Condenados pela prática de crime de peculato, tipificado no art. 312 § 1°, do Código Penal, dois comerciantes e uma ex-estagiária da Caixa Econômica Federal (Caixa) apelaram no Tribunal Regional Federal da 1ª Região da sentença do Juízo da 4ª Vara de Tocantins. Segundo os autos, a ré utilizou a senha de dois funcionários da instituição bancária para realizar a operação fraudulenta de emissão de cartão de crédito em nome de terceira pessoa, e dele fez uso, prejudicando a instituição financeira, tendo em vista que a fatura nunca foi quitada.
O cartão havia sido emitido no nome de uma freira, que residia em um convento, na cidade de São Luís/MA e não possuía cartão de crédito ou conta bancária e nunca esteve em Tocantins. Além disso, não foi encontrado qualquer vínculo entre ela e a pessoa que recebeu a correspondência que continha o cartão de crédito.
Destaca-se ainda no processo que não foi encontrado nos arquivos da CEF documentação referente à contratação do cartão de crédito no nome da freira, o que indica que todo procedimento foi simulado diretamente no sistema do banco, sem que um terceiro tenha se passado pela contratante, utilizando-se de documentos de identificação em seu nome. A ausência de arquivos que confirmem a contratação evidencia que a fraude foi cometida com o auxílio de pessoas internas, que trabalham na instituição.
Ao verificar o histórico de compras, ficou provado que o maior repasse de valores do cartão de crédito teria sido feito para uma empresa de materiais de construção, no importe de R$ 44.720,00. Ao ser questionado, o proprietário da empresa afirmou que a quantia teria sido creditada em razão da compra de cimento realizada por uma mulher. Alegou ainda ter conferido os documentos pessoais antes de finalizar a transação e declarou que a cliente ordenou que terceiros buscassem o cimento.
Mediante recebimento da quantia pela Caixa, o proprietário da construtora transferiu o valor de R$25.000,00 para uma conta corrente para o sócio de uma empresa de instalação de som automotivo (réu, também apelante). Por meio dessa transação, descobriu-se que a estagiária era sócia da empresa que recebeu o montante.
Réus agiram em conjunto – Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Wilson Alves de Souza, observou que as circunstâncias em que se deram os fatos, assim como a efetiva destinação do dinheiro fraudulento, comprovaram o vínculo existente entre os réus, não deixando dúvidas de que todos eles agiram em conjunto.
No entendimento do relator, “a alegada atuação concertada dos réus com o objetivo de emitir de forma fraudulenta um cartão de crédito em nome de terceira pessoa que não o havia requerido e, na posse desse cartão, ter efetuado compra simulada em estabelecimento comercial a fim de receber, futuramente, o valor da operação, enquadra-se no tipo do art. 171/CP, em sua forma majorada, visto que teria sido a Caixa Econômica Federal a maior vítima da urdidura.”
A Terceira Turma do TRF1, por unanimidade, negou provimento às apelações, desclassificou o delito para estelionato majorado e ajustou as penas aplicadas aos réus, em razão da desclassificação efetivada.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMISSÃO FRAUDULENTA DE CARTÃO DE CRÉDITO. ATO PRATICADO POR ESTAGIÁRIO DA CAIXA EM CONCURSO DE PESSOAS. DENÚNCIA VINCULADA AO TIPO DO ART. 312/CP. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO DO ART. 171, § 3º/CP. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. APELAÇÕES DESPROVIDAS. AJUSTAMENTO DAS PENAS EM RAZÃO DA EMENDATIO LIBELLI.
1. Em exame apelações interpostas pelos Réus em desfavor da sentença pela qual o Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Tocantins os condenou “pela prática do crime tipificado no artigo 312, § 1°, do Código Penal, em concurso de pessoas (art. 29, CP).”
