Delaíde Miranda Arantes e pelos ministros Breno Medeiros, Augusto César, Alberto Balazeiro, Lelio Bentes Corrêa, José Roberto Pimenta, Mauricio Godinho Delgado, Hugo Scheuermann e Agra Belmonte.

Unitário x simples

Nesse aspecto, relator e revisor convergiram e formaram a maioria, ao entender que a decisão se aplica às duas partes, atingindo o real empregador (a tomadora) e a intermediadora da mão de obra, em razão do contrato de prestação de serviços firmado entre elas.

O ministro Augusto César abriu divergência parcial, ao votar pelo reconhecimento do litisconsórcio simples ou comum, em que as partes são tratadas como autônomas, e a decisão judicial sobre o mérito pode ser diferente para cada uma. Seguiram seu voto as ministras Maria Helena Mallmann e Delaíde Miranda Arantes e os ministros José Roberto Pimenta, Mauricio Godinho Delgado, Hugo Scheuermann e Agra Belmonte.

Tese

A tese aprovada foi a seguinte:

1) Nos casos de lides decorrentes da alegação de fraude, sob o fundamento de ilicitude da terceirização de atividade-fim, o litisconsórcio passivo é necessário e unitário. Necessário, porque é manifesto o interesse jurídico da empresa de terceirização em compor essas lides e defender seus interesses e posições, entre os quais a validade dos contratos de prestação de serviços terceirizados e, por conseguinte, dos próprios contratos de trabalho celebrados; Unitário, pois o juiz terá que resolver a lide de maneira uniforme para ambas as empresas, pois incindíveis, para efeito de análise de sua validade jurídica, os vínculos materiais constituídos entre os atores da relação triangular de terceirização;2) A renúncia à pretensão formulada na ação não depende de anuência da parte contrária e pode ser requerida a qualquer tempo e grau de jurisdição; cumpre apenas ao magistrado averiguar se o advogado signatário da renúncia possui poderes para tanto e se o objeto envolve direitos disponíveis. Assim, é plenamente possível o pedido de homologação, ressalvando-se, porém, ao magistrado o exame da situação concreta, quando necessário preservar, por isonomia e segurança jurídica, os efeitos das decisões vinculantes (CF, art. 102, § 2º; art. 10, § 3º, da Lei 9.882/99) e obrigatórias (CPC, art. 927, I a V) proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, afastando-se manobras processuais lesivas ao postulado da boa-fé processual (CPC, art. 80, I, V e VI). 2.1) Depois da homologação, a parte autora não poderá deduzir pretensão contra quaisquer das empresas – prestadora-contratada e tomadora-contratante – com suporte na ilicitude da terceirização da atividade-fim (causa de pedir). 2.2) O ato homologatório, uma vez praticado, acarreta a extinção do processo e, por ficção legal, resolve o mérito da causa (artigo 487, III, “c”, do CPC), produz coisa julgada material, atinge a relação jurídica que deu origem ao processo, somente é passível de desconstituição por ação rescisória (CPC, arts. 525, § 15, 535, § 8º, e 966) ou ainda pela via da impugnação à execução (CPC, art. 525, §12) ou dos embargos à execução (CPC, art. 535, § 5º) e acarretará a perda do interesse jurídico no exame do recurso pendente de julgamento;3) Em sede de mudança de entendimento desta Corte, por força da unitariedade imposta pela decisão do STF (“superação abrupta”), a ausência de prejuízo decorrente da falta de sucumbência cede espaço para a impossibilidade de reconhecimento da ilicitude da terceirização. Sendo assim, como litisconsorte necessário, a empresa prestadora que, apesar de figurar no polo passivo, não sofreu condenação, possui interesse em recorrer da decisão que reconheceu o vínculo de emprego entre a parte autora e a empresa tomadora dos serviços;4) Diante da existência de litisconsórcio necessário e unitário, a decisão obrigatoriamente produzirá idênticos efeitos para as empresas prestadora e tomadora dos serviços no plano do direito material. Logo, a decisão em sede de juízo de retratação, mesmo quando apenas uma das rés interpôs o recurso extraordinário, alcançará os litisconsortes de maneira idêntica; 5) – Não modular os efeitos desta decisão.

