TRF3 não reconhece prescrição e concede direito de sucessora receber pensão desde a morte do pai

Mãe já falecida era sucessora originária, sofria de Parkinson e ajuizou ação dois anos após óbito de marido

A Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconheceu o direito de uma filha receber pensão pela morte do pai, como sucessora da mãe, desde o óbito do segurado. A sucessora original, que morreu em consequência de Mal de Parkinson, havia requerido o benefício dois anos após o falecimento do marido.

Em primeiro grau, a 2ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo/SP havia concedido o benefício de pensão por morte, a partir da data do requerimento administrativo junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 10/03/2020.

A sentença considerou que ocorreu prescrição e não acatou o pedido de início de pagamento logo após o falecimento do segurado, em 11/08/2018. O entendimento foi de que, no caso do benefício de pensão por morte, para os relativamente incapazes, a contagem deve ser fixada na data do requerimento administrativo, caso o pedido seja realizado após 90 dias do óbito.

Para a relatora do acórdão, desembargadora federal Inês Virgínia, a prescrição não pode ser aplicada ao caso, conforme jurisprudência e legislação constitucional.

“Apesar da beneficiária original, no momento da ação, ser considerada relativamente incapaz, estava interditada e curatelada. A busca pela igualdade de condições não pode deixar de lado o tratamento distinto necessário às pessoas com deficiência”, afirmou.

O caso

Conforme os autos, a sucessora originária solicitou a pensão por morte do segurado em 10/03/2020. Após o INSS negar o benefício, a viúva, acometida de Parkinson, ajuizou ação na Justiça Federal e veio a óbito em 20/07/2020. A sentença julgou procedente o pedido e determinou o pagamento de atrasados à filha da beneficiária falecida, do período de 10 de março a 20 de julho.

No recurso ao TRF3, a parte autora demandou que o termo inicial do benefício deveria ser fixado à data do óbito do segurado. Ao analisar o caso, a desembargadora federal Inês Virgínia, acatou o pedido pela reforma da sentença.

A magistrada destacou que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) alterou o artigo 3º do O Código de Processo Civil (CPC), considerando pessoas absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil somente os menores de 16 anos.

Em relação às pessoas absolutamente incapazes, não há fluência de prazo prescricional nem decadencial; o que não ocorre com as relativamente incapazes, em que há prescrição e decadência.

No entanto, segundo a relatora, é necessária uma interpretação sistemática da Lei, considerando o caráter de norma protetiva.

“Não é razoável a exclusão da pessoa com deficiência psíquica ou intelectual que não tenha discernimento para a prática de atos da vida civil do rol dos absolutamente incapazes para a regra da imprescritibilidade, sob pena de ferir os princípios da isonomia e dignidade da pessoa humana constantes da Constituição Federal de 1988”, concluiu.

Assim, a Sétima Turma, por unanimidade, reconheceu o direito de sucessora à pensão por morte a partir da data de óbito do pai (11/08/2018), com o pagamento dos valores devidos até o falecimento da mãe (20/07/2020), parte autora sucedida.

O recurso ficou assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO – CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE –  TERMO INICIAL DO PAGAMENTO – PARTE AUTORA RELATIVAMENTE INCAPAZ –  PRESCRIÇÃO: AFASTAMENTO – ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – APELO DA PARTE AUTORA PROVIDO – SENTENÇA REFORMADA

– Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 e, em razão de sua regularidade formal, conforme certificado nos autos, a apelação interposta deve ser recebida e apreciada em conformidade com as normas ali inscritas.

– In casu, entendeu a i. Magistrada a quo que a parte autora sucedida,  interditada e curatelada por estar acometida do Mal de Parkinson,   é  relativamente incapaz, nos termos do inciso III do artigo 4º do Código Civil, alterado pela Lei nº 13.146/2015, correndo contra ela o prazo prescricional, devendo o benefício ser fixado na data do requerimento administrativo, já que pleiteado administrativamente após 90 dias do óbito de seu esposo, instituidor da pensão (artigo 74, II, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.183/97).

– Não há fluência dos prazos prescricional nem decadencial diante de pessoas absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, considerados, como tais, somente os menores de 16 anos (artigo 3º do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015).

– A Lei 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, alterou o artigo 3º do Código Civil, passando a considerar absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos, revogando os incisos I, II, e III.

– E as pessoas portadoras de enfermidade ou doença mental que não têm o necessário discernimento à prática dos autos da vida civil –  anteriormente incluídas no rol dos absolutamente incapazes (artigo 3º, II e III, do CC) – passaram a ser consideradas relativamente incapazes, nos termos do artigo 4º, com a redação dada pela Lei 13.146/2015.

– O artigo 198, I, do Código Civil, estabelece que “(…)  não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que trata o art. 3º;” . 

– As alterações introduzidas no Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência,  excluindo do rol dos absolutamente incapazes, as pessoas portadoras de enfermidade ou doença mental que não têm o necessário discernimento à prática passaram a sujeitar-se ao transcurso do prazo prescricional, assim considerada a pessoa curatelada, como na hipótese dos presentes autos.

– O Estatuto da Pessoa com Deficiência tem como escopo precípuo a autonomia e a autodeterminação da pessoa com deficiência, garantindo o pleno exercício de sua capacidade civil (art. 6º), com o intuito de maior inserção na sociedade.

– A busca pela igualdade de condições não pode deixar de lado o tratamento distinto necessário às pessoas portadoras de deficiência, que tenham ausência ou redução na sua autodeterminação, já que não se encontram em plena capacidade de interação na sociedade em condições de igualdade.

– Nessa linha de intelecção,  dispõe o artigo 4.4 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto n. 6.949, de 25/08/2009: ”  “Nenhum dispositivo da presente Convenção afetará quaisquer disposições mais propícias à realização dos direitos das pessoas com deficiência, as quais possam estar contidas na legislação do Estado Parte ou no direito internacional em vigor para esse Estado. Não haverá nenhuma restrição ou derrogação de qualquer dos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte da presente Convenção, em conformidade com leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob a alegação de que a presente Convenção não reconhece tais direitos e liberdades ou que os reconhece em menor grau.” 

– Ainda que  a Lei nº 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) tenha estabelecido como absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos, é necessário uma interpretação sistemática, considerando seu caráter de norma protetiva. Neste ponto, de fato, a referida norma causou prejuízos a quem pretende proteger, incorrendo em evidente contradição.

– Não se mostra  razoável a exclusão da  pessoa com deficiência psíquica ou intelectual que não tenha discernimento para a prática de atos da vida civil do rol dos absolutamente incapazes para a regra da imprescritibilidade, sob pena de ferir a intenção  da lei, de inclusão das pessoas com deficiência, em face dos princípios da isonomia e dignidade da pessoa humana constantes da Constituição Federal de 1988.  Precedentes: TRF 3ª Região: 10ª Turma, ApCiv 5008622-02.2021.4.03.6119, Rel. Des. Federal LEILA PAIVA MORRISON, j. em 26/10/2022, Intimação via sistema DATA: 28/10/2022; 7ª Turma, ApCiv 5003218-52.2020.4.03.6103, Rel. Juíza Federal Convocada VANESSA VIEIRA DE MELLO, j. em 10/03/2022, Intimação via sistema DATA: 18/03/2022.

–  A r. sentença monocrática merece reforma, a fim de estabelecer o termo inicial do benefício na data do óbito do instituidor (11/08/2018), com o pagamento  dos valores devidos até 20/07/2020, data do óbito da parte autora sucedida.

– Apelação da parte autora provida.

Apelação Cível 5005237-82.2020.4.03.6183

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