2. Hipótese em que os Apelantes foram condenados pela emissão fraudulenta de cartão de crédito em nome de terceira pessoa que não o havia requerido, realizando em seguida operação comercial simulada com vistas ao recebimento do numerário a tal operação correspondente. Tal urdidura, segundo a denúncia, teria causado prejuízos de aproximadamente R$50.000,00 à CAIXA.
3. Nos termos da jurisprudência do STF e do STJ, é possível a realização de emendatio libelli em segunda instância, sendo interditada a possibilidade de reformatio in pejus em desfavor da parte Ré. Precedentes.
4. O exame pormenorizado do contexto fático descrito na denúncia e apurado segundo a instrução processual aponta para a necessidade de desclassificação do tipo penal originalmente imputado, uma vez que seja como peculato-próprio ou como peculato-apropriação, o crime do art. 312 do Código Penal pressupõe a existência prévia de dinheiro, valor ou outro bem móvel que tenha sido assenhorado ou desviado pelo servidor ou por quem a este se equivalha para fins penais. A alegada atuação concertada dos Réus com o objetivo de emitir de forma fraudulenta um cartão de crédito em nome de terceira pessoa que não o havia requerido e, na posse desse cartão, ter efetuado compra simulada em estabelecimento comercial a fim de receber, futuramente, o valor da operação, enquadra-se no tipo do art. 171/CP, em sua forma majorada, visto que teria sido a Caixa Econômica Federal a maior vítima da trama.
5. O art. 1º, § 3º, IV, da Lei Complementar 105/2001 consigna não equivaler a violação ao dever de sigilo “a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa”.
6. “A Caixa Econômica Federal, no âmbito de fiscalização interna, está autorizada a acessar dados bancários de seus clientes, bem como de seus funcionários, a fim de verificar a possível prática de ilícito no interior daquela instituição, nos termos do art. 1º, III, da Lei Complementar 105/2001. Inexistência de quebra de sigilo bancário por aquela empresa pública federal.” (TRF1, ACR 0009017-27.2007.4.01.3500, Juiz Federal Marcus Vinícius Reis Bastos (Conv.), Quarta Turma)
7. Decisão judicial de quebra de sigilo bancário devidamente fundamentada no binômio necessidade/utilidade. Preliminar rejeitada.
8. Materialidade e autoria demonstradas pela prova produzida: Constatação de que a primeira Ré era estagiária da agência da CAIXA na qual foi feita a emissão do cartão de crédito; de que ela tinha acesso às senhas dos funcionários da empresa pública; de que o cartão emitido foi posteriormente utilizado em uma compra simulada de cimento, em valor superior a quarenta mil reais, em uma única ocasião e no mesmo estabelecimento; de que grande parte do valor da operação foi depositado na conta corrente de uma empresa de titularidade dos dois primeiros réus (a estagiária da CAIXA e seu então namorado); e de que o restante do valor foi sacado em espécie pelo terceiro Réu, proprietário do estabelecimento comercial no qual foi realizada a operação comercial simulada. Verificado, ainda, que as notas fiscais emitidas para comprovar a operação eram incompatíveis com o contexto temporal em que se deu a “compra” realizada pelos primeiros Réus.
9. Apelações desprovidas.
10. Ajustamento da dosimetria em razão da desclassificação do crime do art. 312/CP para o tipo do art. 171, § 3º, CP.
11. Penas privativas de liberdade aplicadas em 1 ano, 5 meses e 23 dias de reclusão para os dois primeiros Réus (menores de 21 anos à época dos fatos) e em 1 ano, 9 meses e 10 dias de reclusão para o terceiro Réu.
12. Substituição das penas privativas de liberdade por duas restritivas de direitos.
As penas privativas de liberdade foram aplicadas em 1 ano, 5 meses e 23 dias de reclusão para os dois primeiros réus (menores de 21 anos à época dos fatos) e em 1 ano, 9 meses e 10 dias de reclusão para o terceiro réu.
Processo: 0005336-93.2015.4.01.4300