O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a cobrança de multa diária, no valor de R$ 500,00, ao estado do Rio Grande do Sul pela demora em cumprir prazos estabelecidos em sentença que determinou a realização de obras de melhorias em duas escolas estaduais localizadas na Terra Indígena Guarita, nos municípios de Tenente Portela (RS) e Redentora (RS). A decisão foi proferida por unanimidade pela 3ª Turma em 16/5.
O caso envolve ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). O MPF solicitou que o estado do RS fosse condenado a promover obras para melhorar as estruturas dos estabelecimentos educacionais indígenas.
Em março de 2016, a 1ª Vara Federal de Palmeira das Missões (RS) proferiu sentença determinando que fossem construídas novas salas de aula, espaço administrativo, refeitório, cozinha, sanitário, biblioteca, sala de informática e pátio coberto nas duas escolas, no prazo de um ano. A decisão estabeleceu multa diária de R$ 500,00 em caso de descumprimento de prazo.
Na fase de execução de sentença, o MPF argumentou que o estado não obedeceu ao prazo determinado para realizar as obras e requisitou que a multa fosse aumentada. Em dezembro de 2022, a 1ª Vara Federal de Palmeira das Missões ordenou “a majoração do valor da multa diária para R$ 1.000,00, até o cumprimento integral das disposições contidas na sentença”.
O estado do RS recorreu ao TRF4. No recurso, foi defendida “a necessidade do afastamento da cominação da multa diária, dado que o estado vem adotando todas as medidas necessárias e cabíveis ao cumprimento das medidas contidas na decisão, com a comunicação aos órgãos administrativos, estruturas complexas integradas por uma pluralidade de agentes e secretarias, o que torna difusa a responsabilidade pelo atendimento”.
A 3ª Turma manteve a imposição de multa diária, dando parcial provimento ao recurso apenas para reduzir a quantia. A relatora, desembargadora Vânia Hack de Almeida, destacou que, no processo, foi “identificada a mora estatal em garantir o acesso da comunidade indígena ao ensino público de qualidade”.
Em seu voto, ela acrescentou que “é viável a imposição de multa cominatória, afigurando-se demonstrada a demora para o cumprimento da condenação da causa principal, não passando de mera argumentação, sem manifesta comprovação, os entraves burocráticos enumerados pelo recorrente”.
Sobre o valor, a magistrada concluiu: “deve o valor da multa diária ser suficiente e compatível com a obrigação, não podendo, no entanto, ser exorbitante ou desproporcional, sob pena de ineficaz e desmoralizadora do próprio comando judicial. Impõe-se, assim, a redução para o montante de R$ 500,00, sem que se macule o caráter coercitivo da penalidade, sendo suficiente para desencorajar o descumprimento e razoável como parâmetro de punição”.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. OBRAS EM ESTABELECIMENTOS EDUCACIONAIS INDÍGENAS. MULTA DIÁRIA COMINATÓRIA. CABIMENTO. REDUÇÃO DO VALOR. DESTINAÇÃO.
- EVIDENCIADA NA CAUSA A NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DA EFICÁCIA DA DECISÃO AGRAVADA, UMA VEZ IDENTIFICADA A MORA ESTATAL EM GARANTIR O ACESSO DA COMUNIDADE INDÍGENA AO ENSINO PÚBLICO DE QUALIDADE, RESSAINDO QUE OS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS, REFERENTES ÀS OBRAS DAS ESCOLAS NÃO REALIZADAS, INICIARAM NO ANO DE 2010, PARA QUE SEJA POSSIBILITADO, O QUANTO ANTES, O SEU ACESSO ÀS INSTITUIÇÕES DESIGNADAS NO PRESENTE RECURSO.
- É VIÁVEL A IMPOSIÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA, AFIGURANDO-SE DEMONSTRADA, MERCÊ DE SUCESSIVOS PRAZOS CONCEDIDOS, A DEMORA TANTO NA SEARA ADMINISTRATIVA COMO NA SEARA JUDICIAL PARA O CUMPRIMENTO DA CONDENAÇÃO DA CAUSA PRINCIPAL, NÃO PASSANDO DE MERA ARGUMENTAÇÃO, SEM MANIFESTA COMPROVAÇÃO, OS ENTRAVES BUROCRÁTICOS ENUMERADOS PELO AGRAVANTE, O QUE CULMINA POR MALFERIR O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE NA HIPÓTESE EM COMENTO. INCIDÊNCIA DO ART. 536, § 1º, DO CPC.
- DEVE O RESPECTIVO VALOR DA MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) SER SUFICIENTE E COMPATÍVEL COM A OBRIGAÇÃO, NÃO PODENDO, NO ENTANTO, SER EXORBITANTE OU DESPROPORCIONAL, SOB PENA DE INEFICAZ E DESMORALIZADORA DO PRÓPRIO COMANDO JUDICIAL, PODENDO SER REDUZIDA QUANDO RESULTAR EM VALOR EXCESSIVO. IMPÕE-SE, ASSIM, A REDUÇÃO PARA O MONTANTE DE R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS), SEM QUE SE MACULE O CARÁTER COERCITIVO DA PENALIDADE, SENDO SUFICIENTE PARA DESENCORAJAR O DESCUMPRIMENTO E RAZOÁVEL COMO PARÂMETRO DE PUNIÇÃO.
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DESCABE A PRETENSÃO DO AGRAVANTE DA RESERVA DOS VALORES E DESTINAÇÃO PARA APLICAÇÃO NA CONSECUÇÃO DAS OBRAS DA CONDENAÇÃO, HAJA VISTA QUE RESTARIA BENEFICIADO POR SEU PRÓPRIO ATO DE DESCUMPRIMENTO.