A comprovação do diagnóstico de visão monocular, caracterizada pela cegueira de um dos olhos, preenche requisito para concessão do benefício fiscal, a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, quando da aquisição de veículo. Com esse entendimento, a 13ª Turma do Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1), confirmou a sentença da 8ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Mato Grosso SJMT, a qual determinou a isenção com base no inciso IV do artigo 1º da Lei 8.989. Esse trecho da norma estabelece que ficam isentos do IPI os automóveis de passageiro de fabricação nacional quando adquiridos por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal.
No TRF1, o caso foi analisado sob relatoria do desembargador federal Roberto Carvalho Veloso. O magistrado pontuou em voto que normas garantidoras da isenção pretendida vão ao encontro de previsões constitucionais. “Essas leis estão em consonância com os postulados da dignidade da pessoa humana e da igualdade previstos nos artigos 1º, inciso III, 5º, caput, e 224 da Constituição Federal, visa primordialmente viabilizar, por intermédio do benefício da isenção, a efetiva integração dos indivíduos com deficiência na sociedade e o acesso a patamares melhores de qualidade de vida”, afirmou o relator.
Roberto Veloso também destacou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) favorável à isenção de IPI na compra de veículo automotor, por pessoa com deficiência visual. O desembargador finalizou o voto ressaltando julgados do próprio TRF1 sobre o assunto e validou as comprovações apresentadas no processo que atestam o diagnóstico. “No caso, de acordo com os exames médicos juntados que indicam a visão monocular, representada pelo Código Internacional de Doenças H54.4, cegueira em um olho, estão preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício fiscal, sem qualquer violação ao Código Tributário Nacional. E, de acordo com a jurisprudência observada por este Tribunal, considera-se que o indivíduo com visão monocular é reconhecido como uma pessoa com deficiência, fazendo jus à isenção de IPI na aquisição de automóvel. Bem como é necessário salientar que a lei não exige como requisito para o reconhecimento do direito que conste da Carteira Nacional de Habilitação – CNH o código de restrição médica”, ponderou.
O REsp 1935939, ficou assim ementado:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ALEGADA OMISSÃO QUANTO À ANÁLISE DOS ARTS. 1º DA LEI 8.989/95 E 111 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS, NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INCONFORMISMO. ISENÇÃO DE IPI NA AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEL POR DEFICIENTE VISUAL. ART. 1º, IV E § 2º, DA LEI 8.989/95. AUSÊNCIA DE PARADIGMA PARA COMPARAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE “MELHOR OLHO”, NECESSÁRIO À VERIFICAÇÃO DA ACUIDADE VISUAL. FUNDAMENTO SUFICIENTE DO ACÓRDÃO RECORRIDO INATACADO, NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO COM BASE EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 126/STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.
II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança impetrado pelo ora recorrido, pretendendo o reconhecimento da isenção do recolhimento de IPI na compra de automóvel, por ser portador de deficiência visual, nos termos do art. 1º, IV, da Lei 8.989/95. Denegada a segurança, foi interposta Apelação. O Tribunal de origem, dando provimento ao recurso, concedeu a segurança pleiteada.
III. O art. 1º, IV e § 2º, da Lei 8.989/95 concede isenção de IPI na aquisição de automóvel, nas condições que especifica, por pessoa deficiente visual, que apresente “acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações”.
IV. O Recurso Especial aponta violação ao art. 1.022 do CPC/2015, sustentando que opôs Embargos de Declaração, no Tribunal de origem, para “ver sanadas omissões quanto a dispositivos de lei federal e diversas questões fáticas relevantes ao deslinde da controvérsia, sobretudo quanto aos arts. 1° da Lei 8.989/95 e 111 do CTN, que demonstram a impossibilidade de se estender a hipótese de isenção do IPI para caso que não a comporta”. Alega que o acórdão recorrido, porém, rejeitou os Declaratórios, deixando de enfrentar “questões (…) imprescindíveis à resolução da lide, uma vez que têm o condão de inverter o julgamento da causa”. Entretanto, os Embargos de Declaração, opostos pela ora recorrente, no Tribunal a quo, encontravam-se dissociados da situação fática em discussão nos presentes autos, que concerne a deficiência visual monocular, para fins de isenção de IPI, prevista no art. 1º, IV e § 2º, da Lei 8.989/95. Os Declaratórios alegavam omissão, ao fundamento de que “a deficiência auditiva não consta do rol das deficiências eleitas pelo legislador para permitir a aquisição de veículos automotivos com a isenção do IPI”. Assim sendo, não se pode imputar de deficiente o acórdão que rejeitou os Declaratórios, em 2º Grau, de vez que não suscitavam eles a matéria que ora se tem por omissa, no Recurso Especial.
