Enquadramento da categoria está classificado nos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79
A desembargadora federal Lucia Ursaia, da Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), confirmou sentença e reconheceu como atividade especial períodos em que um segurado trabalhou como cobrador de ônibus. A decisão também determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceder ao profissional o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Segundo a magistrada, as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do autor da ação comprovaram que ele trabalhou em atividade especial nos períodos de 1/3/1980 a 22/11/1982, de 15/04/1983 a 30/9/1986 e de 26/9/1990 a 5/3/1997.
O enquadramento da categoria profissional de cobrador de ônibus está classificado nos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79. “Assim, restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos indicados, conforme a legislação aplicável à espécie”, frisou a magistrada.
A relatora ainda ponderou que a utilização adequada de Equipamento de Proteção Individual (EPI) poderia eliminar o agente insalubre afastando a especialidade para fins previdenciários. Entretanto, não há nos autos prova de efetivo fornecimento do material pelo empregador.
Em primeira instância, a 7ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo havia reconhecido os períodos como atividade especial e determinado ao INSS implantar a aposentadoria por tempo de contribuição. A autarquia recorreu ao TRF3 argumentando ausência de preenchimento dos requisitos.
A desembargadora federal Lucia Ursaia não acatou os argumentos do INSS e manteve a sentença. O segurado faz jus ao recebimento da aposentadoria a partir de 29/8/2016, data do requerimento administrativo, com correção monetária e juros de mora.
Veja a decisão:
D E C I S Ã O
Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando a concessão da aposentadoria por tempo de serviço, mediante o reconhecimento de atividade urbana, de natureza especial, sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se a autarquia previdenciária a reconhecer o exercício de atividade especial nos períodos de 01/03/1980 a 22/11/1982, 15/04/1983 a 30/09/1986 e de 26/09/1990 a 05/03/1997 e a conceder a aposentadoria por tempo de contribuição integral, a partir do requerimento administrativo (29/08/2016), observada a prescrição quinquenal, com correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil. Foi concedida a tutela antecipada.
A r. sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, sustentando a ausência do preenchimento dos requisitos legais para o reconhecimento da atividade especial por todo o período postulado, bem como para concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a alteração da forma de incidência da correção monetária.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
O Novo Código de Processo Civil (art. 927 c/c art. 932, IV e V) atribui ao Relator a possibilidade de decidir monocraticamente os recursos a ele distribuídos, nas hipóteses ali previstas.
Inicialmente, recebo o recurso de apelação do INSS, haja vista que tempestivo, nos termos do art. 1.010 do Código de Processo Civil.
É firme a jurisprudência no sentido de que a legislação aplicável para a caracterização do denominado trabalho em regime especial é a vigente no período em que a atividade a ser considerada foi efetivamente exercida.
Para a verificação do tempo de serviço em regime especial, no caso, deve ser levada em conta a disciplina estabelecida pelos Decretos nºs 83.080/79 e 53.831/64.
Salvo no tocante aos agentes físicos ruído e calor, a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser obrigatória a partir de 05/03/1997, data da publicação do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou a Lei nº 9.032/95 e a MP 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528/97.
Contudo, acompanhando posicionamento adotado nesta 10ª Turma, no sentido de que em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10/12/1997, entendo que a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser exigência legal a partir de 11/12/1997, nos termos da referida lei, que alterou a redação do § 1º do artigo 58 da Lei nº 8.213/91. Neste sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp nº 422616/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 02/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 323; REsp nº 421045/SC, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 06/05/2004, DJ 28/06/2004, p. 382.
O artigo 201, § 1º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, passou a exigir a definição das atividades exercidas sob condições especiais mediante lei complementar, com a ressalva contida no art. 15 da referida EC nº 20/98, no sentido de que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 mantêm a sua vigência até que seja publicada a lei complementar exigida. Assim, dúvidas não há quanto à plena vigência, do artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91, no tocante à possibilidade da conversão do tempo trabalhado em condições especiais em tempo de serviço comum.