O recurso ficou assim ementado:

INCIDENTE DE JULGAMENTO DE RECURSOS DE REVISTA REPETITIVOS. TEMA REPETITIVO Nº 0018. DEFINIÇÃO DA ESPÉCIE E DOS EFEITOS JURÍDICOS DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NOS CASOS DE LIDE ACERCA DA LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS EM ATIVIDADE-FIM. FIXAÇÃO DAS TESES JURÍDICAS, DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. ARTIGOS 896-C da CLT e 926, § 2º, e 927 do CPC. O debate suscitado neste incidente envolve duas questões fundamentais: a) a natureza do litisconsórcio passivo – necessário ou facultativo, simples ou unitário – nas ações em que se discute a fraude na relação de terceirização e se pretende o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a empresa contratante ou tomadora dos serviços terceirizados e b) a possibilidade de manifestação de renúncias unilaterais por parte de reclamantes, como forma de constituir cenários processuais que preservem, em alguma extensão, os efeitos das condenações impostas a um dos litisconsortes passivos, afastando-se a aplicação das teses com efeitos vinculantes consagradas nos temas 725 e 739 da Tabela de Repercussão Geral do STF. Nos casos em que a pretensão deduzida envolve o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a empresa contratante, com fundamento em fraude na terceirização, emerge evidente e insuperável a necessidade de que a empresa prestadora figure também no polo passivo da lide, sob pena de nulidade. Afinal, o debate em torno da licitude do contrato de prestação de serviços firmado entre as empresas, sob a perspectiva da fraude, não pode ser travado sem que ambas compareçam ao polo passivo. Afirmar a ilicitude daquele negócio jurídico implica, em última análise, assentar a própria ilicitude do objeto social da empresa prestadora de serviços terceirizados, vulnerando o postulado constitucional da livre iniciativa (CF, arts. 1º, IV, e 170), do que decorre a necessidade de que seja citada para a lide (CPC, art. 238). Além disso, o próprio contrato laboral celebrado entre o trabalhador e a empresa de terceirização estará com sua validade e eficácia submetida ao crivo judicial, o que ratifica a necessária presença dessa última na disputa, em razão de sua própria condição de celebrante – e, portanto, juridicamente interessada – do referido negócio jurídico. Não se pode, a um só tempo, desconstituir a validade e eficácia dos contratos de trabalho e de terceirização celebrados entre os atores da relação triangular de terceirização, sem que todos os seus protagonistas sejam convocados à lide (CPC, art. 113, I e III). Nesses casos, o interesse jurídico da empresa prestadora está cabalmente configurado, o que torna exigível a sua presença na disputa, na condição de autêntica litisconsorte passiva necessária, sem o que não será válido o provimento judicial (CPC, art. 115, I). O decreto judicial de ilicitude da relação de terceirização, com a declaração do vínculo de emprego diretamente com o tomador, não pode ser editado sem que um dos titulares originários dessas duas relações jurídicas – a laboral e a de terceirização – seja instado a se defender. De fato, o próprio exame da validade e eficácia da relação jurídica de natureza civil, ligada ao contrato de prestação de serviços terceirizados, reclama a presença de todos os seus autores, sem o que o processo padece de vício irremediável, como remarca o multicitado art. 115, I, do CPC. Por isso, é imperativo reconhecer o caráter necessário do litisconsórcio passivo nesses casos, sendo também impossível qualquer solução que não seja a mesma para todos os interessados, o que remarca o seu caráter unitário. Nesse contexto, fixam-se, com força obrigatória, as seguintes teses jurídicas: 1) Nos casos de lides decorrentes da alegação de fraude, sob o fundamento de ilicitude da terceirização de atividade-fim, o litisconsórcio passivo é necessário e unitário. Necessário, porque é manifesto o interesse jurídico da empresa de terceirização em compor essas lides e defender seus interesses e posições, entre os quais a validade dos contratos de prestação de serviços terceirizados e, por conseguinte, dos próprios contratos de trabalho celebrados; unitário, porquanto o juiz terá que resolver a lide de maneira uniforme para ambas as empresas, pois incindíveis, para efeito de análise de sua validade jurídica, os vínculos materiais constituídos entre os atores da relação triangular de terceirização. 