Decisão da SDI-1 segue entendimento firmado pelo STF em caso com repercussão geral.
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho reformou decisão que havia declarado a invalidade de uma cláusula coletiva que isentava a empregadora do pagamento das horas de deslocamento. Seguindo o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento com repercussão geral (Tema 1046), o colegiado concluiu que direitos trabalhistas não garantidos constitucionalmente podem ser restringidos por meio de negociação coletiva, independentemente da especificação de vantagens compensatórias. Isso significa que empregados e empregadores podem negociar coletivamente para restringir ou mesmo suprimir o direito às horas de deslocamento.
Horas in itinere
A reclamação trabalhista foi proposta por um operador de produção da BRF S.A. em Rio Verde (GO), que pretendia integrar as horas de deslocamento (in itinere) à jornada de trabalho e receber as horas extras correspondentes.
A Terceira Turma do TST considerou inválida a cláusula coletiva que suprimia o pagamento dessas horas. Segundo o colegiado, a remuneração referente a esse tempo está entre as garantias mínimas asseguradas aos trabalhadores pela lei, e sua supressão por meio de negociação coletiva violaria a Constituição Federal.
STF
Ao julgar o recurso de embargos interposto pela empresa, o ministro Breno Medeiros, relator do apelo, discordou da fundamentação. Segundo ele, conforme decisão do STF, a norma coletiva que limita ou restringe as horas in itinere é válida, uma vez que se trata de direito não assegurado na Constituição Federal. Para o ministro, as cláusulas normativas não podem ferir um patamar civilizatório mínimo, mas esse não é o caso das horas de deslocamento.
Entendimento pacificado
O presidente do TST, ministro Lelio Bentes Corrêa, ressaltou que esse entendimento acerca da validade das cláusulas que suprimem horas de deslocamento já é adotado pela maioria das Turmas do TST e que essa foi a primeira manifestação da SDI-1 sobre o tema.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nos 13.015/2014, 13.105/2015 E 13.467/2017 – DESCABIMENTO. 1. TEMPO À DISPOSIÇÃO. TROCA DE UNIFORME. HIGIENIZAÇÃO. LANCHE. DESLOCAMENTOS INTERNOS. Nos termos da Súmula 366 do TST, “não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal, pois configurado tempo à disposição do empregador, não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residual (troca de uniforme, lanche, higiene pessoal, etc)”. Óbice do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula 333/TST. 2. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. RUÍDO E FRIO. FORNECIMENTO DE EPI. 1. O Tribunal Regional concluiu que a ré não se desincumbiu do ônus de provar o regular fornecimento dos EPIs indicados. 2. O substrato fático que dá alento à decisão regional, quanto à configuração de insalubridade, impede o acolhimento das ofensas alegadas (Súmula 126/TST ). 3. HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS. ATIVIDADE INSALUBRE. O art. 60 da CLT estabelece que, nas atividades insalubres, quaisquer prorrogações só podem ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de Medicina do Trabalho. Trata-se de norma de caráter tutelar, que constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, cuja observância é obrigatória. Nessa esteira, inexistindo autorização da autoridade competente, diversamente do que admitia a Súmula 349 desta Corte, atualmente cancelada, não há que se cogitar de validade do acordo de compensação de jornada. Inteligência da Súmula 85, VI, do TST. 4. HONORÁRIOS PERICIAIS. VALOR ARBITRADO . Não merece processamento o recurso de revista lastreado apenas em divergência jurisprudencial, quando o único aresto colacionado é inovatório, pois não apresentado em recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. II – AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nos 13.015/2014 E 13.105/2015 E 13.467/2017 – DESCABIMNETO. 1. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. CULPA DA RECLAMADA NÃO CONFIGURADA. 1.1. O reclamante pretende o reconhecimento da rescisão indireta pela ausência de pagamento, por parte da empregadora, de horas à disposição, adicional de insalubridade e horas extras, parcelas em discussão na presente reclamação trabalhista. 