A autorização é requisito formal essencial para a validade do processo
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho anulou um acordo coletivo assinado pela Federação Interestadual dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Nordeste (FITTRN), durante a pandemia da covid-19, sem aprovação da assembleia da categoria. Segundo o colegiado, a autorização é um requisito formal essencial para a validade do processo de dissídio coletivo, e nem mesmo o período de pandemia justifica o seu não cumprimento.
Acordo
Em agosto de 2020, a federação ajuizou o dissídio contra o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros no Município de João Pessoa (PB). Posteriormente, federação e sindicato fecharam o acordo coletivo, homologado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB).
Contudo, a homologação foi questionada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por não terem sido comprovadas a convocação e a realização de assembleia pela federação para aprovar a pauta de reivindicações.
Situação pandêmica
O TRT rejeitou o pedido, ressaltando que a situação pandêmica vivenciada no país impedia que as relações coletivas de trabalho fossem travadas de forma ortodoxa e inviabilizava as assembleias presenciais. Conforme o TRT, exigir o cumprimento de todas as exigências formais impossibilitaria a atuação da Justiça em dissídios coletivos.
Prejuízo aos trabalhadores
No recurso ao TST, o MPT argumentou que a pandemia não impedia a discussão da pauta reivindicatória nem sua submissão à categoria em assembleia geral, que poderia ter sido realizada por meio eletrônico. Ainda segundo o MPT, o acordo firmado pela federação havia causado enorme prejuízo aos trabalhadores, porque teria arruinado conquistas históricas, com “inexplicáveis renúncias a direitos básicos”.
Assembleias virtuais
O relator do recurso, ministro Agra Belmonte, verificou a ausência, no processo, do edital de convocação e da ata de assembleia de aprovação da pauta de reivindicações, documentos essenciais para a instauração do dissídio coletivo. Ele lembrou que as normas legais editadas durante a pandemia não suprimiram nem suspenderam a aplicação das disposições legais e processuais. A Lei 14.010/2020, por exemplo, autorizou a realização de assembleias de modo virtual ou telepresencial.
Pressupostos de validade
Para Belmonte, a celebração de acordos coletivos somente é válida quando for deliberada por assembleia geral especialmente convocada para esse fim, e não há como admitir a instauração de dissídio coletivo de natureza econômica sem o atendimento dos pressupostos previstos nos artigos 612 e 859 da CLT.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE ATIVA DA FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES CONDICIONADA À PRÉVIA AUTORIZAÇÃO EM ASSEMBLEIA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 29 DA SDC. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. A celebração das convenções e acordos coletivos de trabalho apenas tem validade quando deliberada por assembleia geral especialmente convocada para tanto, e a representação do ente sindical está igualmente subordinada à aprovação dos trabalhadores reunidos em assembleia. Nem mesmo o período de pandemia justifica o não cumprimento do pressuposto inafastável da autorização da categoria para a instauração do dissídio. Mesmo frente à singularidade advinda do período de pandemia causado pelo COVID-19, a legislação processual remanesce hígida, ainda que flexibilizada nos limites descritos no art. 5º da Lei 14.010/2020. Assim, diante do entendimento jurisprudencial sedimentado nesta Corte, em especial a OJ nº 29 da SDC, bem como do que preveem os arts. 612 e 859 da CLT, inalterados mesmo diante da já referida Lei 14.010/2020, não há como admitir a instauração de dissídio coletivo de natureza econômica sem o atendimento dos pressupostos de validade. Não há espaço sequer para a aplicação da Súmula 263 deste c. Tribunal, na medida em que a própria federação suscitante assere que não procedeu à convocação dos trabalhadores, nem realizou a assembleia. Nem mesmo a alegação de falta de representatividade da categoria porque o sindicato estaria acéfalo à época do ajuizamento do dissídio – a justificar a atuação da federação – permite superar o não preenchimento dos requisitos formais para a instauração da demanda, como aquele relacionado à aprovação, pelos trabalhadores, da pauta de reivindicações. O acordo ajustado entre as partes, após ser suscitado o dissídio, e cuja homologação se requer, padece da necessária legitimidade de parte. Recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho de que se conhece e a que se dá provimento para, à míngua de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, diante da falta de legitimidade ativa ad causam da federação suscitante, extinguir o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV e VI, do CPC, resguardadas, entretanto, as situações fáticas já estabelecidas, ao teor do art. 6º, § 3º, da Lei nº 4.725/65.
Processo: ROT-346-65.2020.5.13.0000