2) A renúncia à pretensão formulada na ação não depende de anuência da parte contrária e pode ser requerida a qualquer tempo e grau de jurisdição; cumpre apenas ao magistrado averiguar se o advogado signatário da renúncia possui poderes para tanto e se o objeto envolve direitos disponíveis. Assim, é plenamente possível o pedido de homologação, ressalvando-se, porém, ao magistrado o exame da situação concreta, quando necessário preservar, por isonomia e segurança jurídica, os efeitos das decisões vinculantes (CF, art. 102, § 2º; art. 10, § 3º, da Lei 9.882/1999) e obrigatórias (CPC, art. 927, I a V) proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, afastando-se manobras processuais lesivas ao postulado da boa-fé processual (CPC, art. 80, I, V e VI). 2.1) Depois da homologação, parte autora não poderá deduzir pretensão contra quaisquer das empresas – e prestadora-contratada e tomadora-contratante – com suporte na ilicitude da terceirização da atividade-fim (causa de pedir). 2.2) O ato homologatório, uma vez praticado, acarreta a extinção do processo e, por ficção legal, resolve o mérito da causa (artigo 487, III, “c”, do CPC), produz coisa julgada material, atinge a relação jurídica que deu origem ao processo, somente é passível de desconstituição por ação rescisória (CPC, arts. 525, § 15, 535, § 8º, e 966) ou ainda pela via da impugnação à execução (CPC, art. 525, §12) ou dos embargos à execução (CPC, art. 535, § 5º) e acarretará a perda do interesse jurídico no exame do recurso pendente de julgamento. 3) Em sede de mudança de entendimento desta Corte, por força da unitariedade imposta pela decisão do STF (“superação abrupta”), a ausência de prejuízo decorrente da falta de sucumbência cede espaço para a impossibilidade de reconhecimento da ilicitude da terceirização. Sendo assim, como litisconsorte necessário, a empresa prestadora que, apesar de figurar no polo passivo, não sofreu condenação, possui interesse em recorrer da decisão que reconheceu o vínculo de emprego entre a parte autora e a empresa tomadora dos serviços. 4) Diante da existência de litisconsórcio necessário e unitário, a decisão obrigatoriamente produzirá idênticos efeitos para as empresas prestadora e tomadora dos serviços no plano do direito material. Logo, a decisão em sede de juízo de retratação, mesmo quando apenas uma das Reclamadas interpôs o recurso extraordinário, alcançará os litisconsortes de maneira idêntica; MODULAÇÃO DE EFEITO. NÃO CABIMENTO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA INTEGRAL DA DECISÃO PROFERIDA PELO STF. “Considerando que o efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF nos temas já mencionados deve ser observado em sua inteireza, inclusive quanto aos aspectos temporais ou prospectivos, a modulação eventualmente feita por este Tribunal representaria indevida limitação. Assim, decidido o presente incidente, seus efeitos serão imediatos e se aplicarão a todos os processos em curso, observados os procedimentos definidos no Tema 733 da Repercussão Geral do STF”; PROCESSO MATRIZ Nº TST-RR- 1000-71.2012.5.06.0018. RECURSO DE REVISTA DA RÉ CONTAX S.A. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM A EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. INTERESSE RECURSAL. Ao não conhecer do recurso ordinário interposto pela empresa prestadora de serviços, com fundamento em ausência de interesse recursal, em virtude de, em relação a ela, os pedidos terem sido julgados improcedentes, a Corte Regional contrariou o item 3 da tese fixada no IRR 0018 pelo TST. Caracterizada, portanto, a alegada violação do artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido.

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Processo: IncJulgRREmbRep-RR-1000-71.2012.5.06.0018

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