A propósito, quanto à plena validade das regras de conversão de tempo de serviço especial em comum, de acordo com o disposto no § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, traz-se à colação trecho de ementa de aresto: “Mantida a redação do § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91, em face da superveniência da Lei 9.711 de novembro de 1998 que converteu a MP 1.663/15ª sem acolher abolição da possibilidade de soma de tempo de serviço especial com o comum que a medida provisória pretendia instituir, e ainda persistindo a redação do caput desse mesmo art. 57 tal como veiculada na Lei 9.032/95 (manutenção essa ordenada pelo expressamente no art. 15 da Emenda Constitucional nº 20 de 15.12.98) de modo que o regramento da aposentadoria especial continuou reservado a”lei”, não existe respiradouro que dê sobrevida às Ordens de Serviço ns. 600, 612 e 623, bem como a aspectos dos D. 2.782/98 e 3.048/99 (que restringiam âmbito de apreciação de aposentadoria especial), já que se destinavam justamente a disciplinar administrativamente o que acabou rejeitado pelo Poder Legislativo. Art. 28 da Lei 9.711/98 – regra de transição – inválido, posto que rejeitada pelo Congresso Nacional a revogação do § 5º do art. 57 do PBPS.” (TRF – 3ª Região; AMS nº 219781/SP, 01/04/2003, Relator Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO, j. 01/04/2003, DJU 24/06/2003, p. 178).
Além disso, conforme se extrai do texto do § 1º do art. 201 da Constituição Federal, o trabalhador que se sujeitou a trabalho em atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física tem direito a obter a inatividade de forma diferenciada.
A presunção da norma é de que o trabalhador que exerceu atividades em condições especiais teve um maior desgaste físico ou teve sua saúde ou integridade submetidas a riscos mais elevados, sendo merecedor da aposentação em tempo inferior àquele que exerceu atividades comuns, com o que se estará dando tratamento equânime aos trabalhadores. Assim, se em algum período de sua vida laboral o trabalhador exerceu alguma atividade classificada como insalubre ou perigosa, porém não durante tempo suficiente para obter aposentadoria especial, esse tempo deverá ser somado ao tempo de serviço comum, com a devida conversão, ou seja, efetuando-se a correspondência com o que equivaleria ao tempo de serviço comum, sob pena de não se fazer prevalecer o ditame constitucional que garante ao trabalhador que exerceu atividades em condições especiais atingir a inatividade em menor tempo de trabalho.
É indubitável que o trabalhador que exerceu atividades perigosas, insalubres ou penosas teve ceifada com maior severidade a sua higidez física do que aquele trabalhador que nunca exerceu atividade em condições especiais, de sorte que suprimir o direito à conversão prevista no § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 significa restringir o alcance da vontade das normas constitucionais que pretenderam dar tratamento mais favorável àquele que labutou em condições especiais.
Assim, o disposto no § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 tem por escopo garantir àquele que exerceu atividade laborativa em condições especiais a conversão do respectivo período, o qual, depois de somado ao período de atividade comum, deverá garantir ao segurado direito à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço.
Todavia, não se exige que a profissão do segurado seja exatamente uma daquelas descritas nos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, sendo suficiente para reconhecimento da atividade especial que o trabalhador esteja sujeito, em sua atividade, aos agentes agressivos descritos em referido anexo, na esteira de entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica dos fragmentos de ementas a seguir transcritos:
“A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o rol de atividades consideradas insalubres, perigosas ou penosas é exemplificativo, pelo que, a ausência do enquadramento da atividade desempenhada não inviabiliza a sua consideração para fins de concessão de aposentadoria.” (REsp nº 666479/PB, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, j. 18/11/2004, DJ 01/02/2005, p. 668);
“Apenas para registro, ressalto que o rol de atividades arroladas nos Decretos n.os 53.831/64 e 83.080/79 é exemplificativo, não existindo impedimento em considerar que outras atividades sejam tidas como insalubres, perigosas ou penosas, desde que devidamente comprovadas por laudo pericial.” (REsp nº 651516/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. 07/10/2004, DJ 08/11/2004, p. 291).
O artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.732, de 11/12/1998, dispõe que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será efetuada nos termos da legislação trabalhista.
O art. 194 da CLT aduz que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente. Portanto, retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários.
Por sua vez, o art. 195 da CLT estabelece: A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo do Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o ARE 664.335/SC, em 04/12/2014, publicado no DJe de 12/02/2015, da relatoria do Ministro LUIZ FUX, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional nele suscitada e, no mérito, fixou o entendimento de que a eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, quando o segurado estiver exposto ao agente nocivo ruído, bem assim que “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. (…) Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.”.
No presente caso, a parte autora demonstrou haver laborado em atividade especial nos períodos de 01/03/1980 a 22/11/1982, 15/04/1983 a 30/09/1986 e de 26/09/1990 a 05/03/1997. É o que comprovam as anotações em CTPS (ID 7845109), trazendo a conclusão de que a parte autora desenvolveu sua atividade profissional, na função de cobrador de ônibus. Referida atividade encontra classificação no código 2.4.4 do Decreto nº 53.831/64 e código 2.4.2 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79.