V. De qualquer sorte, não há falar, na hipótese, em violação ao art. 1.022 do CPC/2015, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que os votos condutores do acórdão recorrido e do acórdão proferido em sede de Embargos de Declaração apreciaram fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida. A solução da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015.
VI. Na forma da jurisprudência do STJ, não se pode confundir decisão contrária ao interesse da parte com ausência de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional. Nesse sentido: STJ, EDcl no REsp 1.816.457/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/05/2020; AREsp 1.362.670/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/10/2018; REsp 801.101/MG, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 23/04/2008.
VII. No caso, o Tribunal de origem entendeu ser devida a isenção ao contribuinte, ao fundamento de que “a existência do ‘melhor olho’ pressupõe, necessariamente, a comparação com o pior. Desta feita, resta evidente que a norma prevista no § 2° do art. 1° da Lei n° 8.989/1995 tem como pressuposto a visão biocular, onde o comparativo é possível”, e que “os documentos acostados aos autos demonstram que o apelante é portador de deficiência visual, com perda total da visão do olho direito, não havendo elemento indicativo de anormalidade na acuidade visual do olho esquerdo”. Concluiu que “a falta de paradigma não afasta a incidência da norma de isenção, vez que o cerne reside na diminuição acentuada do grau de acuidade visual”, invocando, como fundamento, precedente do STF, no sentido de que o portador de “visão monocular padece de deficiência que impede a comparação entre os dois olhos para saber-se qual deles é ‘o melhor’. A visão univalente – comprometedora das noções de profundidade e distância – implica limitação superior à deficiência parcial que afete os dois olhos”.
VIII. Tal fundamentação suficiente restou incólume, nas razões do Recurso Especial. Portanto, é de ser aplicado o óbice da Súmula 283/STF, por analogia (“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”).
IX. Com base no exame dos elementos fáticos dos autos – como demonstrado -, o Tribunal a quo concedeu a segurança postulada. Tal entendimento – firmado pelo Tribunal de origem, no sentido de que a parte impetrante faz jus à isenção de IPI, porquanto demonstrada a deficiência visual – não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, por exigir o reexame da matéria fático-probatória dos autos.
X. O Tribunal de origem, quanto à alegada violação ao art. 111 do Código Tributário Nacional, decidiu a controvérsia à luz dos princípios constitucionais da equidade e da razoabilidade. Existindo fundamento de índole constitucional, suficiente para a manutenção do acórdão recorrido, no que relativo à violação ao art. 111 do Código Tributário Nacional, cabia à parte recorrente a interposição de Recurso Extraordinário, de modo a desconstituí-lo. Ausente essa providência, o conhecimento do Especial esbarra no óbice da Súmula 126/STJ, segundo a qual “é inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta-se em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”.
Precedentes.
XI. Recurso Especial parcialmente conhecido, e, nessa extensão, improvido.O recurso ficou assim ementado:
TRIBUTÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. IPI. ISENÇÃO. AUTOMÓVEL. DEFICIÊNCIA VISUAL. VISÃO MONOCULAR. LEI Nº 8.989/95. DESCABIMENTO DA EXIGÊNCIA DE INDICAÇÃO DE RESTRIÇÃO COMPATÍVEL COM A DEFICIÊNCIA NA CNH.
1. A Lei n.º 8.989/95, em atendimento aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (artigos 1º, inciso III, 5º, caput, e 224 da Constituição), tem como objetivo oferecer às pessoas com deficiência física, por meio do benefício da isenção, sua inserção na sociedade e o acesso a melhores condições de vida.
2. A Lei n.º 14.126/2021 classificou a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.
3. Precedente do STJ concluiu que “a falta de paradigma não afasta a incidência da norma de isenção, vez que o cerne reside na diminuição acentuada do grau de acuidade visual”, invocando, como fundamento, precedente do STF, no sentido de que o portador de “visão monocular padece de deficiência que impede a comparação entre os dois olhos para saber-se qual deles é ‘o melhor’. A visão univalente – comprometedora das noções de profundidade e distância – implica limitação superior à deficiência parcial que afete os dois olhos”. (REsp n. 1.935.939/TO, Segunda Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 29/6/2021).
4. Os exames médicos juntados indicam a visão monocular, representado pelo CID H54.4, cegueira em um olho, de modo que estão preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício fiscal, sem qualquer violação ao disposto no artigo 111, inciso II, do CTN.
5. A lei não exige como requisito para o reconhecimento do direito, que conste da Carteira Nacional de Habilitação – CNH o código de restrição médica.
6. Apelação e remessa necessária não providas.
O colegiado da 13ª Turma do TRF1 acompanhou o relator de forma unânime.
Processo: 1000010-91.2021.4.01.3600
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