Tribunal mantém condenação de homem que utilizava estação de rádio clandestina

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve parcialmente a sentença, do Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, que condenou um homem por explorar atividade clandestina de telecomunicação a dois anos de prisão, em regime aberto, dez dias-multa, pena essa substituída por duas prestações pecuniárias, fixadas em R$ 2 mil.

Segundo os autos, o réu mantinha em sua residência uma estação que explorava clandestinamente serviços de telecomunicações, sem autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Ao recorrer ao Tribunal, o denunciado pediu absolvição sob o argumento de que as provas seriam insuficientes para sustentar uma condenação penal. Também alegou que não houve lesão à segurança dos serviços de telecomunicação, sendo cabível o princípio da insignificância.

Em seu voto, o relator, juiz federal convocado pelo TRF1 Marllon Souza, destacou que cabe à União fiscalizar os serviços de telecomunicação por intermédio das agências reguladoras e que o desenvolvimento dessas atividades sem o devido conhecimento pelo ente público é considerado pelo legislador como forma clandestina de agir de tal gravidade que expõe a sociedade a ponto de se buscar proteção na esfera penal.

Perigo real – “Esse tipo de conduta se trata de perigo real de interferência em frequências de rádio e na comunicação entre aeronaves e as torres de comando, que se potencializa com a proliferação da emissão de sinais sem o controle necessário do poder público”, observou o magistrado.

Ele ressaltou que para caracterizar o desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação basta que o aparelho seja instalado e colocado em funcionamento sem autorização. Não há necessidade de comprovação de potencialidade lesiva e por esse motivo não se aplica o princípio da insignificância.

Em seu voto, o magistrado fez uma observação: “não deixo de reconhecer a importância da profusão de rádios comunitárias, pois é por meio delas que se nutrem as microrrelações dentro das comunidades, bem como se reforçam os traços culturais locais, essenciais para a coesão dos microcosmos sociais no País”. Porém, de acordo com o relator, a Carta Magna exige expressamente a autorização do Poder Público para funcionamento das rádios comunitárias.

A “referida autorização tem fundamento no fato de que são inúmeros os fatores que influenciam no alcance da transmissão das ondas de rádio, não bastando para a análise de seu potencial ofensivo que o transmissor seja de potência inferior a 25W. Fatores como a topografia e, principalmente, a frequência em que são transmitidas as ondas de rádio são primordiais para concessão ou autorização de seu funcionamento”, explicou o magistrado.

Segundo o relator, a conduta do denunciado não se ajusta ao art. 70 da Lei 4.117/62, norma específica da radiodifusão aplicável quando o agente possui autorização do poder público para funcionamento da emissora, mas opera em desacordo com as normas e regulamentos. “O acusado não tinha essa autorização”, afirmou o desembargador.

Quanto à pena, o magistrado entendeu que merecia um ajuste e votou pela reforma parcial da sentença para substituir uma das penas de prestação pecuniária por prestação de serviços à comunidade em prol de entidade assistencial a fim de guardar proporcionalidade com a situação econômica do réu, cuja forma de pagamento e fiscalização do cumprimento ficará cargo do Juízo da Execução.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. TELECOMUNICAÇÕES. RÁDIO COMUNITÁRIA CLANDESTINA. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. DESCLASSIFICAÇAO PARA O ART. 70 DA LEI 4.117/62. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RÁDIO LOCALIZADA PRÓXIMA A AEROPORTO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. REVISÃO DAS PENAS SUBSTITUTIVAS. 1. A conduta narrada nos autos não se ajusta ao art. 70 da Lei 4.117/62, norma específica da radiodifusão, aplicável quando o agente possui autorização do poder público para funcionamento da emissora, mas opera em desacordo com as normas e regulamentos. O acusado não tinha essa autorização. Na hipótese, incide o art. 183 da Lei 9.472/97, que prevê como crime a atividade clandestina de telecomunicação, em qualquer modalidade, sem outorga legal prévia. 2. O delito previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97 trata-se de crime formal, de perigo abstrato, e tem, como bem jurídico tutelado, a segurança dos meios de comunicação, vez que a utilização de aparelhagem clandestina pode causar sérios distúrbios, por interferência em serviços regulares de rádio, televisão e até mesmo em navegação aérea e marítima. 3. Para a consumação do delito previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97, basta que alguém desenvolva atividades de telecomunicações de forma irregular, ou clandestinamente, ainda que não se concretize, ou não se apure prejuízo concreto para as telecomunicações, para terceiros ou para a segurança em geral. É que o fim visado pela Lei consiste em evitar o perigo de serem utilizadas as instalações irregulares ou clandestinas contra interesses nacionais, além dos inconvenientes decorrentes do uso de frequências, sistemas ou processos não autorizados. 4. Não há falar em atipicidade da conduta ante a ausência de clandestinidade, vez que basta para caracterizá-la a exploração da atividade de telecomunicação sem concessão, permissão ou autorização de serviço pela autoridade competente. 5. A jurisprudência de ambas as Turmas da 3ª Seção do STJ orienta-se no sentido de que, em relação ao delito do art. 183 da Lei n. 9.472/1997, “não há como reconhecer o reduzido grau de reprovabilidade ou a mínima ofensividade da conduta, de forma a ser possível a aplicação do princípio da insignificância. A instalação de estação clandestina de radiofrequência, sem autorização dos órgãos e entes com atribuição para tanto – o Ministério das Comunicações e a ANATEL -, já é, por si, suficiente a comprometer a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações, o que basta à movimentação do sistema repressivo penal.” (AgRg no AREsp n. 108.176/BA). 6. No caso, ainda que o serviço de radiofusão utilizado pela emissora tenha potência inferior a 25 Watts, não há como entender pela incapacidade de causar interferência nos demais meios de comunicação, uma vez que a rádio operada pelo réu está localizada em bairro próximo ao aeroporto da região, o que demonstra que o bem jurídico tutelado pela norma – segurança dos meios de telecomunicações – não permaneceu incólume. 7. Materialidade, autoria e dolo devidamente demonstrados nos autos. 8. Pena privativa de liberdade fixada em conformidade com as regras do art. 59 e 68, ambos do CP. Nos termos dos artigos 43 e 44, §2º, ambos do Código Penal, a pena superior a um ano de reclusão pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e uma multa ou por duas restritivas de direitos, sendo vedada, no caso destas últimas, a cumulação simultânea de mais de uma pena de prestação pecuniária, permitido apenas o acúmulo desta com uma pena de multa. 9. Mantida uma das penas de prestação pecuniária, apenas com redução do seu valor para guardar proporcionalidade com a situação financeira do réu. Alterada a outra pena substitutiva de prestação pecuniária para prestação de serviços à comunidade. 10. Apelação do réu parcialmente provida.

O Colegiado acompanhou o voto do relator.

 

Processo: 0000913-29.2010.4.01.3601

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