Com relação ao fornecimento de equipamento de proteção individual pelo empregador, aprovado pelo órgão competente do Poder Executivo, seu uso adequado e a consequente eliminação do agente insalubre são circunstâncias que tornam inexigível o pagamento do adicional correspondente e retira o direito ao reconhecimento da atividade como especial para fins previdenciários. E, no caso dos autos o uso de equipamento de proteção individual, por si só, não descaracteriza a natureza especial da atividade a ser considerada, uma vez que não restou comprovada a eliminação da insalubridade do ambiente de trabalho do segurado. As informações trazidas no PPP não são suficientes para aferir se o uso do equipamento de proteção individual eliminou/neutralizou ou somente reduziu os efeitos do agente insalubre no ambiente de trabalho.
No caso dos autos, não há prova de efetivo fornecimento do equipamento de proteção individual ao trabalhador, ou seja, Ficha de Controle de Entrega do EPI ao trabalhador, com o respectivo certificado de aprovação do EPI, restando insuficiente a informação sobre a eficácia do referido equipamento.
Assim, restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos indicados, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição ao agente nocivo supra.
O período em que a parte autora trabalhou com registro em CTPS (ID 7845109) é suficiente para garantir-lhe o cumprimento do período de carência de 180 (cento e oitenta) meses de contribuição, na data do requerimento administrativo, nos termos do art. 142 da Lei nº 8.213/91.
No presente caso, a parte autora faz jus ao recebimento de aposentadoria por tempo de contribuição, benefício disciplinado pelo artigo 201, § 7º, da Constituição Federal e artigos 52 e seguintes da Lei nº 8.213/91, tendo em vista o preenchimento dos requisitos após a Emenda Constitucional nº 20/98.
Com efeito, computando-se a atividade especial desenvolvida nos períodos de 01/03/1980 a 22/11/1982, 15/04/1983 a 30/09/1986 e de 26/09/1990 a 05/03/1997, com o período de atividade comum anotado em CTPS (ID 7845109), o somatório do tempo de serviço da parte autora alcança 36 (trinta e seis) anos, 6 (seis) meses e 18 (dezoito) dias, na data do requerimento administrativo, o que autoriza a concessão de aposentadoria integral por tempo de serviço, devendo ser observado o disposto nos artigos 53, inciso II, 28 e 29 da Lei nº 8.213/91.
Ressalte-se que a imposição da regra de transição para a aposentadoria integral por tempo de serviço é inócua, não possuindo qualquer eficácia, uma vez que é mais gravosa do que a regra permanente. Inclusive, a Instrução Normativa INSS/PR nº 11, de 20/09/2006, que sucedeu a Instrução Normativa INSS/DC nº 118, de 14/04/2005, deixa claro que tanto os segurados que já se encontravam filiados ao R.G.P.S até 16/12/1998 quanto os que ingressaram posteriormente no sistema poderão obter o benefício mediante a comprovação de tempo de contribuição, sem qualquer exigência de “pedágio” ou idade mínima.
Na hipótese, essa egrégia Corte Regional enfrentando a matéria decidiu que “Não se exige para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, idade mínima ou pedágio, que incidem somente na aposentadoria proporcional, nos termos da EC 20/98, sendo este, inclusive, o entendimento adotado pela própria Autarquia Previdenciária, expresso em seus atos administrativos (IN 57/2001, IN 84/2002, IN 95/2003 e, mais recentemente, IN 118/2005).” (TRF – 3ª Região; AC nº 908063/SP, Relator Desembargador Federal Santos Neves, j. 08/08/2005, DJU 25/08/2005, p. 542). No mesmo sentido: “Afastada a incidência do requisito idade instituído no artigo 9º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, na concessão do benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição postulado, cabível sua incidência somente na concessão dos benefícios de aposentadoria proporcional, já que a Emenda Constitucional nº 20, na alteração introduzida no corpo permanente da Constituição, não fez incluir no inciso I do § 7º do artigo 201 o requisito idade para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço.” (TRF – 3ª Região; AI nº 216632/SP, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 28/03/2005, DJU 22/03/2005, p. 448).
A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final do RE 870.947/SE em Repercussão Geral.
Diante do exposto, nos termos do art. 927 c/c art. 932, IV e V do Código de Processo Civil, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, na forma da fundamentação.
Transitado em julgado, encaminhem-se os autos à Vara de origem, observadas as formalidades legais.
P. e I.
Apelação Cível 5008392-64.2018.4.03.6183