1.2. Nos termos do art. 483 da CLT, o empregado poderá considerar rescindido o seu contrato de trabalho e pleitear a respectiva indenização quando o empregador incorrer em uma das faltas nele descritas. O mesmo rigor que se exige na análise da falta cometida pelo trabalhador, para caracterização da justa causa, diante do princípio da continuidade, que rege o Direito do Trabalho, também deve ser adotado para a configuração da rescisão indireta. Isso implica dizer que o descumprimento das obrigações contratuais por parte do empregador, apto a ensejar a resolução unilateral do pacto, há que se revestir de gravidade suficiente a ponto de traduzir efetivo obstáculo ao prosseguimento da relação empregatícia. 1.3. Assim, considerando o quadro delineado no acórdão regional, não se vislumbra a falta grave alegada, justificadora de rescisão indireta. 2. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONSTRANGIMENTO DURANTE A TROCA DE UNIFORME NOS VESTIÁRIOS. CIRCULAÇÃO EM TRAJES ÍNTIMOS. A configuração do dano moral, segundo dispõe o art. 186 do CCB, pressupõe a existência de conduta ilícita do pretenso ofensor. No caso, o TRT descreve que “era permitido o uso de outras vestimentas, e não apenas de roupas íntimas, na passagem pela barreira sanitária”, razão pela qual não restou configurado o dano moral (Súmula 126/TST). Agravo de instrumento conhecido e desprovido. III – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nos 13.015/2014 E 13.105/2015 E 13.467/2017. 1. HORAS “IN ITINERE”. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. SUPRESSÃO DE DIREITO. INVALIDADE . Não há dúvidas de que o art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal chancela a relevância que o Direito do Trabalho empresta à negociação coletiva. Até a edição da Lei nº 10.243/2001, o conceito de horas “in itinere” decorria de construção jurisprudencial, extraída do art. 4º da CLT, não havendo, à época, preceito legal que, expressamente, normatizasse o instituto. Estavam os atores sociais, em tal conjuntura, livres para a negociação coletiva. Modificou-se a situação com o diploma legal referido, quando acresceu ao art. 58 da CLT o § 2º: a matéria alcançou tessitura legal, incluindo-se a remuneração das horas “in itinere” entre as garantias mínimas asseguradas aos trabalhadores. Assim, à época dos fatos, não se podia ajustar a ausência de remuneração do período de trajeto, sem demonstração de concessões recíprocas. Não há como se chancelar a supressão de direito definido em Lei, pela via da negociação coletiva. Além de, em tal caso, estar-se negando a vigência, eficácia e efetividade de norma instituída pelo Poder Legislativo, competente para tanto, ofender-se-ia o limite constitucionalmente oferecido pelo art. 7º, VI, da Carta Magna, que, admitindo a redução de salário, não tolerará a sua supressão. Recurso de revista conhecido e provido. 2. TEMPO À DISPOSIÇÃO. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. LIMITES. EFEITO DA LEI Nº 10.243/01. ART. 58, § 1º, DA CLT. SÚMULA 449/TST . “A partir da vigência da Lei nº 10.243/2001, de 27.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras”. Inteligência da Súmula 449 do TST. Recurso de revista conhecido e provido.
RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. HORAS IN ITINERE . PACTUAÇÃO POR NORMA COLETIVA. VALIDADE. OBSERVÂNCIA DO TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . A c. e. Terceira Turma conheceu do recurso de revista do reclamante, por contrariedade à Súmula 90, I, do TST e, no mérito, deu-lhe provimento para condenar a reclamada ao pagamento das horas in itinere. Concluiu ser inválida a cláusula coletiva mediante a qual se eximiu a empregadora do pagamento das horas de trajeto. O e. STF, no recente julgamento do Tema 1046 da Repercussão Geral, fixou a seguinte tese jurídica: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis” . De acordo com a referida tese, é válida norma coletiva que limita ou restringe direito trabalhista, desde que não assegurados constitucionalmente, ou seja, as cláusulas normativas não podem ferir um patamar civilizatório mínimo. Não se tratando as horas in itinere de direito indisponível, há de ser privilegiada a autonomia das partes, conforme previsto no art. 7º, XXVI, da Constituição Federal. Decisão embargada em desconformidade com a tese fixada no precedente de repercussão geral, de efeito vinculante. Recurso de embargos conhecido e provido .
Na mesma sessão, também foram reformadas outras duas decisões que haviam negado validade a cláusulas normativas semelhantes.
As decisões foram unânimes.
Processo: E-ARR-10643-86.2017.5.18.0101